sexta-feira, 26 de junho de 2015

Agrotóxicos: hora de acordar para enfrentar o pesadelo




Jacy Afonso - Brasil 247 (via MST)


Não bastassem as contaminações por efluentes gasosos de todos os tipos,
poluentes persistentes impostos por processos industriais, pelo escapamento de
veículos, pelo desmatamento e demais fontes poluidoras, os agrotóxicos se somam
ao peso no prato de cada dia do trabalhador e da trabalhadora.


No Brasil, os números impressionam. Dados da Anvisa do ano de 2013 apontam que
64% dos alimentos estão contaminados por agrotóxicos. Entre 2007 e 2014, as
intoxicações por esses venenos, notificadas e registradas pelo DATASUS do
Ministério da Saúde, foram 34.147, e há que se considerar ainda o significativo
montante das subnotificações.


Em que pesem os avanços de iniciativas como o Programa Nacional de Redução de
Agrotóxicos (Pronara), que tem como objetivos a diminuição do uso e a transição
para modelos alternativos como a agroecologia e a produção orgânica, estamos
diante de retrocessos quanto à liberação de princípios ativos já banidos em todo
o mundo, mas permitidos aqui, a partir da flexibilização na legislação. Isso
trará impactos irreversíveis para as populações.


Somam-se a isso os impactos do uso dos agrotóxicos nos trabalhadores e
trabalhadoras e que atingem toda a cadeia produtiva, começando na indústria
química, tanto na produção quanto no envase, no transporte, no manuseio no
comércio, na aplicação no campo, no consumo dos alimentos pela população.


A saúde desses trabalhadores é comprometida no exercício do trabalho, pelo uso
abusivo de venenos, e tem as suas defesas nocauteadas dia a dia, numa luta com
um adversário oculto e silencioso que quando se revela, em geral, é tarde
demais.


E nos locais de trabalho, como são pensados e selecionados os ingredientes que
são a base da alimentação dos trabalhadores nos refeitórios das empresas, em sua
maioria terceirizadas? Qual o nível de decisão, participação e monitoramento que
os trabalhadores efetivamente têm nesses processos?


Na cadeia produtiva do agronegócio, é grande a vulnerabilidade dos
trabalhadores, em sua absoluta maioria temporários, que são submetidos a
baixíssimos salários, condições de trabalho exaustivas e, muitas vezes,
condições de escravidão, tendo seus documentos retidos e ficando
impossibilitados sequer de retornar às suas cidades de origem.


São visíveis os impactos no meio ambiente, as enxurradas de venenos que
encharcam as lavouras diariamente. São comuns a falta de descarte correto, os
derramamentos acidentais, a contaminação das águas, a intoxicação e morte de
animais por terra, ar e mar, além das populações que sobrevivem da natureza e
que veem sua fonte de subsistência comprometida, quando não condenada, para
privilégio de poucos.


Essas são questões que devem ser aprofundadas e que requerem acompanhamento nas
mesas de negociação, conselhos, comissões correlatas e demais espaços de
enfrentamento ao tema. Pautar o assunto internamente e de forma mais contundente
nos sindicatos, federações e confederações, propondo caminhos e soluções, são
iniciativas essenciais para avançarmos na defesa de direitos sociais e para
impedirmos retrocessos.


Cabe ainda atentar para os instrumentos jurídicos como os Princípios da
Precaução, estratégia adotada em Convenções e Acordos Internacionais, dos quais
o Brasil é signatário, como o Protocolo de Montreal sobre gases, a Convenção de
Cartagena sobre biotecnologias e os Princípios como o da Substituição de
Processos e Produtos Perigosos por outros de menor risco. Exercer o direito de
saber e de se recusar ao trabalho quando em condição de risco são conquistas,
frutos da luta dos trabalhadores e trabalhadoras do ramo químico, que aprimoram
legislações e asseguram seu cumprimento por parte das empresas.


A ação sindical exige conhecimento dos processos, estratégia para o
enfrentamento aos riscos, exigência de que o poder público fiscalize,
inspecione, notifique e preste contas aos trabalhadores e à população. E inclui
também a exigência de que se determine a substituição de equipamentos e
tecnologias que tragam risco por outras que preservem a integridade física e
protejam a saúde humana e o meio ambiente.


O debate, por sua importância, não poderia deixar de estar também no cinema. O
documentário intitulado O Veneno está na Mesa, do cineasta brasileiro Silvio
Tendler, já tem uma segunda versão. Além de questionar o monopólio das empresas
produtoras de agrotóxicos e fertilizantes e os interesses econômicos desse
setor, o filme mostra ainda experiências viáveis de produção agroecológica,
respeito aos trabalhadores do campo e ao meio ambiente e alerta sobre o direito
a viver sem venenos. Afinal, outro mundo é, sim, possível.

In
Carta Maior
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente/Agrotoxicos-hora-de-acordar-para-enfrentar-o-
pesadelo/3/33800

22/6/2015

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