terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Organizar Trabalho Associado no Campo


Dilma está alinhada às oligarquias, critica João Pedro Stedile

Por Redação - de Porto Alegre

João Pedro Stedile é um dos principais líderes do MST
Um dos principais líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
João Pedro Stedile avalia os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff sob a perspectiva da luta do homem no campo pela reforma agrária e
contra o agronegócio e, deste ponto de vista, Stedile questiona o fato de a
reforma agrária não ter apresentado resultados significativos na atual gestão.
Segundo o líder sem-terra, a reforma agrária só não tem avanços porque a
presidenta está “alinhada com as oligarquias”.
Em entrevista publicada na edição desta segunda-feira do diário gaúcho Jornal do
Comércio, com a assinatura do jornalista Jimmy Azevedo, João Pedro Stedile não
poupou críticas aos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff,
ambos do PT. O líder nacional do MST critica a política do atual governo em
promover concessões de setores estratégicos. Sobre a política econômica do
governo de coalizão, acredita que é necessário realizar mudanças, barrar o
superávit primário e destinar os R$ 280 bilhões anuais, hoje pagos em juros aos
bancos, para educação, saúde, reforma agrária e transporte público. Reitera que,
para que haja essas mudanças estruturais, será necessário primeiro promover uma
reforma política para que o poder seja exercido pelo povo, “e não contra ele”.
O MST foi criado em um encontro de camponeses em Cascavel, no Paraná, no dia 22
de janeiro de 1984. Em três décadas de mobilização pela reforma agrária, seus
integrantes realizaram mais de 2,5 mil ocupações. O movimento tem 2 mil escolas
instaladas em assentamentos.
Leia, agora, os principais trechos da entrevista de João Pedro Stedile.
– Quais são os desafios dos movimentos sociais?
– Primeiro, é não desanimar diante da avalanche do grande capital que está
dominando toda agricultura. Ir construindo pequenas e médias agroindústrias na
forma cooperativa. Adotar a agroecologia como matriz de produção e priorizar a
produção de alimentos sadios. Resistir. Logo aí, as contradições do modelo do
agronegócio vão gerar uma crise tremenda, pois ele é predador da natureza, só
produz alimentos contaminados pelo alto uso de venenos e vai despovoando o
interior, com mais desemprego.
– O senhor disse que o modelo de luta pela reforma agrária deve ser reformulado.
Quais seriam as alternativas?
– Durante todo século XX, os movimentos camponeses lutaram por terra e os
governos que representavam os interesses da burguesia industrial aplicaram
programas de reforma agrária clássica, que eliminava o latifúndio e
democratizava a propriedade da terra para desenvolver o mercado interno. Agora,
é o capital financeiro e as empresas transnacionais que hegemonizam o
capitalismo, e a eles não interessa mercado interno, nem democratizar o acesso a
terra. Então, nós, dos movimentos camponeses, precisamos avançar para um
programa de reforma agrária popular, que interesse a todo o povo, centrado na
distribuição de terras, na produção de alimentos sadios, sem venenos, no uso da
agroecologia e na democratização da educação e das agroindústrias.
– Levantamentos revelam que o Brasil importou mais de US$ 2 bilhões em
agrotóxicos no ano de 2012. Como o senhor avalia essa situação?
– O governo Dilma é refém do agronegócio e da falácia de que as exportações
agrícolas são necessárias. Nenhum país do mundo se desenvolveu vendendo matérias
primas. Olha, somos o maior exportador mundial de couro cru e os maiores
importadores de tênis da China. Isso é uma vergonha. Somos o maior exportador de
minério de ferro, sem pagar nada de imposto, e depois compramos até trilho de
trem, ferro elétrico, e ventilador da China. Vendemos soja em grão e depois
importamos leite em pó. E esse modelo anacrônico, até do ponto de vista
agronômico, transformou a agricultura em refém dos venenos. Somos o maior
consumidor mundial de venenos, 20% de todos os venenos do mundo, sem nenhuma
necessidade agronômica. Nós estamos aplicando em media 15 litros de venenos por
hectare por ano, e consumimos cinco litros por habitante ano. E ele mata a
biodiversidade, mata os rios, a água subterrânea, contamina o ar, a chuva, e
fica nos alimentos, para depois virar câncer. Esse é o preço que o povo esta
pagando pela falácia do agronegócio.
– Por que o senhor diz que o governo Dilma Rousseff tem um desempenho ruim na
reforma agrária?
– Porque é um governo de composição, de coalizão de todas as classes, em que o
agronegócio tem hegemonia e os setores favoráveis à reforma agrária são
minoritários. Somado a isso, há o contexto da agricultura dominada pelo capital
financeiro e pelas empresas transnacionais. E é um Estado dominado pela
burguesia, que tem controle absoluto do poder Judiciário e do Congresso para se
proteger contra qualquer mudança.
– O MST, em particular nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), foi um
dos movimentos sociais que mais realizaram mobilizações. Como está isso hoje?
– Na época do neoliberalismo, dos governos Collor-FHC, os movimentos sociais
resistiram no campo e lutaram muito. Até porque o movimento sindical e a classe
trabalhadora urbana haviam sido derrotados econômica e ideologicamente. Então, a
imprensa burguesa como reprodutora de sua ideologia nos atacava permanentemente
para evitar que crescessemos. Hoje, o papel da imprensa burguesa é esconder as
lutas sociais ou difundir como sinônimo apenas de “baderna”, para abrir caminho
para a repressão judicial e policial.
– Por que o senhor tem dito que os governos Lula e Dilma não fizeram a ruptura
com o capital financeiro?
– Primeiro, porque nunca se propuseram a isso, uma ruptura com as oligarquias.
Segundo, porque diante de uma correlação de forças adversas para a classe
trabalhadora em todo mundo e a hegemonia do capital financeiro, escolheram o
caminho de chegar ao governo em aliança com setores da burguesia. E disso se
gerou um pacto: “vocês podem governar, fazer políticas de distribuição de renda,
mas não podem mexer nas estruturas iníquas do capital e do Estado”. Isto é,
formaram um governo de aliança de classes. Todos ganham um pouco, mas o capital
financeiro é o que mais ganha. E cabe a ele financiar as campanhas dos
deputados, dos governantes, encontros do poder Judiciário…
– Como o senhor analisa as concessões que estão sendo promovidas pela presidente
Dilma?
– O governo Lula barrou as privatizações. Já o governo Dilma usa um sofisma: em
vez de privatização, concessão. Na minha opinião, uma vergonha. O Estado
brasileiro deve manter controle dos setores estratégicos da economia, da
energia, dos transportes, das comunicações, para garantir que os interesses do
povo estejam acima de qualquer coisa. Com as concessões e privatizações, o lucro
das empresas está em primeiro lugar. Por isso, a energia elétrica no Brasil é a
mais cara do mundo. Os pedágios, a internet e os celulares são os mais caros do
mundo. Isso aqui virou um paraíso para o capital internacional, como diria o
saudoso Brizola.
– Na sua opinião, por que o assunto reforma agrária esteve ausente da pauta das
manifestações populares ocorridas em junho do ano passado?
– O que tivemos em junho e julho foram mobilizações da juventude urbana pedindo
mudanças. E se mobilizou como indignação e protesto. Não por um programa de
mudanças. Quem pode se mobilizar com programa de mudanças são os setores
organizados da classe trabalhadora, que ainda infelizmente estão meio parados.
Porém, as mobilizações da juventude são importantes e necessárias, pois são uma
espécie de termômetro da saúde da sociedade. A juventude é a primeira que sente
a febre e vai para a rua. Depois virão a classe trabalhadora e os demais
setores. É urgente construirmos um programa de mudanças articulado pelos
movimentos populares e partidos de esquerda.
– Um dos assuntos mais criticados pelos manifestantes foram os gastos com a Copa
do Mundo. Qual é a sua opinião sobre esse tema?
– O governo gastou, através de diversas formas, ao redor de R$ 8 bilhões. A
imprensa burguesa, porta-voz da oposição partidária, fez disso uma bandeira para
tentar desgastar o governo. Mas, cá entre nós, esse volume representa apenas
duas semanas dos juros pagos pelo Tesouro Nacional aos bancos. E ninguém diz
nada. Claro que poderiam ser aplicados melhor, em educação e hospital. Nosso
inimigo principal não são os estádios e a Copa, que vai passar logo. Nosso
inimigo são os bancos, o capital financeiro. E sobre eles a imprensa não diz
nada. O próprio (Joseph) Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, defendeu que a
única saída para salvar o capitalismo, se se quisesse, seria estatizar os
bancos.
– A ideia de se realizar reforma agrária no Brasil, proposta pelo então
presidente João Goulart (Jango), foi um fator determinante para o golpe de 1964.
No Chile, da mesma forma, com Salvador Allende. Por que esse tema é um tabu?
– Porque a base do poder político em todos os países periféricos e subalternos
ainda está no poder econômico da propriedade da terra. Todos os países hoje
industrializados fizeram reforma agrária para democratizar a terra e gerar um
amplo mercado interno. Mas aqui a burguesia prefere vender pouco e ganhar muito,
em vez de vender muito e ganhar mais. Por isso temos uma sociedade, a cada dia,
cada vez mais desigual. O Brasil é um dos países de maior desigualdade social do
mundo. E um dia isso vai estourar.
– O MST ficou submisso aos governos do PT, como criticam alguns?
– O MST adota como um princípio a autonomia em relação aos governos, Estado,
partidos e igrejas. Aplicamos isso durante todos os 30 anos de existência. E
fazemos isso também com os governos Lula-Dilma. Nossa prática de movimento
social é pressionar e negociar. Pau e prosa. No ano passado, ocupamos os
ministérios de Minas e Energia, da Fazenda, da Agricultura, nenhum outro
movimento social fez isso, e não consta que o governo federal tenha gostado.
– Como o senhor acompanhou, em 2011, a mobilização de um grupo de mais de 50
integrantes que deixaram o MST por acharem que a direção do movimento estava
submissa ao governo?
– Do MST, eram apenas 17, os demais eram de outros movimentos. A crítica do
documento deles é ideológica e se referia a todos os movimentos populares e
partidos. Infelizmente, não entenderam que em um movimento de massa cabem todas
as opiniões. Não me consta que sua saída e seu agrupamento representou algum
avanço para a classe trabalhadora ou alguma ameaça aos governos e à burguesia.
Faz parte da vida, e todo mundo tem a liberdade de defender suas ideias.
João Pedro Stedile é, nas últimas décadas, a maior liderança do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra. Um dos fundadores do MST, o ativista brasileiro
também integra a Via Campesina. É graduado em Economia pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) e pós-graduado pela
Universidade Nacional Autônoma do México. Filho de pequenos agricultores da
província italiana de Trento, nasceu em 1953 na cidade gaúcha de Lagoa Vermelha.
Marxista de formação, Stedile, desde 1979, participa das atividades de luta pela
reforma agrária no País. Atuou como membro da Comissão de Produtores de Uva, dos
Sindicatos dos Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Sul, na região de Bento
Gonçalves. Já assessorou a Comissão Pastoral da Terra (CPT), no Rio Grande do
Sul e em âmbito nacional, além de ter trabalhado na Secretaria da Agricultura do
Rio Grande do Sul. Por indicação do então deputado federal Brizola Neto
(PDT-RJ), recebeu a medalha Mérito Legislativo, concedida a personalidades
brasileiras ou estrangeiras que realizaram ou realizam serviço de relevância
para a sociedade.

In
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3/2/2014

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