quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

THE CIPLA, PLASTIC INDUSTRY, UNDER WORKERS’ CONTROL

O controle dos trabalhadores na CIPLA **



Neusa Maria DAL RI1
Candido Giraldez VIEITEZ2

O imperialismo neoliberal atua como precarizador contumaz
do mercado de trabalho e dos direitos sociais e políticos, malefícios aos
quais, na atual quadra histórica, se soma o desemprego estrutural.
Reagindo a esse contexto, contingentes de trabalhadores no país e na
América Latina vêm se associando com o propósito de obter o controle
sobre unidades de produção. No entanto, o controle de unidades
econômicas pelos trabalhadores pode ser tanto uma maneira de tentar
salvaguardar postos de trabalho sob ameaça imediata de extinção,
quanto o de criar postos de trabalho novos presididos por uma
perspectiva social distinta da capitalista.

Em suas manifestações concretas o trabalho associado vem se
abrigando sob diversas formas jurídicas: associação civil que é
proprietária de uma fábrica; sociedade empresarial limitada;
empreendimento estatal-cooperativo; sociedade anônima de legislação
adaptada; e cooperativa, a forma mais usual.

Em termos substantivos genéricos, o trabalho associado
significa que um coletivo de trabalhadores, por propriedade ou posse,
assume o controle de uma unidade econômica mediante alguma forma
de associação de cooperação legal ou informal, suprime o trabalho
assalariado legalmente ou de fato, e assume o duplo status de trabalhador
e empreendedor coletivo segundo princípios democráticos de associação
e auto-administração. Este é o caso da CIPLA que ora examinamos.
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1 Professora Livre-docente da Faculdade de Filosofia e Ciências, Unesp, Campus de
Marília e líder do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia, Marília, São Paulo,
Brasil. neusamdr@terra.com.br

2 Professor Assistente Doutor do Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade
de Filosofia e Ciências, Unesp, Campus de Marília e vice-líder do Grupo de Pesquisa
Organizações e Democracia, Marília, São Paulo, Brasil. Vieitez@cebinet.com.br
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DAL RI, N. M.; VIEITEZ, C. G.

A CIPLA – Indústria de Materiais de Construção está situada
na cidade de Joinville, no Estado de Santa Catarina, Brasil3 . Instalada
em um parque fabril com quarenta e cinco mil metros quadrados, esta
fábrica pode gerar cerca de mil postos de trabalho e produz ampla gama
de materiais plásticos como conexões, caixas de água, válvulas e
complementos, dentre outros. Fundada em 1963, tornou-se uma das
indústrias mais tradicionais do ramo, tendo sua marca reconhecida em
todo território nacional e também na América Latina.

Na década de 1990, a CIPLA ainda aparecia como uma
empresa próspera. Porém, no transcorrer desta década ela passou a
sofrer crescentes dificuldades econômico-financeiras. Cerca de dez anos
mais tarde, em outubro de 2002, depois de delongado e paroxístico
confronto entre patrão e empregados e em meio a aguda crise financeira
e operacional da gestão capitalista, os trabalhadores assumiram o
controle da fábrica.

Em seguida, apresentamos fragmentos do material empírico
recolhido na CIPLA em agosto de 2006, com destaque para entrevistas
realizadas com trabalhadores e dirigentes4 . Os excertos transcritos foram
selecionados em correspondência com os temas que consideramos
estratégicos para uma elucidação preliminar dos acontecimentos nessa
empresa.

O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES

Como é freqüente que ocorra quando buscamos compreender

o processo de crise empresarial que precede o movimento dos
trabalhadores pelo controle de um empreendimento, as causas presentes
neste caso podem ser descritas como: gestão questionável do
empreendimento por seus proprietários gestores, - não destituída de
uma dimensão predatória antitrabalhista – conjuminada aos efeitos
industriais adversos decorrentes da subsunção dos governos centrais
ao imperialismo dos países hegemônicos.
A CIPLA era uma empresa forte. O antigo proprietário,
Bautscher, que tinha herdado a firma, veio dos EUA com um
modelo de gestão. Ele segmentou a firma em várias unidades. E
começou a atacar vários ramos de negócios ao mesmo tempo.
Aparentemente, no começo havia dinheiro para isso. Mas como

3 http://www.cipla.com.br

4 Em agosto de 2006, os pesquisadores estiveram na CIPLA realizando observações e
entrevistas com dirigentes e trabalhadores da fábrica.

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empresário ele demonstrou problemas. Tentou implantar uma
fábrica de tubos de pvc no Paraguai sem considerar que lá ainda
se usavam tubos de ferro na construção civil. Pensou em
construir uma fábrica de helicópteros no Brasil copiando dos
americanos. O helicóptero em que estava com uma autoridade
fazendo uma demonstração, caiu sobre um telhado. Quando veio

o plano Collor começaram os problemas. Ele deixou de pagar
os impostos: INSS, Fazenda, etc. Não tardou começaram os
problemas salariais. Falta de pagamento, não recolhimento do
FGTS e por aí. A coisa foi se agravando e abriu-se o conflito.
(DIRIGENTE 1, 2006).

Na CIPLA não havia tradição de militância operária. O
Sindicato local da categoria era passivo ou mesmo conivente com o
patronato. Porém, o conflito aberto que se instalou decorreu basicamente
da não observância dos direitos dos trabalhadores pela empresa. Os
trabalhadores, desesperados por não receberem seus salários e por
sofrerem crescentes arbitrariedades, como, por exemplo, demissões por
justa causa que cada vez mais colocava em cheque sua já precária
segurança de subsistência, mobilizaram-se e foram aprendendo e
crescendo na luta. Mas, neste processo apareceu a necessidade de resgate
da organização sindical das malhas do imobilismo.

Há uma faceta nos acontecimentos que conduziram à luta dos
trabalhadores e, posteriormente, ao controle operário na CIPLA que
devemos ressaltar. Em acontecimentos análogos a esse, não tem sido
incomum a participação de uns poucos ativistas sindicais que de um
modo ou outro apóiam os trabalhadores mobilizados para o controle.
Porém, é mais rara a presença de quadros5 políticos de partidos de
trabalhadores nesse tipo de movimento, sobretudo exercendo papel
estratégico. Diversamente, porém, isto foi o que ocorreu na CIPLA. Aqui
esses militantes se embrenharam na luta juntamente com os
trabalhadores, desempenharam importante papel e acabaram
integrando-se ao movimento e, posteriormente, ao controle da fábrica.

Em 2000, uma parte do décimo terceiro não é pago. Depois
começaram a surgir problemas com salários. Em 2002 a
administração resolve não pagar de novo o décimo. Houve uma
greve espontânea porque o sindicato não fez nada. Nessa
paralisação o patrão mandou embora oitenta operários,
demitidos por justa causa. O sindicato não fez nada. O sindicato
não deu resposta. O pessoal se recolheu. E aí o Bautscher resolveu

5 Por comodidade de exposição estamos denominando de quadros os militantes ligados
ao movimento operário e popular ou partidos políticos, ideologicamente definidos,
politicamente experientes e com preparo intelectual diversificado, mas apreciável.

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pisar na cabeça dos trabalhadores. A partir daí não pagou mais
as férias. Começou a pagar por semana, um quarto, um quinto.
Os direitos foram pro vinagre. Quem era demitido não recebia.
Cobrava dos clientes e não mandava o produto. A empresa
começou a não pagar ninguém. Chegou uma hora que os
trabalhadores não que viam nada no sindicato foram atrás da
CUT. Até que chegaram até o vereador Mariano. Eu coordenava

o Gabinete. Queremos ir para a porta de fábrica para que a
gente receba a rescisão [.....]. Vamos para a porta de fábrica. O
Serge entrou. Não era da CUT, mas tinha relações. Viemos para
a porta da fábrica e inflamamos os trabalhadores. Fomos
envolvendo e levamos para a Câmara Municipal. A Câmara
tirou uma Comissão para pressionar para pagar os salários dos
trabalhadores [...]. Fomos para a greve [...]. Nesse processo
envolvemos o sindicato também. Eu trabalhava na rádio. E
consegui pela rádio envolver o sindicato. Tinha um problema
de falcatrua no sindicato. E meu programa fez um combate
ajudando os que estavam lutando contra isso. Aí o sindicato
entrou e os trabalhadores começaram a ter mais firmeza.
Deliberamos pela greve. Oito dias de greve. Uma repressão forte.
Tinha o respaldo na Câmara Municipal. (DIRIGENTE 2, 2006).
A bandeira do controle operário das fábricas, que significa a
negação do controle capitalista e supõe autonomia de controle das
unidades de trabalho pelos trabalhadores, foi muito importante no
movimento operário que culminou na Revolução Russa. Os
bolcheviques, com Lênin à frente, defenderam um controle operário
limitado das empresas, enquanto que os anarquistas e outras correntes
defenderam a autogestão. Subsequentemente à revolução, essa consigna
de luta que questionava o poder burguês diretamente no âmago das
relações sociais capitalistas, recuou para a penumbra da história. Os
sindicatos lutaram predominantemente por melhores condições de
trabalho e de vida no quadro da Ordem, enquanto que os partidos
revolucionários concentraram-se na atividade política, promovendo o
confronto, quando era o caso, em outros terrenos da vida social.

A participação dos quadros políticos no movimento da CIPLA
reitera essa constatação empírica e programática. Embora esses
militantes estivessem ligados a organizações que se reivindicam
revolucionárias, marxistas e socialistas, o controle operário como
perspectiva de luta imediata lhes era praticamente estranha, de sorte
que foi a dinâmica concreta da movimentação dos trabalhadores por
seus direitos, e não qualquer pressuposto teórico ou programático, que
os colocou frente a frente com o dilema do controle.

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O controle dos trabalhadores na CIPLA

Nunca me passou pela cabeça que acabaríamos com a empresa
na mão. Queríamos os direitos. Mas o patrão levou quatro dias
para iniciar a negociação. Ele apostou na repressão. Pressão em
cima dele. As montadoras pressionavam por peças. Aí
começamos a pensar que tínhamos que tomar isto aqui [...].
Quem trouxe essa idéia? Eu lembro que o Serge e Chico Lessa
começaram a refletir sobre essa possibilidade. E o Ministério
Público Federal, do Trabalho. Não lembro. Surgiu no coletivo.
A gente vinha desconfiado. Como vamos assumir isto aqui? O
Ministério Público deu uma prensa. Vocês vão ter que sair fora
e os trabalhadores têm que assumir aqui. Aí à meia noite os
patrões vieram e disseram: não queremos mais. A empresa é de
vocês. Aí dissemos. Pera aí, vamos discutir com os
trabalhadores. Passamos a noite refletindo. O que é isso? Era
muito complicado pra nós. Aí no dia seguinte fizemos a reunião
com os trabalhadores e fizemos uma minuta. Depois que falaram
para ficarmos eles disseram: vocês ficam com 49% e nós com
51%. Não aceitamos. A reação dos trabalhadores foi positiva.
Não teve ninguém contra. Vocês são loucos. Vamos pegar isso
porque nós vamos dar conta. Mas surpresos com a proposta
porque jamais pensamos nisso. (DIRIGENTE 2, 2006).

Outro aspecto peculiar do Controle instaurado na CIPLA, que
praticamente não se encontra nos demais processos de recuperação de
fábricas pelos trabalhadores no país, é o modo como se organizou o
controle, bem como sua perspectiva de futuro.6

A ORGANIZAÇÃO DO CONTROLE

No Brasil, a maior parte dos empreendimentos de trabalho
associado assume a forma jurídica de cooperativa, o que se observa
inclusive numa organização de luta de classes como é o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Dentre várias, mencionamos
três das possíveis determinantes deste fato.

Há uma história do movimento operário ligada ao
cooperativismo. A forma de organização cooperativa foi criada pelos
trabalhadores no século XIX, embora depois a burguesia tenha
emprestado essa forma e também criado suas cooperativas. De qualquer
modo foi criado um movimento cooperativista internacional que tem
influência em todos os países.

6 De fato, um curso muito semelhante de ações e proposições está presente na Flaskô e
Intefibras, mas estas fábricas eram do mesmo grupo que a Cipla, e estiveram sujeitas
praticamente às mesmas influências.

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Um segundo ponto é que, possivelmente em decorrência da
flexibilidade das normas do cooperativismo, a maior parte dos Estados
nacionais, no que se incluí o Brasil, dispõe de uma legislação sobre
cooperativas.

Por fim, a legislação cooperativa atende variavelmente bem
ao trabalho associado que adota o cooperativismo como orientação
organizativa, ideológica e programática, mas é também a forma jurídica
imediatamente menos desfavorável a outras modalidades de trabalho
associado erigidas sobre a propriedade privada, as quais, como o
mencionado MST, não adere à linha do cooperativismo7 .

Uma das características a relevar no controle operário
desenvolvido na CIPLA é que este rejeitou completamente a cooperativa
ou qualquer outra das formas jurídicas disponíveis baseadas na
propriedade privada por considerá-las lesivas aos trabalhadores. Em
vez disso, desde o começo do processo de controle, os trabalhadores
defenderam que a estatização é a única maneira de viabilizar a empresa
compatível com os seus interesses.

Há evidências de que a influência dos quadros partidários na
defesa intransigente da tese da estatização tenha sido decisiva nessa
deliberação. Independentemente de seu acerto para a situação concreta
da CIPLA, cabe-nos observar que essa posição decorre de uma tradição
ideológica muito freqüente entre diversas correntes comunistas depois
de 1917 - que hoje começa a ser reexaminada -, a qual se encontra muito
influenciada pela idéia de estatização ou nacionalização generalizada
dos meios de produção.

A importância da estatização ou nacionalização para esses
quadros revela uma vez mais, sob outro ângulo, a pouca importância
que a consigna do controle operário ocupa no seu pensamento político.
Com efeito, para os quadros dirigentes da CIPLA, o controle operário,
sob qualquer modalidade, não é primordial, ao menos em termos da
luta imediata. O momento absolutamente prioritário é a estatização da
fábrica e concomitante a preservação dos postos de trabalho.

7 Por cooperativismo estritamente considerado entendemos aquela corrente
programática que está representada na maioria das legislações nacionais. Esta é uma
linha normativa que com maior ou menor fidelidade recolhe os preceitos da Aliança
Cooperativa Internacional (ACI). Os preceitos da ACI são tão flexíveis, ou seja, abstratos,
que possibilitam tanto a formação de cooperativas de trabalhadores quanto a de
capitalistas. Nos dias atuais, mesmos as cooperativas de trabalhadores que se situam
nesse quadro de referência apresentam pouca ou nenhuma propensão para realizarem
as lutas de classes que são características do MOP.

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Éramos ligados aos lambertistas. Rachamos porque são

completamente contra a ocupação de fábricas. Houve racha e

não teve como manter. Éramos da escola lambertista e hoje

estamos nos aproximando da Corrente Marxista

Internacionalista. Nossa proposta é o socialismo, tomada dos

meios de produção. A proposta é por meio da tomada do Estado.

Na crise os trabalhadores vão ocupar a fábrica. Tomar a fábrica

estava no O Trabalho como programa de transição na crise.

(DIRIGENTE 2, 2006).

A situação a que se chegou foi responsabilidade dos Bautscher
e do Estado. Como é que um empresário fica dez anos sem pagar
nenhum imposto e o Estado não faz nada? Falido o empresário, o Estado
é, portanto, responsável. Aqui havia mais de mil postos de trabalho.
Do nosso ponto de vista o Estado deve assumir. Por que não cooperativa?
As cooperativas são um desastre. Veja a Cooperminas que conheço bem.
Tinha mais de mil trabalhadores. Eles mandaram embora a metade. E
depois emergiu lá dentro uma guerra de camarilhas para ver quem
ficava com o espólio. Algumas cooperativas dão certo. Poucas. A maioria
fica com problemas insolúveis. E elas passam a explorar os trabalhadores
como os patrões. A solução é a estatização. A economia solidária pensa
que vai crescer e crescer até chegar à transformação total da economia.
Eles imaginam que a burguesia não vai perceber e vai permanecer quieta,
assistindo tudo isso. Um absurdo. Estatização [...]. Os trabalhadores
serão funcionários do Estado. Nós aqui assumimos isso, estatiza. Vai
colocar um funcionário do governo para dirigir? Tudo bem. A nossa
prioridade absoluta é garantir o emprego para os trabalhadores. O
controle por parte dos trabalhadores é uma segunda fase. O primeiro é
lutar para preservar os empregos.

Bom, há uma fase de transição. Nessa fase deve haver a
estatização. Se por toda parte irrompe a crise nas empresas, o Estado
deverá ir estatizando. A nossa é uma luta política, a luta com todos os
trabalhadores. A estatização é um primeiro passo e o controle por parte
dos trabalhadores é outra coisa, vem depois (DIRIGENTE 1, 2006).

A DEMOCRACIA OPERÁRIA

Na CIPLA os trabalhadores obtiveram dos patrões uma
procuração para dirigirem a fábrica o que, portanto, não alterou a razão
social desta. Por outro lado, a defesa intransigente da estatização
congelou as possíveis alternativas apoiadas na propriedade privada.
Consequentemente, o estatuto legal dos trabalhadores continuou a ser

o de assalariados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
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Sociedade anônima, o contrato social é composto pelos antigos
acionistas. Por procuração a gestão foi passada para os
trabalhadores. Veio um interventor do Ministério Público e
intermediou essa transferência. Sempre há uma dúvida quanto
à situação. Quando vem o fiscal do INSS há dúvida, vêm os
advogados e o sujeito fica louco. Há dúvidas (TRABALHADOR

1, 2006).

No entanto, em oposição a esse estatuto legal, e no aguardo
da postulada estatização, o controle operário criou imediatamente os
fundamentos de seu poder na fábrica. Este poder encontra-se sintetizado
na assembléia geral de fábrica, composta irrestritamente por todos os
trabalhadores. Por uma parte, a assembléia geral é a instância em
princípio soberana de poder operário na fábrica e, ao mesmo tempo, é a
expressão prática, mais tácita do que formal, da associação para o
trabalho que se estabelece entre os trabalhadores, a qual se encontra
cimentada na vigência da assembléia.

O exercício do poder operário tampouco pode prescindir de
várias outras instâncias mediadoras. Assim, na CIPLA foram criadas
outras esferas de gestão, com destaque para as assembléias setoriais e
as de turno, por exemplo, a constituição de uma Comissão de Fábrica
eleita pela assembléia geral e o Conselho Administrativo da Fábrica.

O poder máximo na fábrica está com a assembléia geral. Lá se
decidem as diretrizes fundamentais da empresa. Além disso, a
assembléia geral elege por voto direto e aberto uma comissão
de fábrica para efeitos de administração da fábrica. Nessa
comissão há mais de trinta pessoas, a maior parte constituída
por trabalhadores, representando os três turnos. Essa comissão
designa um comitê executivo [Conselho Administrativo da

Fábrica] (DIRIGENTE 1, 2006).

Foi feita uma assembléia geral para que fosse eleita uma
comissão e a partir daí definir as questões administrativas e
financeiras. Quem manda necessariamente? Acho que não tem.
Tem quem coordena: o Serge, o Castro. Todo mundo participa.
Já teve decisões revogadas porque acharam que aquelas medidas
não eram adequadas. Por exemplo, uns acharam que era correto
demitir. Sendo que depois em reunião da Comissão foi revogada
essa decisão (TRABALHADOR 2, 2006).

“A assembléia geral decide. É tudo discutido na assembléia. O
orçamento também é discutido. O pessoal pergunta”.
(TRABALHADOR 3, 2006).

A associação tácita dos trabalhadores, corporificada nas
instâncias de poder operário, subverte de fato, embora não de jure, as

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disposições capitalistas que são inerentes à CLT. Embora o
funcionamento da empresa esteja em última análise determinado pela
lei do valor, produção de mercadorias, leis especificamente comerciais,
industriais, CLT, e o poder operário não possa ignorar essas
determinantes, a vigência deste altera substancialmente esse contexto.
Isto se observa imediatamente quanto à lógica das hierarquias existentes,
às orientações reguladoras do trabalho na fábrica, aos parâmetros de
distribuição do excedente econômico e, em particular, aos critérios de
demissão e admissão dos trabalhadores. De qualquer modo, a
convivência do assalariamento legal com a associação do trabalho de
fato é contraditória.

A AÇÃO DOS QUADROS POLÍTICOS

A ascendência de quadros ideológicos nas organizações
coletivas de massa é praticamente inevitável. Em nosso país, este
fenômeno pode ser constatado, por exemplo, nos sindicatos dos
professores das universidades públicas. Esse segmento profissional das
universidades tem como uma característica específica um alto nível de
educação formal. No entanto, esta característica não o exime, como
ocorre em toda a parte, da ascendência exercida por pessoas que por
sua atividade e experiência política se destacam no movimento.

O que se encontra em questão, portanto, depois das peripécias
do socialismo histórico, não é simplesmente rejeitar essa ascendência,
uma vez que a mesma parece ser incontornável, mas determinar o tipo
de ascendência que é desejável dado que esta certamente variará
segundo as concepções organizativas e programáticas.

Há evidência de que o contingente de militantes que se
integrou ao movimento dos trabalhadores da CIPLA concebe sua prática
política segundo uma tradição que dominou o proscênio histórico da
esquerda depois da Revolução de Outubro8 . Segundo esta tradição, um
partido revolucionário e, portanto, os militantes que o constituem, é
uma vanguarda que deve educar, mobilizar, orientar e, finalmente,
dirigir a classe trabalhadora. A configuração do controle na CIPLA não
pode ser atribuída exclusivamente a esses militantes e sua ideologia.
No entanto, não há dúvidas que, dadas as circunstâncias específicas
em que se desdobrou o movimento dos trabalhadores, a práxis política
desses quadros impôs-se como referência com importância estratégica.

8 Denominamos esquerda, aquelas forças sociais que postulam a supressão das classes
sociais e a concomitante construção de uma sociedade democrática e igualitária.

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Os desdobramentos desse fenômeno são abrangantes, porém, chamamos
a atenção para o que consideramos significativo.

Anteriormente já comentamos a tese da estatização
impulsionada pelos quadros e não há necessidade de novos aportes ao
observado.

Um segundo ponto digno de nota diz respeito à simbiose,
também já referida, que se estabeleceu entre os quadros políticos e os
trabalhadores. Combativos, os quadros se embrenharam no movimento,
como comentamos, e logo ocuparam lugar de destaque. No momento
em que foi necessário ao movimento erigir-se em controle da empresa,
para o que era necessário criar na fábrica as instâncias do poder operário,
os trabalhadores elegeram esses quadros para as mais altas funções
diretivas, embora originariamente eles não fossem trabalhadores da
empresa. Os quadros, por seu turno, aceitaram suas novas atribuições
de dirigentes eleitos no âmbito do controle, posicionamento que é
conseqüente com as inflexões intrínsecas às funções de direção da
vanguarda operária, preconizadas por essa corrente política.

Há evidências eloqüentes de que a ascendência desses
militantes sobre o coletivo de trabalhadores na CIPLA é muito forte.
Preparados ideologicamente e com experiência política, não têm muita
dificuldade em fazer prevalecer suas teses nas assembléias e demais
instâncias de gestão, exercendo uma influência que Gramsci chamaria
de política, intelectual e moral.

Essa práxis situa a CIPLA junto a uma das tendências de autoadministração
por nós detectada na esfera do trabalho associado que
em outra parte denominamos de gestão de quadros (VIEITEZ; DAL RI,
2001). No momento em que foi realizada esta pesquisa, a situação na
CIPLA podia ser descrita como de vigência do controle operário
democrático com gestão de quadros. Contudo, a influência política,
intelectual e moral, ao ser acrescida dos atributos coercitivos que reveste
qualquer função dirigente numa organização econômica, faz com que
as funções executivas, nas quais sintomaticamente se situam os quadros,
já apareçam em relativa tensão com o poder direto dos trabalhadores
expresso pela assembléia geral.

Quem toma as decisões é o Serge. E depois tem os coordenadores
também. Tem assembléias. É importante porque fica sabendo o
que está acontecendo. Fala, levantam o braço. O Serge é quem
manda mais porque ele passa para os coordenadores. A
assembléia geral também decide. É tudo discutido na assembléia
(TRABALHADOR 3, 2006).

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Acho que os coordenadores mandam mais. Na assembléia já
vem mais ou menos formulado. Não dá pra dizer, entretanto,
que eles decidem porque nós elegemos eles. Eu dificilmente falo
nas assembléias. Se tiver uma sugestão falo. Mas, normalmente
eles vêm com coisas boas. É que a assembléia não é bem uma
decisão, mais uma informação, prestação de contas do que se

está fazendo. (TRABALHADOR 2, 2006).

Quem manda? Acho que é o Serge Goulart [...] não é patrão.
Mas é o mais alto. Ele decide o que é, e o que não, mas é por
votação. O Conselho Administrativo da Fábrica [...]. Foram
eleitos no começo e continuam os mesmos. Eles [os quadros]
apresentaram e o pessoal disse se concordava ou não com essas
pessoas. Não houve eleição de renovação. Só se votou nas
pessoas que queriam sair [...]. O pessoal é de tudo sim para o
que o Serge diz. Fizemos sugestões, mas elas não sobem. Ou
quando sobem são natimortos. Porque investir em sala se
podemos estar comprando máquinas novas? É para massagear

o ego. Pago cem para gente que não contribui no processo.
Legitimidade, a fábrica é autogestionária [...]. Mas se fosse
legitimamente autogestionária acredito que o poder decisório
estaria mais desconcentrado. O nosso poder decisório está
concentrado em pouquíssimas mãos, para não dizer em duas
mãos. O Serge vem dois dias, manda não pede. Às vezes nem
vem. Não compartilha as decisões. O poder de persuasão dele é
muito forte (TRABALHADOR 1, 2006).

A visão de um dos dirigentes sobre a mesma questão é de que

A assembléia geral decide as diretrizes gerais em política e
administração. Participa todo mundo. É ordinariamente
trimestral. A fábrica pára para fazer assembléia. Teoricamente
é o órgão soberano. Elege anualmente a comissão de fábrica.
Não tem mandato de um ano é revogável a qualquer momento.
Eles [os trabalhadores] sabem que é revogável a qualquer
momento. Para solicitar não tem número. Já teve uma assembléia
pedindo destituição. O sindicato que articulou. Mas deram com
os burros n´água. Quase apanharam. Noventa e dois por cento
aprovam a nossa direção. Todo ano faz-se a eleição. Geralmente
passa com 85%. Até hoje só teve uma chapa. Na chapa tem [na
atual comissão] 6 ou 7 de O Trabalho. Os demais não são de O
Trabalho. Não há outras correntes. Aqui tem um fundador do
PT [Partido dos Trabalhadores], mas não estão organizados. Na
minha opinião, a assembléia geral é o poder. Decisões rápidas o
CAF toma. Se tem decisões políticas rápidas o CAF toma

(DIRIGENTE 2, 2006).

A gestão de quadros, que no início tem como base a sua
hegemonia no âmbito do trabalhador coletivo, é parte constitutiva

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freqüente das estruturas democráticas instituídas pelo trabalho
associado. Entretanto, a gestão de quadros não está destituída de
contradições. Em médio e longo prazo, se não houver contramedidas
por parte dos próprios quadros ou do coletivo de trabalhadores visando
garantir a supremacia real da gestão coletiva, esse segmento pode
evoluir para uma casta burocrática. Neste caso, que pouco se diferenciará
dos altos funcionários do capital, o que distorcerá irremediavelmente o
controle democrático dos trabalhadores e poderá culminar, a qualquer
momento, na reconversão do empreendimento ao capitalismo típico.

A FÁBRICA NA LUTA POLÍTICA

Quando os trabalhadores se juntam para engendrar um
empreendimento de trabalho associado da estaca zero, temos um
movimento de negação das relações de produção capitalistas. No
entanto, quando os trabalhadores tratam de assumir o controle de uma
fábrica, mesmo que falida e na iminência de encerrar suas atividades,
muito raramente este processo deixa de passar por uma luta de classes
mais ou menos franca envolvendo os trabalhadores, o patronato e o
Estado. Porém, como se pode observar no Brasil, e em vários outros
países da América Latina, o mais usual é que uma vez estabelecido o
controle operário na empresa, a luta política não tenha continuidade
ou se mantenha apenas em forma latente.

Diversamente, a CIPLA faz parte de um universo de
empresas sob controle dos trabalhadores que, além de não interromper
a luta também tratou de dar-lhe maior abrangência. Esta atitude se
expressa em várias ações, das quais mencionamos as que seguem.

A CIPLA, juntamente com a Interfibra, Flaskô e Flakepet, está
empenhada em criar no país um movimento pela ocupação de fábricas
paradas, o qual se expressa por meio da consigna fábrica parada é
fábrica ocupada e fábrica ocupada é fábrica estatizada.

Ao mesmo tempo, há um esforço para que esse movimento
embrionário se articule com movimentos semelhantes em outros países
da América Latina, o que levou a CIPLA a organizar em sua sede o
Encontro Pan-americano em defesa do emprego, dos direitos, da reforma agrária
e do parque fabril, nos dias 8, 9 e 10, de dezembro de 2006, em Joinville,
Santa Catarina.

Por fim, a CIPLA tem uma posição de participação ativa na
política, o que em certo sentido abarca o anteriormente dito, em vista

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O controle dos trabalhadores na CIPLA

do que incentiva, ajuda e concede facilidades para que trabalhadores
da empresa a representem em eventos ou lutas concretas do movimento
operário e popular.

O MST ajudou a impedir a retirada das máquinas da CIPLA
durante as lutas pela posse da fábrica. Companheiros da CIPLA
estiveram presentes na marcha nacional realizada pelo MST.
Vários companheiros das fábricas ocupadas participam da
ocupação de terras. Aprendemos que sozinhos não derrotaremos
os latifundiários, o capital está entrelaçado. O latifúndio é
inimigo das fábricas ocupadas. É necessário unificar as lutas no
campo e na cidade [...]. Devemos exigir do governo Lula a
reforma agrária e a estatização das fábricas ocupadas.
Precisamos deixar de lado nossas picuinhas na esquerda e
unificar a luta em toda América Latina e no mundo (MST1,

2006).9

Tem vezes que se para a fábrica para que o pessoal vá. Quando
é uma coisa pequena se faz um arrastão. Você tem que mandar
duas pessoas da tua área. Mas ninguém que ir. Não, você tem
que arrumar alguém. O sindicato dos motoristas em X está num
impasse. Hoje à noite vamos lá ajudar o movimento deles. Vai

um ônibus, etc. (TRABALHADOR 1, 2006).

Mas a adesão do pessoal está mais tranqüila. Até dois anos atrás
para sair na rua, num movimento, a gente pisava até diferente.
Agora acho mais natural. Participo das assembléias. Apoio a
direção atual. Tem sempre uma minoria que não. Mas em geral
apóia. Porque se não fosse a administração a empresa não estaria
mais de pé. Quer dizer, sem movimento, política, já não
funcionaria mais. (TRABALHADOR 4, 2006).

Essa impostação de luta da CIPLA é uma de suas contribuições
mais interessantes. Ela expressa, também, uma das contribuições mais
importantes dos seus quadros à organização do controle operário.
Embora, provavelmente, a maior parte das unidades de trabalho
associado não esteja envolvida na luta política do movimento operário
e popular na América Latina, este envolvimento parece-nos desejável e
mesmo imprescindível.

Há correntes organizadoras de trabalho associado que
acreditam na superioridade natural deste e, decorrentemente, em sua
expansão ilimitada pela via predominantemente econômica a expensas
do capitalismo. Também é provável que a maioria das organizações de

9 - Depoimento do representante do MST, colhido pelos pesquisadores no Encontro
Pan-americano em defesa do emprego, dos direitos, da reforma agrária e do parque fabril.

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DAL RI, N. M.; VIEITEZ, C. G.

trabalho associado constituídas acalente espontânea e intuitivamente
esta mesma posição.

Este é um debate que não nos cabe realizar neste espaço. No
entanto, a nossa hipótese é de que a expansão do trabalho associado
para além de certas determinantes qualitativas e quantitativas apenas
será possível no quadro mais geral de uma luta política pela
transformação da ordem social. Por outro lado, esta mudança é uma
precondição para se atacar os grandes problemas que afligem a
humanidade e que, neste momento, se potencializam como o da energia,
do meio ambiente, da desigualdade social crescente, dentre outros.

Encerramos estas linhas declarando o deplorável fato de que,
depois de quatro anos de administração sob o controle dos
trabalhadores, a CIPLA se encontra sob intervenção de autoridade do
Estado. A intervenção foi deflagrada em 31 de maio de 2007, quando
cento e cinqüenta policiais federais fortemente armados tomaram a
fábrica. Cerca de trinta pessoas que estavam mais diretamente
envolvidas com a gestão da fábrica foram expulsas e um novo Conselho
Administrativo, presidido pelo interventor, foi formado. Incontinente,
as demais fábricas ocupadas, com o apoio de setores do movimento
operário e popular, do país e do exterior, abriram uma luta de resistência
contra mais essa violência do Estado burguês contra os trabalhadores.

DAL RI, N. M.; VIEITEZ, C. G. The CIPLA, plastic industry, under workers’
control. Revista ORG & DEMO (Marília), v. 8, n.1/2, Já.-Jun./Jul.-Dez., p. 173186,
2007.

REFERÊNCIAs

VIEITEZ, C.G.; DAL RI, N.M. Trabalho associado. Cooperativas e
empresas de autogestão. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, 151 p.

ORG & DEMO, v.8, n.1/2, Jan.-Jun./Jul.-Dez., p. 173-186, 2007

** A CIPLA sob controle dos trabalhadores não existe mais. O poder judiciário
utilizou as dívidas que o proprietário originário havia feito com o Estado para se
reapropriar da empresa e reestabelecer imediatamente gestão burocrática sob égide
estatal.

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