terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A FÁBRICA RECUPERADA ZANÓN: COOPERATIVA FASINPAT





Candido Giraldez Vieitez1
Neusa Maria Dal Ri2

A fábrica Zanón, rebatizada pelos trabalhadores com o nome
de Fasinpat (fábrica sin patrón), é uma indústria de cerâmicas situada na
cidade de Neuquén, na Argentina. Trata-se de uma planta relativamente
moderna, que conta com cerca de quatrocentos e oitenta postos de
trabalho, ocupa oitenta mil metros quadrados construídos e dispõe de
uma área total de nove hectares.

Essa fábrica, como várias outras na Argentina, passou das
mãos do empresário ao controle autônomo dos trabalhadores em meio
a um processo bastante conflituoso.

Sob o controle dos trabalhadores, a Zanón passou a fazer parte
do universo emergente de organizações de trabalho associado. No
âmbito deste universo, que é heterogêneo em suas formas organizativas,
situa-se no rol daquelas organizações que apresentam em sua atuação
e composição um maior número de elementos democráticos, razão pela
qual a literatura, muitas vezes, refere-se a elas como empresas de
autogestão. No entanto, podemos considerar a Zanón como uma
organização com peculiaridades democráticas surpreendentemente
inovadoras e avançadas mesmo neste contexto de referência.
Enumeramos as características principais que lhe emprestam certa
especificidade: 1) a distribuição igualitária do excedente econômico
produzido na fábrica entre os seus trabalhadores, bem como a doação
regular de uma fração do mesmo a setores populares da cidade de
Neuquén; 2) a idéia, fruto da reflexão dos trabalhadores em seu
movimento, de que a fábrica sob seu controle pertence ao povo, o que
------------------------------------------------------------------------
1 Professor Assistente Doutor do Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade
de Filosofia e Ciências, Unesp -Campus de Marília e vice-líder do Grupo de Pesquisa
Organizações e Democracia, Marília, Brasil.

2 Professora Adjunta da Faculdade de Filosofia e Ciências, Unesp -Campus de
Marília e líder do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia, Marília, Brasil.
------------------------------------------------------------------------

ORG & DEMO, v.7, n.1/2, Jan.-Jun./Jul.-Dez., p. 185-194, 2006


VIEITEZ, C. G.; DAL RI, N. M.

se encontra em correspondência com a forte interação que ela mantém
com a comunidade local e com os movimentos sociais, inclusive em
nível nacional; 3) a vigência de um sistema de poder firmemente
ancorado na base, ou seja, no segmento majoritário do chão de fábrica,
que se expressa, sobretudo, nas deliberações da assembléia geral, mas
que conta também com a participação de outras instâncias e mecanismos
complementares; 4) a rotação regular e em curto prazo de todos os
cargos/funções exercidos pelos trabalhadores na fábrica, técnicas,
administrativas e políticas; 5) a perspectiva de futuro que esgrime a
consigna de estatização da fábrica bajo control obrero.

Nas linhas seguintes transcrevemos parte das entrevistas que
Soto Miguel, Carlos Savedra, Reinaldo Gimenez e Miguel Angel Alfonso,
trabalhadores da Zanón, nos concederam em setembro de 2005, o
primeiro no hotel autogestionário Bauer, em Buenos Aires, e os demais
na própria fábrica, em Neuquén. Acrescentamos que no momento da
entrevista esses trabalhadores ocupavam respectivamente as funções
de atenção ao cliente, planificação da produção e revisores de contas, esta
última um tipo de auditoria contábil.

A Zanón foi inicialmente ocupada pelos trabalhadores e
posteriormente tomada. Os eventos que conduziram os trabalhadores
à tomada da indústria são característicos nas situações em que a
transmigração da propriedade ou controle é marcada por forte conflito.

No ano de 1999 a fábrica começou a ter crises econômicas, mas a
produção não baixou. Vimos que se estava provocando um
esvaziamento da empresa, mas ela dizia que estava em crise.
Exigimos a abertura dos livros de contabilidade. Nunca abriram.
Continuou havendo atraso nos pagamentos de salários o que
originava conflitos. Foi subsidiada pelo Estado para pagar os
salários. E seguiu produzindo. Em outubro de 2001 provocaram o
corte de gás na planta. Causou muitos problemas. Em meados de
2000 começaram a reter salários. Não avisavam. Seguiam os
conflitos. Sempre com crise. Queríamos os livros. Mas não abriam.
Recorremos a um centro de advogados. Fizemos demandas pessoais.
Queríamos que se reconhecessem os nossos salários. A Justiça deu
razão a todos aqueles que apresentaram demandas e ordenou o
embargo de 40% do estoque para o pagamento de salários. A juíza
decretou o lockout patronal. Quando decretou o lockout patronal a
juíza nos concedeu a custódia da fábrica. Fizemos fundo de greve
em todo o país. Em nível provincial trocamos panfletos por alimentos
para sustentar a luta. Numa assembléia colocamos que não
podíamos subsistir de pedir alimento às pessoas. E tampouco íamos
lutar para viver de um subsídio miserável de 150 pesos. O gás
cortado. Tinha a crise econômica no país. O governo ficou com as

ORG & DEMO, v.7, n.1/2, Jan.-Jun./Jul.-Dez., p. 185-194, 2006


A fábrica recuperada da Zanón

economias da população que praticamente foi uma explosão social.
Vieram as jornadas (SAVEDRA, 2005).

Começou em 2001, setembro, quando a empresa disse que não tinha
condições de pagar a quinzena aos empregados. Quando soubemos
que não tinham o dinheiro falamos: isto vem abaixo. Nesse momento
falamos que não saíamos mais. Temos que conservar os postos de
trabalho. Éramos trezentos e trinta trabalhadores. Dos trezentos e
trinta ficaram duzentos e cinqüenta. O restante foi embora. Montou-
se um processo judicial esperando que a justiça desse um julgamento
favorável aos trabalhadores. Não houve repressão, não houve
polícia. A intenção da empresa era de colocar guardas para tomar
conta da fábrica. Mas nós resistimos a isso. Nós cuidamos da fábrica.
Ficamos quinze dias dentro da fábrica. Depois decidimos sair para
fora, armamos um acampamento fora da fábrica. Ficamos cinco
meses fora da fábrica. Depois foi tudo para a justiça. Ocorreu que
Zanón levou tudo a um tribunal. Eles diziam que passavam por
uma situação econômica ruim e que não dava para manter a fábrica
funcionando. Mas no decurso de cinco meses, uma juíza de Neuquén
julgou em favor dos trabalhadores dizendo que a empresa tinha
feito um fechamento ilegal. Disse que todos os argumentos eram
totalmente ilegais, que tinha sido um lockout. A juíza sentenciou
que certa quantidade de milhares de peças de cerâmica seria para
que os trabalhadores as vendessem e pudessem receber os salários
atrasados. Aí a gente começou a vender a cerâmica ao público. Antes
de a juíza dar a sentença, vivemos do que a comunidade de Neuquén
e populações próximas nos deram para comer. Saíamos nos veículos
bairro por bairro pedindo ajuda e a gente mais humildade foi a que
mais nos deu. E a gente que mais tinha não deu nada. Íamos com
uma caixinha e com isso pudemos sustentar o duro conflito. E nos
mandavam pacotes de farinha, de macarrão. A empresa trouxe a
causa para Buenos Aires. O juiz daqui mandou desalojar os
trabalhadores, mas os juízes de Neuquén não acataram a ordem.
Eles disseram que era demasiada a força que tínhamos dentro e fora
da fábrica. Porque tínhamos que ir até para fora de Neuquén para
prestar contas e esclarecer a população. E esta respondeu com apoio.
E foi tanta a magnitude do conflito que a gente disse que se invadiam,
entraria todo mundo no rolo. A última ordem de desalojamento foi
em abril de 2003. Também não foi executada. Nesse momento se
juntaram mais de cinco mil pessoas em volta da fábrica. (MIGUEL,
2005)

A relação dos sindicatos com os coletivos de trabalhadores
que ocupam uma empresa em luta com o patrão, ou que decidem tomar

o controle da empresa, como acabou ocorrendo na Zanón, é em geral
dificultosa, muitas vezes ambígua, e não raro hostil.
A impostação ideológica majoritária que orienta os embates
dos sindicatos com o capital, e que vem de longa data, é preservadora

ORG & DEMO, v.7, n.1/2, Jan.-Jun./Jul.-Dez., p. 185-194, 2006


VIEITEZ, C. G.; DAL RI, N. M.

dos fundamentos da Ordem, isto é, do próprio capital em seu âmago
constitutivo. São as lutas que se travam para obter benefícios salariais
ou outros, ou para bloquear medidas que impliquem retrocessos nas
condições profissionais e de vida dos trabalhadores. O questionamento
do próprio capital, isto é das relações capitalistas de produção, que no
passado chegou a ter certa presença nos meios sindicais, nos dias atuais
desapareceu ou está presente apenas em segmentos muito reduzidos.
Desta situação decorre um estranhamento sindical diante de recontro
que questiona as visões e relações constituídas, abstraindo aqui
evidentemente os sindicatos cujas direções vivem em conúbio com o
patronato, quando então as razões de apego ao status quo são de outra
natureza.

Tivemos que recuperar um sindicato que era muito corrupto. O
sindicato dos trabalhadores e empregados ceramistas em Neuquén,

o SOECN. Era um sindicato funcional à empresa. Foi um horror.
Foi muito difícil reconverter o sindicato. Conseguimos eleger uma
direção nova que nos representou. (GIMENEZ; ALFONSO, 2005)
Raúl [militante] iniciou em 1998 quando começou a lutar através da
comissão sindical interna para recuperar o sindicato. Era uma
burocracia sindical patronal. O sindicato de fato se recuperou.
(SAVEDRA, 2005)

O sindicato não quis nada. Nenhum sindicato em nível nacional
quis nada. Mas conseguimos mudar as direções. Nesse momento,
quando a empresa disse que não tinha dinheiro, no ano de 2001, já
tínhamos recuperado o sindicato. (MIGUEL, 2005)

As organizações de trabalho associado estão todas em alguma
forma de controle dos trabalhadores, seja esta ocupação, posse ou
propriedade. Entretanto, o trabalho associado possibilita o exercício de
formas bastante diversas desse controle. Nas organizações
autogestionárias vige o princípio de que o controle da empresa deve
ser exercido democraticamente por todos os associados,
independentemente de cargos ou funções. Os mecanismos engendrados
para concretizar esse princípio são, em geral, diversos, entretanto, o
recorrente e dominante está em que a assembléia geral dos trabalhadores
associados é a instância principal e soberana de tomada de decisões. A
assembléia geral, com sua dinâmica de voto direto e liberdade de
palavra, parece ser em sua simplicidade um mecanismo inequívoco de
poder do coletivo de trabalhadores. Na prática, entretanto, há vários
determinantes que podem dificultar ou mesmo bloquear o seu
funcionamento nos termos para a qual está concebida. Um desses
determinantes é a presença dos quadros ou lideranças. Estes quadros

ORG & DEMO, v.7, n.1/2, Jan.-Jun./Jul.-Dez., p. 185-194, 2006


A fábrica recuperada da Zanón

podem emergir endogenamente da práxis coletiva ou podem estar afetos
a organizações externas à empresa, como sindicatos e partidos políticos.
A sua presença e atuação é tão inevitável quanto portadora de problemas
potenciais. A questão é historicamente conhecida, pois marcou
profundamente não apenas as revoluções socialistas como sua posterior
evolução. No que diz respeito à empresa dos trabalhadores, dadas certas
circunstâncias, a influência dos quadros pode chegar a obscurecer o
autogoverno dos trabalhadores, quando então temos a gestão de
quadros, ou seja, a autogestão com hegemonia dos quadros. Contudo,
em seu limite, esta variante pode inclusive obliterar o poder coletivo, e
nesse caso os poderes da assembléia geral transmudam-se de reais em
formais.

Como em toda parte, os quadros tiveram e têm seu papel na
Zanón. Entretanto, os trabalhadores parecem estar bastante conscientes
dos possíveis escolhos neste terreno e, segundo tudo indica, têm sido
capazes de recolher positivamente a contribuição dos quadros sem que
isto denigra o poder da base e da assembléia geral.

Há eleição de presidente, secretário, etc. Mas as pessoas eleitas não
tomam decisões. A assembléia decide. Os dirigentes não decidem
sozinhos. Quase todos os dias há assembléia. Depois do horário de
trabalho.

Todas essas idéias [sobre o movimento e funcionamento da fábrica]
surgiram nas assembléias. Os partidos políticos que foram apoiar
não tinham direito de falar nas assembléias, só os trabalhadores.

Há três turnos. Quando sai o turno das 14:00 horas se chama uma
assembléia curta. Não há transtorno parar a produção porque se
para apenas 15 minutos. (MIGUEL, 2005)

O poder máximo está nas assembléias. Têm assembléias
informativas e resolutivas. Ultimamente temos assembléias
informativas todos os dias, de 20 minutos. Assembléia deliberativa
tem uma por mês. Faz-se mais se for necessário. Mas há o problema
de parar a fábrica. Aí aparece a questão de um colega que teve um
problema familiar. Ou em meu setor falta uma máquina que
precisamos comprar. E também se comenta toda a parte política. E
nós como somos os auditores damos os informes de como andam
as coisas. Em teoria todos deveriam ter idéia clara do orçamento.
Mas há uma espécie de orçamento discutido em assembléia. Não
de longo prazo, mas periodicamente. Outro dia fizemos uma
assembléia às 14:00 horas para falar com o ministro.Sempre
mudamos. Os companheiros de base vão.A jornada de trabalho é
de oito horas. Nas assembléias informativas podemos passar o filme
de alguma atividade que os companheiros desenvolveram em

ORG & DEMO, v.7, n.1/2, Jan.-Jun./Jul.-Dez., p. 185-194, 2006


VIEITEZ, C. G.; DAL RI, N. M.

Buenos Aires, por exemplo. Comenta-se ou se passa o filme.
(GIMENEZ; ALFONSO, 2005)

Aqui houve uma influência muito grande dos partidos de esquerda.
O principal foi o PTS, movimento dos trabalhadores pelo socialismo
que direcionou muitos dos seus quadros para colaborar com a gente.
Dentro da fábrica tinha um único companheiro que pertencia a esse
partido, Raul Godoi, e também o advogado. Ele trouxe as idéias. A
decisão era sempre dos trabalhadores na assembléia. Também esteve
presente o PO, partido obreiro, e o MST, movimento socialista de
trabalhadores. Depois tem companheiros que são simpatizantes de
partidos patronais, como por toda parte. Tem militantes da Igreja
Católica. Alguns têm uma linha de esquerda outros não. Hoje somos
11 do PTS e os companheiros sabem. E tem companheiros anti-
partidos. São de opinião que não devem entrar os partidos. Outros
dizem que está bom, mas não se comprometem a mais nada. Mas
faz parte da militância ter muita paciência. Não impor nada. Aportar
idéias e que as decisões as tomem os trabalhadores. (SAVEDRA,

2005)

Um dos elementos que contraditam a autogestão democrática
dos trabalhadores por seus efeitos imantes ou expressos é a
sobrevivência nesses empreendimentos de uma distribuição nitidamente
diferenciada dos proventos dos trabalhadores, seja com base em critérios
de hierarquia ou simplesmente técnicos. A instauração de um sistema
distributivo tendente a igualitário é sempre bastante difícil em plantas
industriais em que a divisão do trabalho é quase sempre complexa e
em relativa sintonia com a formação acadêmica prévia dos
trabalhadores. Nas plantas indústrias em que a divisão do trabalho
apresenta um espectro menos diferenciado, e nas quais o índice de
desigualdade de rendimentos já era menor na situação prévia ao controle
dos trabalhadores, a implementação de regimes de retribuição
igualitários fica facilitada. Esta parece ser a condição da Zanón devido
às características da indústria cerâmica com grau considerável de
mecanização e automação. No entanto, o cerne da questão encontra-se
na vontade política dos trabalhadores de empenharem-se em estabelecer
uma política distributiva igualitária. E, como a vontade política nunca
é um deux ex maquina, podemos supor que a longa luta travada pelos
trabalhadores da Zanón em solidária cooperação com as populações
trabalhadoras de Neuquén, juntamente com os movimentos sociais dos
desempregados e outros, todos afetados pela grave crise econômica e
social que trespassou a Argentina nesses anos, contribuiu para um
desenvolvimento nesse coletivo de uma praxis mais democrática.

ORG & DEMO, v.7, n.1/2, Jan.-Jun./Jul.-Dez., p. 185-194, 2006


A fábrica recuperada da Zanón

Numa assembléia resolvemos cobrar todos iguais. Temos muitos
especialistas, mas todos concordaram em trabalhar assim. Os
advogados também estão trabalhando assim. E foi votado na
assembléia. Não temos engenheiros. Quando precisamos de algum
pedimos a colaboração da Universidade. (SAVEDRA, 2005)

As retiradas são todas iguais. Entre os companheiros os mais velhos
têm um suplemento de antiguidade. No total, uns 1300 pesos.
(GIMENEZ; ALFONSO, 2005)

Há um salário mínimo de 900 pesos para todos. E mais 150 pesos
para que o pessoal não falte. Além disso, os trabalhadores mais
antigos recebem antiguidade. Isso vai até 300 pesos, quem tem vinte
anos de trabalho. A partir de dois anos já se cobra 90 pesos. O que
menos cobra, cobra 1100 pesos. Não é tão bom, mas não é tão mal.

(MIGUEL, 2005)

Em conexão orgânica com a desigualdade distributiva,
encontramos na empresa capitalista a distribuição de cargos ou funções
com um sentido nitidamente hierárquico e compartimentalizado. Este
é outro nó difícil de desfazer quando os trabalhadores assumem o
autogoverno da empresa. A fragmentação do trabalho está afeta a várias
condicionantes e dificilmente pode ser superada satisfatoriamente na
vigência da produção de mercadorias e das concepções tecnológicas
dominantes. Deste modo, esta variável prossegue operando
imanentemente contra o avanço ou consolidação do autogoverno dos
trabalhadores. Uma outra dimensão da questão, no entanto, é política e
ideológica, e é factível observar que frequentemente as organizações
autogestionárias não estão preparadas para conduzir esta questão
satisfatoriamente, patinando muitas vezes no imobilismo e permitindo
que um forte elemento anti-autogestionário permaneça inerme ou até
se fortaleça. Neste sentido, os procedimentos empregados na Zanón,
que adotou postura de rotação generalizada de cargos e funções, a ser
observada em períodos de tempo relativamente curtos, se encontram
imbuídos de vigoroso sentido democratizante. É particularmente
significativa a rotação de trabalhadores da Zanón no exercício de funções
políticas, de representação externa da empresa, e de relações públicas,
dentre outras, uma vez que uma marca impressa pela Zanón no terreno
de suas relações é que seus delegados nunca são os mesmos.

Temos uma política interna de rotar para que todos saibam o que se
faz em cada setor. (GIMENEZ; ALFONSO, 2005)

Temos o princípio de rotação. Todos os cargos são renováveis. Para
que todos os companheiros tenham oportunidade de aprender.
(SAVEDRA, 2005)

ORG & DEMO, v.7, n.1/2, Jan.-Jun./Jul.-Dez., p. 185-194, 2006


VIEITEZ, C. G.; DAL RI, N. M.

Não há funções fixas. Por deliberação da assembléia há jornadas
estabelecidas mensalmente, exceto vendas. Inclusive a administração
tem rotatividade (MIGUEL, 2005).

Uma outra marca distintiva da práxis desses trabalhadores
são suas relações com a comunidade local e nacional. Os movimentos
sociais e as camadas populares de Neuquén apoiaram incisivamente a
luta durante a greve, a ocupação e finalmente a tomada da fábrica em
prol da preservação dos postos de trabalho. Em contrapartida, uma vez
obtido o controle do estabelecimento, os trabalhadores passaram a
alimentar esse tipo de relação de solidariedade por meio de diversas
formas, mas sob a bandeira mais abrangente da idéia insólita de que
Zanón é do povo. As modalidades de ação desenvolvidas a partir dessa
idéia inspiradora são basicamente duas. Uma delas consiste no fato de
que Zánon reserva uma fração do seu excedente econômico para ser
repartido regularmente com os setores populares da comunidade. A
outra se revela no apoio recorrente que esses trabalhadores dão aos
movimentos sociais ao mesmo tempo em que se integram neles. Com
estas ações, eles iniciam um nítido movimento de rompimento com o
corporativismo típico da empresa capitalista, que persiste
frequentemente em organizações de trabalho associado, e que persiste
inclusive em empresas autogestionárias. Não é apenas o corporativismo
que começa a ser encarado mais de frente, mas também o economicismo
empresarial. Com sua participação ativa nos movimentos locais,
regionais e nacionais, os trabalhadores da Zanón assumem o viés de
atores universais do Estado-nação, e sob o influxo do mercado
mundializado, porque não o dizer do próprio mundo, uma vez que a
dialética das políticas e ideologias nacionais ou mundiais debatem-se
também entre os muros do local de trabalho.

Temos um lema, Zanon é do povo. E por que do povo? Porque eles
nos sustentaram e porque os proprietários nunca pagaram nada
como a luz, água e outros tributos. Tinham uma dívida de 70 milhões
de dólares. A idéia surgiu na assembléia. Agora temos de devolver
todo o apoio que a comunidade nos deu. E a fábrica também foi
feita com o dinheiro da comunidade, do Estado. A essa gente é
preciso agradecer, de qualquer maneira, enquadrado dentro de um
conceito de que Zanón é do povo, é da comunidade. Daí em frente,
nos cânticos sempre se propalou que Zanón é do povo. Por exemplo,
vamos fazer um recital na fábrica para a comunidade. Isto sim é
uma coisa boa. Terminamos a sala de saúde com cem metros
cobertos o ano passado. Ela custou-nos uns 30 mil pesos afora a
mão de obra que era nossa. Passaram uns dois anos. Mas sempre
fazemos doações. Temos uma média mensal de mais ou menos 4

ORG & DEMO, v.7, n.1/2, Jan.-Jun./Jul.-Dez., p. 185-194, 2006


A fábrica recuperada da Zanón

mil pesos. Estamos trazendo de 3 a 4 colégios da zona para visitar a
fábrica e nós pagamos o transporte. (GIMENEZ; ALFONSO, 2005)

A fábrica é em benefício da comunidade. Fazemos doações de
cerâmica para hospitais, escolas, etc. Tudo o que necessitam em
cerâmica. Decidimos em assembléia comprar uma cozinha para um
hospital. Ou então refeitórios. Há muitos refeitórios. (MIGUEL, 2005)

Uma das coisas que fazemos é que oferecemos preços especiais para
os trabalhadores da comunidade para que possam colocar os pisos
em suas casas. Também temos doações regulares. Começamos com
15 mil metros de cerâmica. Quando deixei de ser o coordenador da
fábrica em 2003, devido ao princípio de rotação, estávamos com
230 mil quadros de cerâmicas.Temos relações com docentes,
movimento de desocupados, etc. Menos as centrais sindicais
burocráticas da Argentina, CGT, Confederação Geral do Trabalho,
e CTA, Central dos Trabalhadores Argentinos. A grande maioria
está vestindo a camisa da cooperativa. Quando temos que ir marchar
em algum movimento se vota na assembléia e vamos todos. Isso
nós aprendemos desde o início aqui. Assim como o povo se
solidarizou com a gente, agora a gente também retribui. (SAVEDRA,

2005)

Devido a razões práticas iniludíveis, os trabalhadores de
Zanón constituíram uma cooperativa. Entretanto, eles consideram essa
solução provisória, pois continuam a sustentar a tese que muito cedo
surgiu no movimento, ou seja, de estatização da empresa sob controle
dos trabalhadores.

Estatização com controle operário. Figura na constituição nacional
e provincial. Não é uma idéia descabeçada. Seria o inverso da
privatização. A idéia é que os trabalhadores administrem a fábrica.
O Estado a supervisionaria. Pagariam os impostos. Dariam um
excedente. E trabalhariam com uma parte do excedente para obras
na comunidade. Já estamos fazendo isso. (GIMENEZ; ALFONSO,
2005)

Queremos a expropriação com estatização e controle operário.
Acompanhado de um plano de obras públicas. Nesse arranjo há a
idéia de que certo plus vá diretamente para a comunidade. Um plano
de obras públicas porque também garantiria a continuidade da
fábrica. Os trabalhadores pagariam os impostos. E não dariam parte
dos lucros para o Estado. A parte dos lucros x iria diretamente para
a comunidade. (SAVEDRA, 2005)

A estatização ou nacionalização de empreendimentos é uma
bandeira tradicional do movimento operário popular ora sujeita a
grande retração, - em parte devido às políticas neoliberais-, que segue
como idéia orientadora de certos partidos de esquerda. Entretanto, a

ORG & DEMO, v.7, n.1/2, Jan.-Jun./Jul.-Dez., p. 185-194, 2006


VIEITEZ, C. G.; DAL RI, N. M.

estatização com controle dos trabalhadores, se não é uma idéia nova,
ao menos é uma idéia rediviva, uma vez que o clássico tema do controle
operário, que esteve no epicentro de revoluções passadas, no geral ainda
permanece perdido nas brumas do tempo. De qualquer modo, sua reinvenção
ou quase-invenção por parte dos trabalhadores da Zanón,
certamente não se deu apenas pela exploração do mundo das idéias e
sua materialidade escrita, mas certamente pelo desenvolvimento de uma
práxis social muito concreta que cimentou as ligações dos trabalhadores
da Zanón com as classes populares da comunidade geopolítica de que
fazem parte.

In


VIEITEZ, Candido Giraldez; DAL RI, Neusa Maria. The Zanón recuperada
factory: FaSinPat self-government cooperative. Revista ORG & DEMO (Marília),
v.7, n.1/2, Jan.-Jun./Jul.-Dez., p.185-194, 2006.

http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/orgdemo/article/viewFile/398/298

Nenhum comentário:

Postar um comentário