segunda-feira, 23 de abril de 2018

As boas maneiras dos donos do poder, disfarce ao ódio de classes.



Roberto Reqião

“É preciso – independentemente das posições políticas e simpatias ideológicas –
bom senso, humildade, renúncia e sabedoria para evitar o rompimento das pontes
que ainda fazem a sociedade se comunicar, interagir.”

6 dez 2016: Senador Aécio Neves PSDB-MG a direita conversa em tom descontraido
com o juiz Sérgio Moro, ambos atrás do presidente Michel Temer, do governador de
São Paulo Geraldo Alckmin PSDB-SP e do Ministro da Fazenda Henrique Meireles.
Não sou um Marcelino de Carvalho e nem tenho o “savoir faire” da Danuza Leão,
mas quero falar sobre algumas regras básicas, coisas simples, naturais que
sempre regularam as relações humanas, desde que descemos das árvores e passamos
andar eretos.
E são em momentos de tensão, de conflitos, como os de hoje, que mais se exige
civilidade, gentileza, enfim…boas maneiras.
No entanto, cada vez mais, convenço-me de que a polidez, o refinamento e a
amabilidade não são próprios das classes que, em uma sociedade classes, são as
classes dominantes, a minoria dominante.
Quando os conflitos sociais agudizam-se, as classes dominantes tendem a perder
as estribeiras, os bons modos e destrambelham-se. O ódio de classes torna-se
mais forte que todas as convenções humanas, sociais, políticas.
Os exemplos disso, ao longo de nossa história recente são frequentes,
abundantes.
Lembro-me dos comentários grosseiros no “O Globo”, nas décadas de 50 e 60,
envolvendo Getúlio, Juscelino, Jango e seus familiares.
Fico imaginando o sucesso retumbante daquelas canalhices se houvesse a internet,
naqueles tempos.
Mas hoje, é diferente?
Não! Pelo contrário, com a liberdade concedida pela rede mundial de computadores
a toda sorte de idiotas, as boas maneiras, a lhaneza, a generosidade e o
respeito no relacionamento humano tornaram-se coisas do alvorecer da
civilização, tempos das cavernas, quando a nossa dependência do outro
significava sobreviver ou perecer.
A prisão de Luís Inácio Lula da Silva dá a medida do que falo. Na verdade, isso
vem de antes, bem antes, pois essas manifestações boçais contra o ex-presidente
remontam-se à sua eleição, em 2002. Ainda mais que ele substituiu no Planalto o
“príncipe dos sociólogos”, o aparatoso Fernando Henrique Cardoso que, para
orgulho dos bocós, dos colonizados, sabia até falar inglês….ou dizia que falava.
Na verdade, poucos como ele expressaram tão fortemente o preconceito das classes
dominantes e dos abestados da classe média em relação à Lula e à Marisa.
Sempre que houvesse ocasião, o sociólogo referia-se ao fato de Lula não ter
diploma universitário, não falar inglês, falar errado, não ter abotoaduras de
ouro ou rendas nos punhos, para se relacionar com chefes de Estado de outros
países.
E quando Lula triunfou nas relações externas o príncipe, morto de ciúmes, elevou
o tom do despeito.
 E a nossa gloriosa mídia comercial repastava-se, deleitava-se com as boutades
do sociólogo.
O teórico da dependência queria que o retirante nordestino, o operário
metalúrgico também se submetesse aos dominantes, como ele pretendia que fosse o
destino do nosso país.
E disso nada mais é tão simbólico do que aquela famosa foto, em que Bill Clinton
posta-se atrás de FHC, segura-lhe ombros, enquanto o presidente brasileiro
derrete-se em sorrisos.
O ex-presidente poderia ter jogado um papel importante para amortecer o ódio de
classes, o preconceito, o despeito tanto dos dominantes quanto da classe média
em relação a Lula.
Esse gesto moderador teria feito bem ao país.
Diz-se que a vaidade é o pecado preferido do diabo. E FHC cedeu à tentação. Não
apenas ele: todo um círculo de acadêmicos, de uspianos, de intelectuais e
jornalistas, supostos homens e mulheres de esquerda ou de “democratas de
centro-esquerda” emprestaram seus altos saberes para desclassificar o governo do
metalúrgico.
Poucas vezes vi tanto despeito, tanto dor de cotovelo, tanta irresponsabilidade.
A satanização de Lula e do PT começou aí.
E o que me impressiona é que o PSDB caiu uma segunda vez na tentação, na
sequência da derrota de 2014, quando, ressentido, amuado decidiu destampar a
caixa de Pandora, com as consequências que sabemos.
Agora, não adianta proclamar inocência ou se dizer “ingênuo”.
As políticas de inclusão, de promoção humana, a política do salário mínimo e dos
aumentos reais para os aposentados, a política de geração de empregos que,
tecnicamente, zerou o desemprego em nosso país, as políticas de abertura das
universidades aos filhos dos trabalhadores, a política habitacional;
 a redenção da agricultura familiar, a extensão dos benefícios da energia
elétrica e do saneamento a amplas camadas da população, essas iniciativas todas
da presidência de Luís Inácio tornaram visíveis dezenas de milhões de
brasileiros, emersos do anonimato secular da pobreza, da fome, da miséria.
E a visibilidade dessa gente nos aeroportos, nas universidades, nas lojas, nos
restaurantes, nos cinemas, nos shoppings, no trânsito das cidades provocou
urticária em nossas classes dominantes e deixou os enfatuados da classe média
incomodados, injuriados.
Mas, talvez a ocupação de assentos nos aviões pelos trabalhadores, pelos
nordestinos, pelos mais pobres tenha sido a gota d’água para a explosão da
impaciência com o Lula. A frase que mais se ouvia nos aeroportos de parte da
classe média metida à besta, pernóstica era: “Isso daqui está parecendo uma
rodoviária”.
Coisas simples, como ter carro, casa, emprego, filhos nas universidades, andar
de avião, frequentar shoppings, comer três vezes ao dia, gozar as férias
viajando ou às praias ou ao exterior passaram a ser encaradas como ofensa
pessoal ao status das classes dominantes e da pequena burguesia idiotizada.
Essa a tragédia existencial das classes médias. Elas não existiam no começo da
formação da sociedade de classes e não têm futuro garantido em uma sociedade sem
classes. Presas ao drama de nunca ascender e de estar sempre próximas de descer,
elas odeiam os pobres.
Reproduzo aqui trecho de um artigo do jornalista Mário Magalhães, de dias atrás:
“No sábado em que Lula perdeu a liberdade, uma mulher mostrou a amigas um vídeo
em que o antigo torneiro mecânico consola duas militantes que choram. A mulher
estava numa padaria da Aldeota, bairro bacana de Fortaleza. Uma amiga pilheriou:
“Tá chorando porque agora vai ter que trabalhar.
Vai acabar essa história de Bolsa Família! ”. A mesa tremeu com as gargalhadas
jubilosas. Um ouvido absoluto talvez percebesse ao fundo a voz gutural do
“cidadão de bem” Justo Veríssimo (….) (dizendo) “Odeio pobre!”.
Nesse mesmo dia sete de abril, a imprensa deu cobertura a uma festança
comemorativa à prisão de Lula promovida por notório cafetão paulistano, dono de
um famoso prostíbulo que parece não incomodar nem as senhoras de Santana e nem
os santos governadores paulistas.
Afinal, à moda dos prostíbulos de Berlim e de Roma, à época da ascensão dos
nazistas e dos fascistas, esse puteiro paulistano também é um “puteiro do bem”,
que apoia os bons costumes, combate à corrupção e o perigo comunista e defende
Lava Jato.
E deu provas disso entronizando, na falta de fuhrers e duces, enormes cartazes
com os retratos de dois ícones do poder judiciário..
E, sem que se visse qualquer reação, o gigolô – que se orgulha de suas conexões
com juízes, procuradores, policiais e políticos – chegou a prometer um mês de
cerveja de graça em seu puteiro, caso Lula fosse assassinado na prisão.
Isso não é estranho, pois sempre houve uma forte vinculação entre o submundo da
prostituição, das drogas, do rufianismo com o nazifascismo. É aquela atração
inelutável, invencível entre os moralistas e os amorais.
Como exigir, então, boas maneiras, finesse, urbanidade e polidez dessa gente?
Em verdade, não há diferença entre a reação da madame lá no bairro da Aldeota e
a chulice do dono do puteiro.
Deus meu! Até o Baile da Ilha Fiscal degradou-se no Brasil…..
Agora que os trabalhadores, os assalariados, os mais pobres estão sendo
arremessados de volta aos tormentos de onde foram resgatados, nada mais
apropriado do que criminalizar o homem que teve a ousadia de propiciar a um
matuto lá dos cafundós do Nordeste o prazer de uma viagem aérea ou de botar um
canudo nas mãos de uma filha de operários.
O homem que deu aos pobres o luxo de três refeições diárias.
Parece que a nossa burguesia, as classes que dominam a mídia, o sistema
financeiro e o governo, e se afiliam aos interesses globalistas e imperiais,
parece que elas acreditam naquela conversa furada do fim da história, da derrota
de qualquer sistema que se oponha ao capitalismo ou que tente reformá-lo.
Acreditam na cessação das contradições de classe. Acham, por exemplo, que chamar
os empregados de “colaboradores” e os capitalistas de “empreendedores”, fará com
que desapareçam, magicamente, operário e patrão, trabalho e capital.
São os artrópodes da fábula “O Escorpião e O Sapo”.
Vejam: nunca se vendeu tanta cerveja no Brasil como nos tempos do Lula e do
primeiro mandato da Dilma. O pleno emprego, a política do salário mínimo, a
correção das aposentadorias, os concursos públicos, tudo isso fez aumentar
extraordinariamente o consumo em geral, e o consumo de bebidas.
No entanto, fiéis à sua natureza escorpiana, os maiores fabricantes de cerveja
do país foram ativíssimos conspiradores conta Lula e contra Dilma. Financiaram
os movimentos e as manifestações em favor do impeachment de Dilma. E hoje montam
fundos para elegerem o presidente, deputados e senadores de sua confiança.
Da mesma forma, nunca se vendeu tanto tecido, nunca se vendeu tanta roupa de
cama, mesa e banho e tantos enxovais como na presidência de Lula e nos anos
iniciais do mandato de Dilma. Todavia, os fabricantes de tecidos, especialmente
um deles, conspiraram o tempo todo contra Lula e Dilma.
Esse fabricante de tecidos que é hoje candidato à presidência, disse que no dia
seguinte à queda de Dilma, aconteceria o espetáculo do crescimento, leite e mel
jorrariam milagrosamente.
Uma dona de uma famosa rede de lojas, que leva ao seu nome, cansou de bendizer
os anos Lula e Dilma, porque nunca vendera tanto, testemunhava. No entanto,
assim que a presidente foi apeada e começou o calvário de Lula, ela não teve
dúvidas em tripudiar sobre a desgraça dos dois.
Temos ainda aquele famoso vendedor de remédios, talvez o dono das maiores redes
de farmácias do país.
 Enriquecido porque o pobre finalmente teve acesso a remédios, não teve
escrúpulos em financiar a extrema direita na cruzada contra Lula e Dilma.
As senhoras e os senhores hão de se lembrar dele. Esteve aqui, neste plenário em
um debate sobre a reforma trabalhista e tripudiou sobre os trabalhadores
brasileiros.
Os donos da meia dúzia de bancos que monopoliza o setor financeiro do país não
ficaram atrás do cervejeiro, do tecelão, do vendedor de remédios da dona do
magazine. Mesmo que, nunca antes na história, tivessem lucrado tanto como nos
governos Lula e Dilma, montaram também no sapo para atravessar o rio.
É claro, o consumo de cerveja caiu. A venda de tecidos caiu. A vende de remédios
caiu. As vendas do magazine caíram. A compra de carros, geladeiras, televisões,
computadores, máquinas de lavar, via crediário, pagando aos bancos juros
lunares, caiu. Mas Lula e Dilma também caíram. Afundá-los era mais importante
que o crescimento do país.
No meio do caminho, os escorpiões não resistiram ao chamado de suas naturezas, e
sacrificaram o sapo. Fizeram o mal pelo bem, disseram. O mal para o povo, o bem
para os dominantes, porque mesmo perdendo eles continuam ganhando.
Agora uma advertência, um aviso de utilidade pública: Os escorpiões amarelos são
os mais venenosos.
Portanto, quando andarem por aí, pelas ruas, calçadas, praças de nossas cidades,
no vão do MASP ou em frente à FIESP, lá na Paulista, cuidado com os amarelinhos.
Como os patos, os escorpiões amarelos são perigosíssimos.
Ah, sim! As assinaturas de tv a cabo, de revistas e jornais, a compra de
revistas e jornais, desabaram.
Mas, como dizem os donos da mídia: que se me dá que o muar claudique se meu
desiderato é dar de relho, chicotá-lo?
Senhoras e senhores senadores.
Quando alguns sinais, quando alguns símbolos, quando expressões representativas
da civilização, da convivência, das relações humanas apodrecem e se esfarelam;
quando os limites da tolerância, da boa vizinhança, da cordialidade e do
respeito começam a ser ultrapassados, é preciso –independentemente das posições
políticas e simpatias ideológicas- é preciso bom senso, humildade, renúncia e
sabedoria para evitar o rompimento das pontes que ainda fazem a sociedade se
comunicar, interagir.
Claro, não se propõe diálogo com os extremistas de direita, com os fascistas que
se abrigam nesses grupelhos que os cervejeiros, os tecelões, os vendedores de
remédios, os banqueiros, e os industriais sem indústrias da FIESP financiam, à
moda dos Thiessen, dos Krupp, dos Hugo Boss, dos Farben, dos Ferdinand Porsche,
dos Agnelli, na Alemanha nazista e na Itália fascista.
Com essa gente não há interlocução.
Modus in rebus, Brasil.
 Moderação na coisa.
Sensatez. Razoabilidade. Tino. Ponderação. Cautela. Engulam os seus preconceitos
de classe. Deglutam o sapo barbudo. As lições da história estão aí. E os
bárbaros estão chegando. Quem quer pagar para ver no que vai dar?
Boas maneiras, senhoras e senhores…
Será que o povo terá “boas maneiras”, como os senhores, quando ele perceber o
que está acontecendo?
Vídeo do discurso: www. facebook .com/ robertorequiao/ videos /2183854541639884/
In
Dinâmica Global
https://dinamicaglobal.wordpress.com/2018/04/23/as-boas-maneiras-dos-donos-do-poder-difarce-ao-odio-de-classes/
23/5/2018

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