sábado, 22 de fevereiro de 2014

O papel do MST nas novas jornadas de lutas do Brasil




Por Igor Felippe Santos
Da Carta Maior

A perspectiva de novas manifestações de massa neste ano também gera dúvidas
sobre protestar ou não durante a Copa do Mundo e o impacto nas eleições, tendo
como pano de fundo quem ganha ou perde com esse quadro.
Para alguns, esses protestos criam um clima de caos social que prejudica o
projeto político em curso e beneficia a oposição de direita; para outros, as
manifestações são o motor para o aprofundamentos das mudanças sociais,
destravando os limites da coalizão em torno do PT e levando a cabo as reformas
estruturais.

Essas questões são relativamente novas no país, porque desde o final da década
de 70 a esquerda tem hegemonia (mesmo sem ter exclusividade) nas manifestações;
enquanto a direita usou o Estado e o poder econômico para fazer política e
defender seus interesses.
Em junho, cada metro quadrado das manifestações foi alvo de disputa entre
diversos segmentos da direita e da esquerda, que sem unidade política e
ideológica abriu "uma avenida" para o avanço dos setores conservadores.

A esquerda passa por um momento novo nos últimos 12 anos, com a chegada do PT à
Presidência da República. O principal partido de esquerda do país venceu três
eleições consecutivas para o governo federal, com sustentação em uma ampla
coalizão de forças políticas de direita, centro e esquerda e frações de classes
da burguesia e dos trabalhadores.
A caminhada para o PT alcançar a Presidência começou em 1989, quando Luiz Inácio
Lula da Silvaperdeu para Fernando Collor no 2º turno eleitoral. O desfecho dessa
eleição foi a derrota do projeto político forjado no processo de lutas da década
de 80, que deram origem ao PT, à CUT e ao MST.

Além disso, a derrota das forças sociais que emergiram nos anos 80 no Brasil,
paralelamente à queda do Muro de Berlim e ao fim da URSS, abriu margem para a
ofensiva global do capital e à implementação do neoliberalismo.

As políticas neoliberais operaram para o enfraquecimento do Estado, as
privatizações das empresas estatais, a abertura econômica para o capital
financeiro e a flexibilização da legislação trabalhista.
Uma das consequências dessas medidas políticas e econômicas foi o
enfraquecimento do movimento sindical, com as perdas de direitos e o desemprego,
debilitando o principal ator das lutas sociais da década de 80.
Ao mesmo tempo, partidos de esquerda, especialmente o PT, ganharam eleições para
câmaras, assembleias, prefeituras e governos estaduais. Assim, a luta eleitoral
passou a ditar o ritmo das ações do partido e de diversos setores da esquerda.

Nesse quadro, o MST ganhou força e se transformou na principal expressão de luta
social, a partir da segunda metade da década de 90. As ocupações de terra, as
grandes marchas e a reação violenta do Estado e do latifúndio chamaram atenção
da sociedade para a luta dos sem-terra.
O Massacre de Eldorado dos Carajás em 17 de abril de 1996, a grande marcha a
Brasília no ano posterior, as ocupações de terra no Pontal do Paranapanema, a
ocupação da fazenda do presidente Fernando Henrique Cardoso, entre outros
acontecimentos, fizeram do MST a principal força social de resistência ao
neoliberalismo no país.

Com a chegada de Lula à presidência da República, o PT sofreu o desgaste de
gerenciar o governo. Já a CUT passou a sofrer acusações de se submeter aos
companheiros que estavam na administração pública.
O MST aproveitou as melhores condições de luta, com a multiplicação de
acampamentos com a expectativa criada pela eleição do torneiro mecânico, para
fazer ocupações de terra por todo o país. Em 2005, o movimento realizou uma
grande marcha de Goiânia a Brasília, quando 12 mil trabalhadores rurais
marcharam mais de 200 quilômetros durante 17 dias.

No ano seguinte, fez um protesto com 2 mil mulheres na sede da empresa Aracruz
Celulosa, no Rio Grande do Sul, para denunciar os impactos sociais e ambientais
das florestas industriais de eucalipto.

Com essa ação, o movimento intensificou um processo de lutas contra o
agronegócio, caracterizado como a aliança dos fazendeiros capitalistas com
empresas transnacionais e o capital financeiro, paralelamente às ocupações de
latifúndios improdutivos.
Mesmo sob o governo Lula, o movimento continuou fazendo lutas pela Reforma
Agrária e enfrentamentos contra o agronegócio, que desagradavam a coalizão de
forças em torno do PT.
No entanto, sempre que o projeto em curso esteve sob pressão da direita, o
movimento agiu de forma responsável, denunciando o que estava em jogo. Assim,
manteve autoridade política e se tornou referência ideológica de setores
progressistas dos movimentos populares, do operariado, da juventude e da
intelectualidade.

Em 2007, o 5º Congresso Nacional do MST apresentou a proposta de Reforma Agrária
Popular, que atualiza o programa agrário do movimento, levando em consideração
as mudanças na agricultura com a ofensiva do agronegócio.
O governo Lula manteve uma política tímida de desapropriação de terras e criação
de assentamentos, que foi perdendo fôlego no final do segundo mandato. Com a
lentidão do governo, muitas famílias acampadas perderam a esperança de
conquistar a terra e desanimaram de permanecer nos acampamentos.
Além disso, o crescimento mediano da economia, que aqueceu o mercado de
trabalho, abrindo vagas de empregos, criou uma alternativa temporária para as
famílias que viviam nos acampamentos.

Dessa forma, diminuiu a intensidade das lutas dos acampados, com a queda no
número de ocupações, e aumentou a dificuldade para organizar novos acampamentos.
Com isso, o movimento passou a sofrer críticas de setores de extrema-esquerda e
de direita de que teria abandonado a luta e de ser cooptado pelo governo.
Nesse quadro, o movimento aprofundou o debate sobre a Reforma Agrária Popular,
que mantém a perspectiva de organizar acampamentos e ocupar terras, mas agrega a
necessidade de organizar os assentamentos, viabilizando a produção por meio de
cooperativas e implementação de agroindústrias.
Além disso, coloca a demanda de garantir educação à população do meio rural e
desenvolver uma nova matriz tecnológica com base na agroecologia.

Ao mesmo tempo, o movimento desenvolveu uma formulação para compreender o
caráter do Estado brasileiro (com seus diversos instrumentos para garantir os
interesses da classe dominante) e do governo Lula/Dilma (formado por uma
composição de forças em torno do projeto do neodesenvolvimentismo).
Assim, o MST chegou aos 30 anos e realizou o seu 6º Congresso Nacional de forma
madura, mantendo a perspectiva de ocupar latifúndios, mas colocando a
necessidade de organizar os assentamentos para lutar por mudanças que viabilizem
o desenvolvimento do meio rural.

A grande marcha com 15 mil pessoas e três quilômetros de bandeiras vermelhas
realizada pelo MST na semana passada, que terminou com protestos simultâneos no
STF e no Palácio do Planalto, demonstra a linha do movimento, de enfrentar os
setores conservadores que controlam o Judiciário e pressionar o governo de
coalizão de forças que impede as mudanças estruturais.
A retomada da luta de um movimento que mantém a referência nos movimentos
sociais tradicionais e o respeito da juventude em luta no último período pode
cumprir um papel pedagógico, respondendo na prática algumas questões e dúvidas
colocadas com os protestos realizados nos últimos meses nos centros urbanos, e
contribuir na consolidação do novo ciclos de lutas que virá no próximo período.

Trajetória, lutas e conquistas do MST recolocam a importância de ter uma
organização para (1) fazer as mobilizações, pressionar os governos e enfrentar
as ofensivas da direita, do Estado e do capital, (2) manter o sentido político
das lutas, evitando manipulações dos setores conservadores, (3) não se submeter
nem ignorar as contradições do governo federal e, inclusive, (4) garantir a
segurança dos manifestantes em momentos de conflitos nas mobilizações (sem a
necessidade de qualquer bloco negro que atue de forma descolada).
Assim, o novo ciclo de luta social poderá levar a cabo suas demandas, sem abrir
margem para retrocessos nem ficar no imobilismo dos acomodados com a coalizão
governamental, contribuindo na construção de um projeto político de reformas
estruturais na sociedade.

In
http://www.mst.org.br/node/15757
20/2/2014

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