segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Acerca do desenvovimento industrialAcerca do desenvovimento industrial

por Daniel Vaz de Carvalho [*]

O que distingue as épocas económicas não é o que é feito, mas com
que meios de trabalho é feito. Os meios de trabalho não são apenas
mediadores do grau de desenvolvimento da força de trabalho humana,
mas também das relações sociais em que se trabalha. C. Marx, O
Capital

A Economia Política não trata de coisas, mas de relações entre
pessoas e, em última instância, de relações entre classes, ainda que
estas relações estejam sempre unidas a coisas e apareçam como
coisas. F. Engels, C. Marx. Contribuição para a crítica da economia
política.

1 – QUE FAZER

Não deveria ser necessário referir a importância do desenvolvimento
industrial, mas por muito espantoso que possa parecer em nome da
"modernidade" e outras mistificações, a sociedade "pós-industrial" foi
defendida como um futuro radioso. Serviu de pretexto para a prática de
políticas reacionárias e retrocessos civilizacionais, pondo em causa tudo
o que a classe operária e outros sectores do proletariado haviam
conquistado (é o termo correto) nas últimas décadas.

Por detrás disto, a velha miragem do capital poder realizar-se sem classe
operária. Esquecia que sem trabalhadores, qualquer que seja a sua função
no processo produtivo, não há criação de valor nem mais-valia. Há sim,
especulação, capital fictício, crises.

Não há que fazer qualquer opção entre agricultura, indústria, serviços. O
desenvolvimento económico concretiza-se tanto mais e melhor quanto maior
for a ligação entre os diversos sectores direta ou indiretamente
produtivos, é isto que define a estrutura económica e a sua robustez.

A indústria é o sector produtivo onde mais elevadas produtividades podem
ser obtidas e essencial para o aumento do valor acrescentado no conjunto
da economia. A questão que se coloca é o que fazer e como e o que não
fazer.

Qualquer economia tem de ter em conta o seu posicionamento nas relações
económicas internacionais, isto é, a sua competitividade. A política de
direita, pretende resolvê-la reduzindo os chamados "custos salariais". A
primeira evidência é a seguinte: a produtividade por pessoa para o total
da economia correspondia em Portugal em 2010 a 76% da média da UE 27
(Eurostat - EU economic data pocketbook - 4-2010 – p. 92). Porém, os
"custos laborais", também para o total da economia também eram nesse ano
cerca de 60 % da média da UE 27 (base de dados AMECO – 7.4 - Nominal
Compensation Per Employee, Total Economy). Aliás, segundo estudo de
Eugénio Rosa, entre 2008 e 2013 os "custos salariais" baixaram 8,5% em
termos ilíquidos.

As razões da falta de competitividade têm, pois de ser procuradas não nas
leis laborais "rígidas" ou nos salários, mas em políticas estruturais
globalmente erradas dos sucessivos governos. De facto, "a recessão não
resulta da falta de meios de investimento, resulta da má utilização desses
meios." [1] O que se aplica integralmente às atuais políticas não só
nacionais mas da UE. Keynes havia já demonstrado que a existência de
desemprego e estagnação económica resultavam de um sistema económico
desajustado das necessidades, incluindo os sistemas monetário e de
relações externas.

2 – CONDIÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

Para o desenvolvimento industrial diríamos em primeiro lugar que é
necessário eliminar os fatores de ineficiência, e destes, estão à cabeça
da lista negra a financiarização e a constituição de monopólios. [2]

A crescente financiarização da economia, o processo de privatizações, a
atividade económica determinada apenas e exclusivamente a partir dos
interesses do grande capital, retiram ao Estado, portanto à hipótese de
democracia, os meios e a gestão dos processos necessários ao
desenvolvimento. A finança suportada pelos bancos centrais, conduziu a um
processo de desindustrialização e empobrecimento que prosseguirá,
independente das miragens que a propaganda difunda.

Em vez do Estado assumir um papel determinante no planeamento e na gestão
económica, a economia atual foi dominada pelos "Savonarola" neoliberais,
como o sr. Fisher Black que apostrofava: "Não julgo que ao criar este
maravilhoso leque de derivados, o mercado privado esteja a criar qualquer
risco sistémico, há no entanto alguém a criar um risco sistémico: o
governo". [3]

Continua a ser esta a política da UE, pois, como se sabe, a superstição é
imune à experiência… Mas o sr. Fisher tinha a seu modo razão, só não disse
foi para quem ficariam os riscos: os trabalhadores.

As consequências desta visão distorcida – como a realidade evidenciou e
evidencia – é a entrega de sectores básicos e estratégicos ao grande
capital transnacional, criando monopólios privados, subordinados à sua
lógica. Uma estratégia antimonopolista, a eliminação das rendas
monopolistas que afetam os fatores de produção – energia,
telecomunicações, etc., é fundamental tendo em vista a redução custos nas
empresas. Tal só é possível se forem empresas nacionalizadas, pois só o
Estado pode contabilizar os custos e benefícios sociais e ter uma visão
macroeconómica.

O processo de privatizações e concessões (PPP) conduzido pelo PS e PSD com
o CDS na senda, a reclamar e aplaudir, foi recheado de corrupção,
negociatas, promiscuidade entre responsáveis daqueles partidos e empresas
privadas.

"As preocupações e as motivações das grandes empresas não se limitavam a
influenciar os seus próprios preços; preocupavam-se com a manipulação do
mercado para os seus produtos e com o controlo das suas fontes de
matérias-primas e componentes ou, de qualquer forma, com os respectivos
preços." [4]

"A hegemonização do capital financeiro sobre a esfera produtiva tem
imposto à sociedade um pesado ónus, tendo em vista que os negócios na área
financeira não só não geram valor como se têm transformado num instrumento
desincentivador do investimento produtivo". [5]

A troika com o seu "programa de ajustamento" (!) conduziu à mais grave
crise da história moderna do nosso país. A renegociação da dívida, a
alteração das condições de ligação à UE e a não permanência na Zona Euro,
impõem-se como as mais prementes das exigências necessárias ao
desenvolvimento do país.

O desenvolvimento só é possível numa sociedade com soberania monetária e
autonomia para tomar as decisões económicas que considere mais vantajosas.
Por soberania monetária entendemos algo como ser o Estado e não entidades
privadas ou pseudo-independentes, não apenas a regular a criação de
dinheiro, isto é, crédito, mas a controlar a sua emissão e garantir que a
sua utilização não seja dissociada dos objetivos do desenvolvimento
económico e social.

Só assim é possível que a política de crédito e financiamento seja
adequada às necessidades da produção e não às da usura e especulação.

3 - O PLANEAMENTO ECONÓMICO

Não há economia moderna sem planeamento. A escolha é clara: ou o
planeamento económico é feito pelo Estado democrático ao serviço dos
interesses do país e das populações ou pelos "mercados", isto é, pela
finança e pelos monopólios.

A política de direita com as suas demagógicas campanhas anti Estado,
apenas defende os interesses do grande capital independentemente das
consequências para a população e para o país. Esta gritante verdade,
evidenciou-se mais uma vez em parecer do Tribunal de Contas dos benefícios
fiscais ao grande capital das SGPS: 1 045 milhões de euros em 2012. Eis a
face escondida do "gastamos acima das nossas possibilidades" e "não há
dinheiro".

O planeamento económico pelo Estado está previsto na Constituição e é
essencial numa economia caracterizada por distorções estruturais (atraso,
desequilíbrio entre sectores, etc.). O capital especulativo e o predomínio
das multinacionais apenas têm agravado a situação existente.

O planeamento constitui em si um processo de transição com grande abertura
de variantes e possibilidades, em que o princípio fundamental das opções
deverá ser a máxima satisfação das necessidades sociais e não a
maximização do lucro. Esta a razão pela qual o neoliberalismo não
reconhece nem a gestão macroeconómica nem o planeamento económico
democrático.

O planeamento económico deverá traduzir-se em objetivos visando,
designadamente, o aumento da produção, a redução dos desequilíbrios
regionais e da dependência externa, e na elaboração de programas de apoio
tecnológico, financeiro e de gestão, em particular para as MPME e
Cooperativas.

Terá obviamente de ser modificada a prática atual em vários ministérios,
que mais parecem secretarias dos diretórios da UE, manietados pelos dogmas
neoliberais. Uma política de aumento da produção exige que os organismos e
entidades públicas sejam orientados para a dinamização económica, as
atividades ligadas ao planeamento, a coordenação sectorial e o apoio às
empresas.

Em cada ministério, cada secretaria, cada direção-geral, cada agente
económico ou puramente social (fora da esfera mercantil) deverá estar
definida a forma como se efetua a sua atividade de modo a, no seu âmbito,
concretizar os objetivos previstos.

Porém, qualquer plano por mais bem elaborado que esteja, só pode ter
êxito, se contar com os recursos para a sua concretização e os mais
importantes são os recursos humanos, não apenas com a sua competência
técnica, mas também com a sua motivação.

A motivação desenvolve-se se não houver contradição entre os interesses
dos trabalhadores e os da organização em que se inserem e quanto maior for
a compreensão do seu contributo para o desenvolvimento e progresso do seu
país. Esta situação está em total contradição com a maximização do lucro e
com a flexibilidade laboral.

A flexibilidade, o trabalhador sem direitos, sem autonomia, sem garantias
no emprego e no desemprego é uma motivação negativa, pois ninguém pode ser
feliz e sentir-se realizado na insegurança. A motivação positiva, implica
a participação ativa dos trabalhadores na definição e concretização dos
objetivos assumidos e que as várias dimensões da sua vida sejam atendidas.


4 – PLANOS DE DINAMIZAÇÃO ECONÓMICA

O planeamento não é dirigismo e burocracia. Dirigismo e burocracia é o que
atualmente está a ser imposto pelos diretórios da UE criando situações
intoleráveis para os povos.

O planeamento constitui a base do processo de transição de uma economia
caracterizada pela estagnação e desequilíbrios estruturais para uma fase
de desenvolvimento económico e social. Esta transição terá características
próprias em cada país, conforme a sua história, suas convicções, sua
situação económica.

Na atual situação, deverão ser realizados planos de dinamização económica
em sectores chave que pelo seu efeito multiplicador vão estabelecer polos
de recuperação económica e contribuir para a melhoria da estrutura
produtiva.

De acordo com estes critérios destacamos, as indústrias ligadas à
agricultura e às pescas, as indústrias ligadas à floresta, as indústrias
extrativas, outros polos de desenvolvimento.

As indústrias ligadas aos sectores primários têm fortes ligações quer a
montante (químicas, metalomecânica, material elétrico, etc.) quer a
jusante (indústrias alimentares). No caso das florestas, a jusante podemos
mencionar não só a produção de pasta e papel, mobiliário, cortiça, mas
também indústrias químicas (resinas), cosmética, farmacêutica (espécies
silvestres). São sectores onde existe um vasto campo aberto à investigação
e inovação, com potencial na criação de postos de trabalho,
desenvolvimento regional, impacto positivo na Balança Comercial.

Portugal tem grande potencial no que diz respeito às indústrias
extrativas. A política de direita prossegue a sua entrega ao capital
estrangeiro. O minério é exportado apenas numa fase preliminar de
concentração, para facilitar o transporte, sendo refinado no exterior do
país que perde assim a maior parte do valor acrescentado e capacidade de
desenvolvimento. É pois necessário alterar estas situações iniciando
processos que visem a curto prazo o reassumir de posições nacionais
dominantes na pesquisa, exploração e nas primeiras transformações.

Há ainda indústrias nas quais o país teve competitividade internacional e
ainda possui bases relativamente sólidas para a sua recuperação. Referimos
sectores que têm a nível mundial ampla procura como, o material de
transporte; a produção, transporte e transformação de energia elétrica;
industria eletrónica nos sectores da teletransmissão e centros de comando,
entre outros.

Outros polos de dinamização e desenvolvimento económico são as indústrias
químicas; a indústria naval; as indústrias metalúrgicas, metalomecânicas e
eletromecânicas e as indústrias de alta tecnologia (como a bioquímica,
médica, microeletrónica, telecomunicações, robótica, etc.).

A realização de infraestruturas será outro polo de dinamização económica
sendo prioritariamente dedicadas a complementar o desenvolvimento dos
sectores produtivos. Assim, destacamos a construção e requalificação de
matadouros, câmaras de frio, silos e outros equipamentos. Infraestruturas
como barras e portos (mesmo em pequenas comunidades piscatórias) para
melhorar as condições de descarga e armazenagem do pescado.
Requalificação, remodelação e expansão da rede ferroviária de transportes
(comboios, metropolitanos, elétricos). Apoios ao processo de reabilitação
urbana e poupança energética a nível dos edifícios e produção de
equipamentos para este efeito.

O artesanato e pequena produção regional, as designadas indústrias
criativas (produção cinematográfica e televisiva, musica, programação
informática, design, arquitetura, etc.) devem ser também objeto de apoio
técnico e financeiro, bem como de coordenação sectorial, conforme as
necessidades de cada sector.

Alguém vê este governo ou viu anteriores com algo que se pareça com um
plano económico? A sua principal preocupação consiste em garantir o
enriquecimento de usurários e monopolistas de que a ofensiva contra os
salários e os direitos laborais faz parte.

O controlo da economia, as funções económicas e sociais do Estado, exigem
o equilíbrio das finanças públicas, porém a camada oligárquica opõe-se
tenazmente à tributação da sua riqueza e a limitações às suas
transferências para paraísos fiscais.

Como alertou Keynes, "nada pode preservar a integridade do contrato entre
os indivíduos a não ser a autoridade discricionária do Estado para rever o
que se tornou intolerável [6] .

Uma estratégia de desenvolvimento antimonopolista, apoiada num forte e
dinâmico sector empresarial do Estado na indústria, nos serviços
financeiros e no planeamento económico democrático, é a base fundamental
para ultrapassar o intolerável poder discricionário dos oligarcas,
fautores de crise e de espoliação das riquezas nacionais e criar a
alternativa necessária: a transição para o socialismo.
Notas
1 – O Novo estado Industrial, John K. Galbraith, ed. Europa América,
Lisboa, p. 64
2 – Ver Reindustrializar… dizem eles
3 – Citado em "Dinheiro, uma biografia não autorizada", Felix Martin,
Lisboa, Ed. Circulo de Leitores, 2013, p.312
4 – John Kenneth Galbraith, ob. cit., p19.
5 – A Crise Económica Mundial, a Globalização, e o Brasil, Edmilson Costa,
S. Paulo, Ed. ICP, 2013, p. 141 [Este livro pode ser encomendado a
resistir.info]
6 – J.M. Keynes, A tract on monetary reform. Citado por Felix Martin, ob.
cit., p. 389.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

10/Fev/14

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