terça-feira, 23 de junho de 2015

Escolas estaduais de São Paulo: a sangria dos professores invisibilizados



Raphael Sanz* 

 
Foi decidido na última sexta-feira, 12 de junho, em assembleia, o final de uma das mais duradouras

greves da história recente do país. Nestes 92 dias de paralisação, os professores estaduais

paulistas ajudaram a levantar uma série de debates. Desde a equiparação salarial dos professores em

relação a outras categorias e as condições de trabalho e projetos de educação em disputa, até

questões de organização e política sindicais.
 
No auge da greve, entre abril e maio, cerca de 70% da categoria estava parada. O movimento enfrentou

a repressão bruta da polícia militar durante seus atos de rua. Enfrentou também a falta de diálogo

por parte do governo do Estado, que fazia questão de ignorar a greve e desqualificar suas

reivindicações. Enquanto isso, a difusão desse desdém oficial era feita pelos grandes meios de

comunicação. Além disso, uma série de disputas internas pela burocracia sindical enfraqueceu o

movimento grevista.
 
Chegando ao acampamento dos professores, em frente à Secretaria de Educação, na praça da República,

na noite da quinta-feira, dia 11 de junho, nossa reportagem se deparou com rostos cansados e vozes

já trêmulas, vindas de bocas secas pelos três meses de discussões, debates e assembleias. Naquela

noite, ainda se defendia a continuação da greve, mesmo com todos os prognósticos contrários. Os

professores se encontravam em uma situação material extremamente precária, sem conseguir se manter

financeiramente e pagar suas contas, sem acesso ao fundo de greve e, portanto, cada vez mais

desmobilizados em busca de suas necessidades básicas.
 
Esvaziamento da greve

Alessandro Soares, professor de geografia no estado desde 2005, contou que, no final de maio,

começou um refluxo na adesão à greve, “com a burocracia sindical desmobilizando a categoria”, diz.
 
A partir de então, vários grupos que se aproximaram durante a greve tentaram se articular em torno

de uma agenda para debater as questões pertinentes à categoria, junto aos Conselhos Representantes

do sindicato, e fazer pressão para que o movimento engrossasse novamente.
 
“Antes das assembleias, há uma plenária dos Conselhos Representantes. Em cerca de 4 ou 5

oportunidades, comparecemos a esses grupos de forma autônoma, pedindo a voz para que pudéssemos

também mostrar que nós tínhamos uma pauta, uma agenda de reivindicações que levavam como maior

bandeira uma melhoria da qualidade da educação, não apenas a questão salarial. Tem isso também,

claro. Mas o mais importante para nós era discutir o que significa a educação aqui no estado de São

Paulo. Uma educação toda sucateada”, explica o professor.
 
“Tivemos a abertura em relação ao regime militar no final dos anos 80, e então o governo do estado

passou pelo PMDB e depois caiu no controle tucano. Houve uma crescente desmobilização e uma

diminuição do poder aquisitivo dos professores a partir de então. E também uma piora do ensino

público no estado de São Paulo”, observa.
 
Partidarização do debate

Para o professor, um dos fatores que “sangrou” o movimento grevista foi a postura dos diferentes

grupos que disputam a burocracia sindical. Para ele, houve uma prioridade colocada nesta disputa em

detrimento ao avanço das pautas propostas pela base.
 
“A gente observa dentro do sindicato que diversas correntes que lutam pelo aparelho, no momento mais

agudo, se juntaram para terminar a greve”, critica o professor. De acordo com ele, mesmo as

correntes de oposição, ligadas ao PSTU e ao PSOL, não aprofundaram a discussão sobre o que significa

a educação. Para Alessandro e outros professores acampados na República, o debate em torno da

educação foi partidarizado, transformando os professores em massa de manobra na disputa do

imaginário político.
 
“O movimento grevista foi chamado no dia 13 de março pela direção da APEOESP com uma proposta de

barrar toda uma série de propagandas que vinham contra o governo federal. Tanto que no dia 13 foi a

nossa paralisação e, logo em seguida, no dia 15, houve o ato do pessoal mais conservador”, explica.

Nesse momento, o movimento grevista foi crescendo, até chegar ao seu auge no final de abril. “Isso

enquanto era conveniente para os setores governistas”, frisa Alessandro. Em outras palavras, não é

uma coincidência o fôlego dessas correntes no momento em que as manifestações da direita estavam a

todo vapor.
 
“No momento em que começava a esvaziar a greve, várias correntes independentes e autônomas se

juntaram na rua, fazendo as caminhadas, os chamados cortejos, para a Secretaria de Educação. Em

alguns momentos, a gente tentou tencionar um pouco mais para que outras pautas, caminhos e discursos

fossem ouvidos”, continua Alessandro. Ele considera que esse fôlego extra, que estendeu a greve por

quase mais um mês, foi uma vitória, pois, mesmo com toda a sangria, houve certa visibilidade para

discutir o processo de deterioração das escolas públicas.
 
A sangria dos professores

Um outro fator fundamental a ser explicado é a postura que o estado de São Paulo, comandado pelo

governador Geraldo Alckmin, tomou em relação aos profissionais da educação. “É um governo

completamente centralista, que não ouve os trabalhadores. Simplesmente ignora a pauta que a gente

levanta e não dialoga com os professores. É um governo autoritário e fascista, que coloca a polícia

pra bater e perseguir professor. Também não quer discutir de forma aprofundada a escola publica”,

dispara Alessandro.
 
A negociação em torno do aumento salarial foi um dos pontos dos quais o governo se esquivou. “A

nossa data base é em março, mas o governo estadual bateu o pé e disse que era em julho. Mesmo sendo

legal em março, o governo do estado falou que não aceita essa data base e, quando começou a

negociar, o governo dizia que daria o aumento em determinado momento, mas, de forma mais objetiva,

não passou nenhum dado a respeito desse aumento”, explica.
 
Quanto à regularização dos professores temporários, outra pauta da greve, o governo disse ao

movimento grevista que iria mandar um projeto de lei para a ALESP. “Mas também não avançou”.
 
“Ou seja, é complicado, porque, mesmo com esse lema de pátria educadora, quando aparece um movimento

sindical que discute não apenas a questão salarial, mas a qualidade e os objetivos da educação, da

básica até a superior, não tem onde dialogar, porque partidarizaram a discussão”, lamenta. Se, de um

lado, os adeptos de um desses partidos boicotaram internamente a organização da categoria, por outro

lado o governo do outro partido se recusou a negociar e perseguiu os professores grevistas.
 
Para o professor de geografia, o golpe final do estado de São Paulo contra a mobilização dos

professores veio na forma do corte do salário. “Esse corte de pontos foi um dos fatores que fez com

que o movimento perdesse a sua postura. Todas as pessoas têm suas contas para pagar, sua realidade

material, seu modo de vida, têm de colocar arroz, feijão e mistura na mesa. Tem gente que precisa

pagar pensão, aluguel, e isso foi uma tática usada pelo governo do estado para enfraquecer o

movimento”, descreve.
 
“No meu caso, tive um corte de salário total. Não vou receber em junho, nem em julho. Como voltei na

última segunda-feira (15 de junho), só vou receber em agosto a metade do mês de junho (a contagem do

salário é feita 60 dias depois de fechar o mês). Ou seja, vou ter problemas para pagar as minhas

contas. Toda a questão material da minha vida está bem complicada, tenho que pedir dinheiro

emprestado, correr para o banco, ter familiares ajudando, tentando uma série de coisas para segurar

as pontas nesse meio tempo até que eu tenha a minha renda novamente, em setembro”, conta o geógrafo.
 
Ele não é o único a estar nessa situação. Naquela noite de 11 de junho, no acampamento, uma

professora que falava na reunião dos acampados dizia em alto e bom som: “não podemos pedir para um

professor que está há 3 meses com o aluguel atrasado, com muitas dificuldades para pagar as contas,

vendo os filhos comerem pouco, que continuem em greve. Eles nos sangraram”.
 
Projeções para um “Brasil em transformação”

Montado pela APEOESP no início da greve, o acampamento foi desfeito no final de maio, após uma

assembleia no dia 25. Os professores consideram um ato de resistência ter mantido o acampamento, de

forma autônoma em relação à direção sindical, até o fim da greve. “Durante essa greve, a aula foi na

rua. Eu aprendi muito nesse processo”, prossegue o nosso entrevistado.
 
“Será que esse modelo de escola pública fechada, cheia de grade, onde uns entram e outros não, essa

coisa policialesca, é o projeto que queremos de uma escola pública? Ou a gente tem outro projeto? Eu

não tenho uma resposta certa para isso. É uma questão que está levantada. Talvez esse modelo que

temos de escola pública não seja o mais positivo no sentido da construção do conhecimento”.
 
Em relação à representação sindical, muito criticada pelos professores que acamparam na República,

podem-se observar alguns novos ingredientes. É notável que há uma nova geração de professores e

trabalhadores da educação que pensam a questão sindical sob um ponto de vista interessante, porém,

pouco usual. Concorde-se ou não com as críticas, é inegável que a base do movimento grevista busca

um debate mais sério.
 
“Essa greve deu uma oxigenada nas estruturas com um pessoal bastante combativo e cheio de fôlego,

que quer por a mão na massa. Esse movimento vem desde junho de 2013, com o empoderamento de você

poder sair na rua e levantar as bandeiras dos trabalhadores, da melhoria das condições de trabalho e

qualidade de vida da classe trabalhadora. Eu acho que esse movimento grevista vem ainda no embalo do

processo das jornadas de junho de 2013, junto com a questão do transporte colocada pelo MPL, e toda

a agenda popular que estamos construindo nos últimos dois anos nesse Brasil em transformação”.
 
*Raphael Sanz é jornalista.
 

In
Correio da Cidadania
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=10877
19/6/2015

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