quarta-feira, 20 de maio de 2015

Destruição econômica e social



Escrito por Adriano Benayon



1. Foi muito divulgada esta asserção do professor Wanderley Guilherme dos
Santos: "Depois de criado, o Estado liberal transforma-se no Estado em que
a hegemonia burguesa não é seriamente desafiada. Trata-se de um Estado
cuja intervenção em assuntos sociais e econômicos tem por fim garantir a
operação do mercado como o mais importante mecanismo de extração e
alocação de valores e bens".



2. Esse cientista político destaca a óbvia natureza intervencionista (não
admitida) do Estado dito liberal, sem, porém, propor uma denominação que
saia dessa contradição em termos.



3. De resto, os muitos que repetem o termo (neo)liberal, mesmo sabendo-o
falso, colaboram com a enganosa comunicação social do capitalismo.



4. O mesmo cientista afirma: “O Estado liberal não é de modo algum um
Estado não intervencionista. Muito pelo contrário, o Estado liberal está
sempre intervindo, a fim de afastar qualquer obstáculo ao funcionamento
'natural' e 'automático' do mercado".



5. Aí está um engano sério. O mercado, nas mãos dos oligopólios e carteis,
não funciona natural nem automaticamente: ele é controlado e manipulado
por eles, e lhes serve de álibi, ao usarem o termo impessoal “mercado” em
relação a ações praticadas por pessoas físicas, a serviço de grupos
concentradores de poder econômico e financeiro.



6. Isso é exatamente o contrário do funcionamento 'natural' e 'automático'
do mercado e também do que teorizaram os clássicos da economia sobre
mercados livres, com participantes igualmente submetidos à concorrência.
Na realidade, a intervenção do Estado capitalista:



1) afasta a aplicação dos mecanismos de defesa econômica do Estado,
coibidora dos abusos praticados pelos concentradores;



2) promove o aumento da concentração do poder da oligarquia financeira,
através de subsídios governamentais e das políticas fiscal e monetária,
entre outras.



7. Portanto, capitalismo é o sistema político e econômico que não admite
restrições à concentração dos meios de produção e financeiros, ademais de
a fomentar, nas mãos da oligarquia, por menor que seja o número das
pessoas que a compõem.



8. Nos países centrais ou imperiais, o Estado liderou o desenvolvimento
econômico e nunca abandonou o fomento ao setor privado. À medida que este
ganhou corpo, o Estado passou a apresentar-se como liberal, a fazer
concessões no campo social e a adotar, na política, formas exteriormente
democráticas.



9. Nos períodos de crescimento e bem mais nos de crises, a concentração
foi crescendo, e regrediram os avanços, surgindo o fascismo (antes da
Segunda Guerra Mundial). E o fascismo não declarado, como nos EUA, desde
antes do inside job de setembro de 2001 (destruição das Torres Gêmeas e
míssil lançado no Pentágono).



10. A concentração do poder financeiro mundial alcançou o incrível grau
presente (147 corporações transnacionais, vinculadas a apenas 50 grupos
financeiros, detendo mais de 40% da riqueza mundial).



11. Isso foi se intensificando por mais de 100 anos após os concentradores
terem se tornado bastante fortes, para que o Estado capitalista os
protegesse adicionalmente. Os setores mais aquinhoados foram o das armas e
a finança.



12. O grande impulso recente deu-se através da financeirização da
economia, abusando os bancos dos privilégios de criar moeda e títulos de
toda sorte. Seus acionistas e executivos locupletaram-se assim,
beneficiados pela desregulamentação dos mercados financeiros, a qual lhes
proporcionou abusar da alavancagem e de fraudes diversas.



13. Ilustrativa da subordinação do Estado capitalista, falsamente dito
liberal, à oligarquia financeira foi a resposta ao colapso financeiro de
2007/2008, provendo mais de 20 trilhões de dólares em ajuda aos banqueiros
delinquentes, ao invés de realizar as correções estruturais necessárias ao
bem da economia e da justiça.



14. De há muito, as intervenções imperiais - militares ou não -
recrudescem em todos os continentes, gerando sistemas políticos
pró-imperiais e Estados vassalos, como se tornou o Brasil, à raiz do golpe
de Estado de agosto de 1954, passando a partir das Instruções 113 da SUMOC
e seguintes (janeiro de 1955) a subsidiar os investimentos estrangeiros
diretos, de modo absurdo.



15. Não há como falar em capitalismo periférico. Há somente indivíduos
riquíssimos originários das periferias, como muitos outros dos países
centrais, subordinados à oligarquia capitalista mundial.



16. À medida que essa oligarquia se foi apropriando, no Brasil, da
estrutura econômica, foi também promovendo sucessivas intervenções e
manobras no campo das instituições políticas que propiciaram intensificar
ainda mais essa apropriação.



17. Temos agora mais uma crise. Nesta, a baixa resiliência – devida à
desindustrialização e à desnacionalização – combina-se com o déficit das
transações correntes exteriores, mais os déficits das contas públicas nos
três níveis da Federação, resultando em grande salto qualitativo para nova
degradação econômica e social.



18. Consideremos as taxas básicas dos juros dos títulos públicos, uma das
mega-fontes de agravamento do caos decorrente do “ajuste” em curso.



19. Nos últimos cinco meses, a taxa SELIC foi elevada várias vezes. Era
11,25%, em novembro de 2014, e chegou a 13,25%, em 30.04.2015, o que
significa taxa efetiva em torno de 16,25% ao ano (a.a.).



20. Em artigo anterior, comparei a aplicação das taxas de 12% a.a. e de
18% a.a., durante 30 anos, sobre o atual montante da dívida mobiliária
interna, de cerca de R$ 3 trilhões: a primeira resultaria em R$ 90
trilhões, e a segunda em incríveis R$ 430 trilhões, quantia igual ao dobro
da soma dos PIBs de todos os países do mundo.



21. A taxa atual alçaria o estoque da dívida para R$ 274,73 trilhões de
reais.



22. Tal como as letais taxas de juros, as demais políticas do “ajuste” só
podem ter por objetivo concluir a desestruturação (destruição) econômica e
social do país.



23. Em função dos estratosféricos juros da dívida e também da intenção
restritiva do “ajuste”, os investimentos públicos sofrem enormes cortes.
Do mesmo modo, a demolição de direitos sociais, incluindo generalizar a
terceirização, significa extrair sangue de organismos anêmicos.



24. É inútil esperar resultados positivos de tais medidas, porque, na
atual estrutura, dominada pelos carteis transnacionais, e dada a
infraestrutura existente, nenhum “ajuste” levará a diminuir
significativamente o “custo Brasil”, qualquer que seja a taxa de câmbio.



25. Até mesmo as subsidiárias das transnacionais, que poderiam apresentar
custos competitivos, inclusive por não precisarem do crédito local,
absurdamente caro, preferem, em vez disso, auferir lucros fabulosos no
país, reforçados pelos incríveis subsídios que lhes dão a União, Estados e
municípios.



26. Elas remetem esses lucros ao exterior, disfarçados em despesas por
serviços, superfaturamento de importações (dos equipamentos, máquinas e
insumos) e subfaturamento de exportações. Assim, seus custos são
forçosamente altos.



27. Já as empresas de capital nacional vêm sendo alijadas do mercado,
desde 1954. Além de não contarem com as vantagens dos incentivos e
subsídios, que só as transnacionais estão em condições de aproveitar, elas
foram desfavorecidas pelas políticas públicas e deixadas à mercê das
práticas monopolistas dos carteis multinacionais.



28. A política de crédito as afeta de modo especialmente agudo, pois os
juros que despendem são múltiplos da taxa dos títulos públicos. Já as
transnacionais, além de não necessitarem de crédito, bastando-lhes
reinvestir pequena parcela dos lucros, têm acesso a crédito barato no
exterior.



29. A partir dos anos 90 e após a devastação produzida pela dívida
externa, passou-se às indecentes privatizações, já que a classe dominante
eram os controladores das transnacionais, cujos governos impõem suas
vontades, diretamente e através de agentes, cooptados e corrompidos.



30. Sob o modelo dependente, o país carece de poder armado e financeiro
para fazer valer seus interesses na esfera mundial, e sua inserção externa
é a pior possível, pois os segmentos de maior valor agregado e maior
emprego de tecnologia são controlados pelos carteis mundiais.



31. A própria infraestrutura, como a dos transportes, inclusive em sua
orientação geográfica, foi desenhada para servir o interesse das
corporações estrangeiras, tal como a escolha dos investimentos,
priorizando a extração de minérios em escalas imensas, com pouco ou nenhum
processamento no país.



32. Também na agricultura privilegia-se a grande escala, segundo as regras
dos carteis mundiais do agronegócio e suas tradings, abusando-se dos
agrotóxicos, transgênicos e fertilizantes químicos, para grande dano dos
solos e da saúde pública.



33. Entre os grandes escárnios ilustrativos da submissão do Brasil à
condição de periferia imperial é a Lei Kandir, que isenta de tributos as
exportações primárias. A Inglaterra entendeu, já no Século 13, que era
vital sair dessa condição, quando a lã de seus carneiros ia para as
indústrias de Flandres e da Itália.

In
Correio da Cidania
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10773:submanchete180515&catid=72:imagens-rolantes
18/5/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário