quarta-feira, 10 de junho de 2015

Estaremos na antecâmara de uma ditadura financeira?





por Liliane Held-Khawam [*]

Um grande número de financeiros já não sabe a que Nobel se devotar. Os
saques sobre as poupanças e portanto sobre as pensões de reforma e
seguros-poupança, elegantemente chamado de taxas de juros negativos, têm
gerado uma tempestade global, mas o silêncio prevalece do lado dos eleitos
que evitam desde há muitos anos qualquer confronto com Alta Finança.

Vozes profissionais vieram juntar-se aos que na internet protestavam
dando mais crédito à tese de que um pequeno grupo que se considera não
representar mais que 1% da população possuiria 50% das riquezas mundiais e
estaria a preparar-se para assumir o poder político global.

Uma riqueza ilimitada para uns graças a um direito de privilégio soberano


O cálculo dos 50% da riqueza mundial detidos por aquela minoria é
questionável. Na verdade, ninguém realmente conhece a oferta monetária
criada pelos bancos comerciais. Estes detêm efetivamente uma parte dos
seus ativos fora do balanço. Isso é legal. Legítimo seria outra questão…

Ao lado dessa riqueza potencialmente ilimitada e desconhecida, descobre-se
o mundo desinteressante dos "dark pool" . Circuitos financeiros e
bolsistas, cujo objetivo é garantir simultaneamente o anonimato e
contornar as regulamentações. As operações fazem-se então entre amigos e
no maior segredo.

Os montantes trocados são impressionantes. Em 2007, em plena crise
financeira dos subprime , as autoridades de vigilância do mercado
financeiro europeu tornaram-nos legais. Os "dark-pools" são o campo de
predileção para programas informáticos que permitem transações com grande
rapidez e frequência aumentando os benefícios.

Como foram então permitidos em plena estratégia de "dinheiro limpo"
(Weissgeld) como diria a ministra suíça das finanças? Se o mistério é
total em torno do assunto, nós convidamo-los a descobrir dois
criminologistas de talento: Jean-Daniel Garcia e Alain Bauer . Rápida,
ilimitada, poderosa, obscura e legal são alguns dos qualificativos da Alta
Finança

As autoridades de vigilância dos mercados financeiros próximos da Alta
Finança

A AMF ou a FINMA, as autoridades de supervisão do mercado financeiro
francês e suíço, são totalmente independentes. A FINMA usa mesmo a
palavra "soberania". Beneficiam de personalidade jurídica própria e,
portanto, de um conselho de administração ou colégio que os gere como se
fosse uma empresa.

Aí podem ser encontrados os patrões da Alta Finança internacional (banca
e seguros designadamente). O facto é que uma entidade como a FINMA define
ela própria normas, decretos e leis. Tendo também autoridade para aplicar
sanções. É o garante da boa gestão da poupança, fundos de pensões e
seguros (incluindo os de vida). No entanto, o silêncio da FINNA e dos
eleitos sobre as taxas de juro negativas aplicadas a títulos e obrigações
com rendimentos negativos é ensurdecedor! Qualquer deles tolera o
intolerável.

A impopularidade é a inimiga número 1 da Alta Finança

A Alta Finança sabe-se impopular. Tem dinheiro em abundância, conseguiu
impor suas próprias normas que lhe permitem assumir sempre ascendente
sobre os povos e os Estados. Mas eis que precisa de tornar permanente a
sua supremacia material por um poder político global. Não pode permitir-se
ter um contrapoder em qualquer parte. Um povo demasiado forte constituiria
uma ameaça.

Para instaurar a sua governança global e mundial da maneira que ela crê
definitiva, agarra-se atualmente a pelo menos dois valores - há outros -
com que dão o seu fundamento ideológico às pessoas: a liberdade e a
propriedade privada.

Confisco da propriedade privada

As taxas negativas poderiam, ao que parece, evoluir até 5% (!). Isto
equivale a um claro confisco, evidente, injustificado e ilegal. Ora, na
medida em que um terceiro não autorizado se serve fora de qualquer razão
legal de um bem, isso constitui uma violação dos direitos de propriedade
tal como definido no artigo 26 da Constituição (suíça].

As restrições colocadas pela Confederação em termos de acesso ao capital
das aposentações para aquisição de uma residência principal foram já uma
violação dos artigos 108 e 111 da Constituição. Os capitais para pensões
de reforma também são propriedade privada, uma vez que são nominativas. A
menos que não tenham mudado de natureza nestes tempos e se tenham tornado
uma espécie de imposto… O rendimento negativo dos títulos da Confederação
foi mais um passo em falso contra as caixas de pensões e um roubo
planificado das reformas.

Tudo isto afeta a credibilidade da "autoridade" do Estado, mas também seu
papel de garante da Constituição e do interesse público. Num país
democrático, isto é, onde o povo é soberano, esta autoridade é uma
garantia da proteção dos direitos dos cidadãos contidos na Constituição.
Quando um grupo privado, ou seja, os fundos de investimento, os banqueiros
privados e centrais assumem direitos constitucionais sem reação do Estado
ou da Justiça, podemos dizer que algo falha, falta aos seus deveres.

Confisco do direito à vida privada e portanto das liberdades

Um segundo elemento que está na mira da alta finança internacional é a
supressão do cash (o dinheiro primário, moedas e notas) . Ao fazê-lo,
desfere um golpe em pelo menos duas coisas:


1- Atentado às prerrogativas do Banco Central

O dinheiro primário é emitido apenas pelo Banco Central. Livrar-se dele
conduz a aumentar ainda mais o peso da moeda criada pelos bancos privados
(mais de 90% da massa monetária conhecida) ou moeda bancária.

A supressão do dinheiro primário significa a morte a mais ou menos curto
prazo do próprio conceito do Banco Central. Existem já atualmente junto
dos dark pools plataformas, designadamente a T2S, que dispensam o Banco
Central. O tráfego é feito banco a banco em direto.

Eliminar o dinheiro primário conduz a dispensar um pouco mais o banco
central emissor desta moeda e, portanto, enfraquecer as prerrogativas
teóricas do Estado. Para que conste, por exemplo a Suíça decidiu delegar
aos banqueiros privados a gestão pura e simples de TODO o tráfego de
pagamentos dentro e fora da Suíça.
O Banco Central suíço criou mesmo um banco SECB – Swiss Euro Clearing
Bank – com sede em Frankfurt e que pode guardar e gerir as "transferências
excedentárias". Pode até razoavelmente supor-se que é através deste banco
que a Suíça, não membro da zona euro, participou do programa Target2 – em
apoio da Alemanha – para compensar os défices de alguns países.
Estas transferências em excesso são, provavelmente, o excedente da
balança de pagamentos da Suíça que o SECB em consenso com o Banco
Nacional Suíço manteve fora do país correndo o risco de agravar a deflação
por falta de liquidez no país e favorecer a prazo uma recessão.

2 - Atentado ao direito à vida privada dos cidadãos

O cash suprimido permite aos "nossos amigos" da Alta Finança seguir todas
as despesas e ganhos dos cidadãos. O controlo é facilitado.

A gestão dos dados financeiros dos indivíduos poderia então tornar-se um
centro de custo e lucro controlável da mesma forma que qualquer
colaborador de uma empresa. É sabido que a contabilidade analítica e os
programas informáticos permitem atualmente localizar cada valor monetário
que é imputado direta ou indiretamente como custo ou ganho a cada
cidadão.
A Suíça criou uma nova forma de análise das suas estatísticas, que
considera a habitação familiar como "centro de produção". Pouco
tranquilizador...

Pondo em questão o direito à privacidade garantida pelo artigo 13 da
Constituição (suíça) a supressão do dinheiro primário permitirá aos
banqueiros acompanhar todas as transferências de cada pessoa, mas também
saber exatamente através do código de barras os produtos comprados. A
base de dados de cada pessoa incluiria a totalidade das compras, lugares,
datas, gostos.

Alimentar uma grande base de dados permitirá ter acesso ao comportamento
pessoal de cada pessoa como consumidor. Comercializar esses dados tem um
preço. Os serviços de marketing adoram esse tipo de informação que os
impede de errarem no cliente-alvo. Pensa-se que este tipo de dados é o
ouro negro do futuro...

Podemos então dizer que a Alta Finança captura diretamente as nossas
liberdades e o nosso direito à propriedade privada. Ao fazê-lo, impõe seus
próprios critérios societários, justificando a tutela sobre os seres humanos
com as necessidades de um mercado decididamente insaciável e a lógica
tecnocrática...

Atualmente, os representantes do Estado não parecem chocar-se por práticas
que são um sistema repressivo e desumano sobre os indivíduos e o seu
bem-estar. Dois pilares dos direitos do cidadão e de uma Constituição dita
democrática tremem na sua base. Irão cair?

Última questão: o Estado já está morto, ou finge estar?...
[*] Economista, suíça e libanesa, ver bio .

O original encontra-se em lilianeheldkhawam.wordpress.com/... e em
www.legrandsoir.info/... . Tradução de DVC.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

http://resistir.info/financas/ditadura_financeira.html#asterisco
10/6/2015

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