domingo, 9 de fevereiro de 2014

Bósnia em revolta contra a miséria e o desemprego


Nos últimos dias explodiu uma revolta por toda a Bósnia-Herzegovina, com
múltiplas ações de protesto, choques violentos entre manifestantes e polícia e
vários edifícios governamentais em chamas depois de terem sido assaltados. Os
protestos começaram na cidade de Tuzla, com uma manifestação contra o desemprego
e o encerramento de empresas outrora estatais e entretanto privatizadas. Na
origem dos protestos estão a miséria e o desemprego, que ultrapassa os 40%.

Protesto em Tuzla Tuzla, manifestação contra o desemprego
Segundo o site “Le Courrier des Balkans”, a uma convocatória no facebook,
“50.000 pessoas nas ruas por um futuro melhor”, milhares de pessoas
manifestaram-se na passada quarta-feira 5 de fevereiro em Tuzla. Na quinta-feira
as manifestações estenderam-se a outras cidades da Bósnia, nomeadamente
Sarajevo, Zenica, Bihac e Prijedor e na sexta-feira os protestos ampliaram-se
para outra cidades, incluindo da República Sérvia da Bósnia, aumentando os
confrontos com a polícia.
Outro grupo do facebook (UDAR) também convocou as manifestações, nomeadamente em
Tuzla, onde a organização sindical de quatro empresas antes públicas, depois
privatizadas e agora encerradas (Konjuh, Polihem, Dita e Resod-Guming) teve um
papel chave na mobilização e no protesto.
Em Tuzla, os manifestantes concentraram-se junto ao edifício de governo do
cantão, exigindo medidas contra o desemprego e o encerramento das quatro
empresas. Face à recusa do primeiro-ministro do cantão de se encontrar com os
manifestantes, estes começaram a atirar pedras e ovos contra o edifício e
tentaram forçar a barreira policial. Em comunicado oficial, o governo local
disse que não podia fazer nada, porque as empresas que encerraram são privadas.
Os confrontos entre manifestantes e polícia prolongaram-se na quarta-feira por
mais de quatro horas nas ruas da cidade.
Tuzla desenvolveu-se como um centro industrial e cultural importante durante a
época de Tito. Entre 2000 e 2010, as antigas empresas públicas que empregavam a
maioria da população foram privatizadas pelas autoridades locais, sob controlo
da agência cantonal para as privatizações.
Segundo o “Courrier des Balkans”, a empresa Dita de detergentes empregava 750
pessoas e foi privatizada em 2007, comprometendo-se o novo proprietário da
empresa a manter os postos de trabalho durante três anos e a produção durante
cinco. Porém, a empresa deixou de fazer descontos para a segurança social. As
pessoas que trabalhavam na Dita ficaram sem emprego, sem direitos sociais e
impossibilitados de pedir a reforma por não terem os descontos suficientes. Em
2010, um inquérito da polícia provou os atos criminosos do novo proprietário,
mas o processo ficou bloqueado na procuradoria de Tuzla. Os trabalhadores lutam
há anos pelos seus direitos, no entanto o primeiro ministro do cantão diz que o
assunto não lhe diz respeito, porque se trata de uma empresa privada. A situação
é semelhante nas outras três empresas.
O fundador do grupo do Facebook UDAR e um dos convocadores da manifestação em
Tuzla, Aldin Širanović, foi preso na quinta-feira pela polícia e mais tarde
libertado, tendo denunciado que foi espancado pela polícia. O presidente do
sindicato da empresa Konjuh de Tuzla, Mevludin Trakić, foi preso no protesto de
quarta-feira e declarou após a sua libertação: “Não viemos aqui para vandalizar.
Há quatro anos que pedimos o reconhecimento dos nossos direitos mas,
acreditem-me, ontem fomos surpreendidos quando fomos algemados e presos pelas
forças especiais. Fomos libertados às 21.30h e multados em 300 marcos (150
euros), que certamente não poderemos pagar com os miseráveis 40 marcos (20
euros) por mês que temos para viver. Nos últimos dias, eu vi jovens de 15 anos
serem espancados pela polícia especial. A polícia ataca pessoas indefesas, mas
se for preciso, nós podemos armar-nos. Repito, não viemos aqui para isso, mas se
nos obrigarem fá-lo-emos”.
Protestos na Federação da Bósnia e na República Sérvia da Bósnia
Protesto em Bihac
Depois da guerra dos Balcãs nos anos 90, a Bósnia-Herzegovina tornou-se um
Estado composto por duas entidades: a Federação da Bósnia e Herzegovina, onde
predominam bósnios e croatas, e a República Srpska, sérvia. A presidência do
Estado é rotativa, por períodos de 8 meses, entre um bósnio, um croata e um
sérvio, escolhidos por mandatos de 4 anos.
Nesta sexta-feira, 7 de fevereiro, as manifestações ultrapassaram as divisões
étnicas e realizaram-se não só na área da federação, mas também na República
Sérvia, verificando-se ações de protesto em Sarajevo (a capital), Tuzla, Zenica,
Kakanj, Mostar, Prijedor e Bihac, mas também Banja Luka, Travnik, Donji Vakuf,
Jajce, Kljuc, Cazin, Visoko, Zepce e Zavidovici.
No decurso destes protestos demitiram-se os governos cantonais de Tuzla e
Zenica. Na cidade de Mostar os manifestantes largaram fogo às sedes dos partidos
nacionalistas HDZ e SDA.
O povo protesta “pela desgraça, miséria e injustiça que os oprime com
persistência", diz presidente da Bósnia-Herzegovina
Sarajevo, junto ao edifício da presidência
Nos confrontos nas várias cidades da Bósnia ficaram feridas muitas dezenas de
pessoas. Em Sarajevo terão ficado feridas mais de 100 pessoas, em Zenica 50 e em
Tuzla pelo menos 11.
Edifícios governamentais arderam em Tuzla e em Sarajevo a presidência e o
edifício do governo ficaram em chamas.
O presidente da Bósnia-Herzegovina em exercício, o croata Zeljko Komsic,
declarou: "É tudo por culpa nossa. Não sei se o poder estatal poderá funcionar,
mas deveria fazê-lo. O poder deve funcionar sempre, este ou outro. Porque não
vem nada de bom da anarquia".
"O povo não começou a protestar por odiar alguém ou pela orientação política, ou
pelo nome de alguém, mas sim pela desgraça, miséria e injustiça que os oprime
com persistência", acrescentou Komsic em declarações a uma televisão local. O
presidente considerou também que "caso se tivesse dialogado com as pessoas no
primeiro dia não existiriam as imagens que há agora por toda a
Bósnia-Herzegovina".
Por sua vez, o ministro do Interior da Bósnia, Fahrudin Radoncic, considerou os
protestos como "um tsunami dos cidadãos roubados" contra a corrupção e criticou
os governos cantonais de "falta de sensibilidade" face aos anseios das
populações.
Radoncic disse ainda: "A privatização saqueadora foi horrível. Ainda pior, temos
um sistema policial em que, de facto, os primeiros-ministros locais ordenam que
se maltrate o seu povo, algo inaceitável".
Protesto em Mostar
A Bósnia-Herzegovina tem 3,8 milhões de habitantes. A taxa de desemprego
ultrapassa os 44% e 20% da população vive abaixo do limiar de pobreza. O salário
médio mensal ronda os 420 euros.
O “Courrier des Balkans” salienta: “Enquanto os planos de austeridade, as
privatizações e os ataques ao direito do trabalho se sucedem em todos os países
dos Balcãs, a agitação social amplifica-se. De facto, as medidas de
“flexibilização do mercado de trabalho”, impostas pelo FMI vêm juntar-se a uma
situação social muito deprimida: baixos salários, reformas indecentes e
desemprego sempre massivo”.


In
http://www.esquerda.net/artigo/b%C3%B3snia-em-revolta-contra-mis%C3%A9ria-e-o-desemprego/31284
8/2/2014

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