quarta-feira, 18 de abril de 2018

«No caminho» de um novo Maio de 68?


 Rémy Herrera 

Existe em França um mal-estar profundo que começa a manifestar-se na
intensificação das lutas e acções de massas. A sua origem não está apenas nas
políticas que o grande patronato dita a Macron, como antes ditava aos seus
antecessores. Vem de mais longe e vem de muitos lugares da sociedade.
Trabalhadores e desempregados, ferroviários e sem-abrigo, reformados,
pacifistas, ecologistas, antifascistas, estudantes. Um fundo rumor de cólera que
recorda 1968.


O Presidente Macron tem razão : «France is back»! Mas não a dos postais
ilustrados. A da cólera. Uma cólera que germina no fundo da sociedade francesa,
e que tem as suas razões, múltiplas. Não é necessário inventariá-las, estas
linhas seriam insuficientes para isso. Uma predomina sobre as outras: desde há
décadas, o prosseguimento continuado, obstinado, de políticas neoliberais
dilacerou o tecido social, empobreceu as classes trabalhadoras, precarizou os
empregos, comprimiu os salários, lançou massas de gente para o desemprego,
maltratou as solidariedades. Agudizou os egoísmos, glorificou abjectos valores
capitalistas, promoveu os grosseiros reflexos do consumismo, adestrou todas as
inteligências à submissão.
E queriam que o povo não reagisse ?
Nomeado por Macron, o governo actual dirigido por Édouard Philippe, alegadamente
«nem de direita nem de esquerda» (mas então de quê? De «extremo-centro» ?)
suprimiu o imposto sobre as grandes fortunas e sobrecarregou os escargos
suportados pelos assalariados e os reformados. Ofereceu subvenções astronómicas
a transnacionais que levam a cabo despedimentos, mas pressionou os orçamentos
dos serviços públicos. Cada dia dilui mais o país numa Europa anti-social,
autoritária e submetida ao hegemonismo dos EUA. Aplicando – à sua maneira: por
meio de diplomas governamentais que curto-circuitam os deputados dos seu novo
partido, En Marche!, embora estes sejam maioritários e inteiramente alinhados –
um programa ditado pelo patronato, Macron faz o anúncio de novas privatizações.
Como se o neoliberalismo não tivesse, desde há muito e em todo o lado, feito
prova do seu fracasso.
Eis porque se ouve em França o rumor da revolta.
O pano de fundo dos conflitos que se agudizam é também o de numerosas derrotas
sofridas pelo mundo do trabalho no decurso dos últimos anos. Houve, em primeiro
lugar, a luta contra a «reforma» das pensões que os sindicatos, divididos, têm
perdida desde 2010. Depois, a luta contra a «reforma» do mercado do trabalho
(«lei Macron», rebaptisada «lei El Khomeri », noma da ministra do Trabalho do
último governo Hollande), igualmente perdida no ano passado. A CGT (Confederação
Geral do Trabalho) conduziu esta batalha em defesa dos direitos e os interesses
dos trabalhadores até 2017 estar bastante adiantado. Isolada, ou quase, não
poderia tê-la vencido; tanto mais que nem todos os seus dirigentes são
combativos. E houve ainda que resistir à repressão das lutas, à «criminalização»
das acções sindicais: na Goodyear (por «sequestro de quadros» da empresa), na
Air France (no processo dito das «camisas rasgadas»), na Peugeot, na construção
civil e em tantos outros lugares em que militantes em luta foram objecto de
discriminação – e por vezes condenados a prisão prorrogável.
Eis porque se intensificam as lutas.
Estas lutas são, de momento, dispersas. Greves dos ferroviários (actualmente de
dois dias em cada cinco até Junho), do pessoal do Carrefour (13 de Abril), da
Air France (30 de Março), da educação e da investigação (10 de Março), dos
serviços médico-sociais da função pública territorial (14 de Fevereiro), dos
hospitais (31 de Janeiro), nos estabelecimentos acolhendo pessoas idosas (30 de
Janeiro), dos correios (9 de Janeiro), mas também dos organismos sociais, dos
electricistas e do gás, na Méteo-France, em sectores químico-petrolíferos, da
função pública… Houve mesmo greves inéditas de trabalhadores precarizados como
os dos fastfoods e dos salões de cabeleireiro afro…E ainda, em sequência
aleatória, desempregados, sem-abrigo, sem-papéis, militantes associativos,
reformados, pacifistas, antifascistas, ecologistas, etc. protestaram também. Em
toda a França, no passado dia 22 de Março, mais de meio milhão de manifestantes
veio à rua para uma grande jornada da acção contra as «reformas Macron».
Há semanas que os estudantes se mobilizam. Muitos deles opõem-se ao «plano»
educativo do governo (generalizando nomeadamente a selecção para a entrada na
universidade) e bloqueiam totalmente numerosos centros universitários, em
particular em Paris 1 (Tolbiac), Paris 8 (Saint-Denis), Montpellier,
Toulouse…Resposta das autoridades à mobilização estudantil? O envio da polícia
de choque, a 9 de Abril, para agredir à bastonada os jovens rebeldes no campus
de Nanterre! Precisamente no local onde eclodiu a revolta de Maio de 1968…No
frontão de uma destas universidades ocupadas pode ler-se este pano: «Em Maio de
68 tiveram medo? Em 2018 vamos fazer pior!»…

In
O DIARIO.INFO
https://www.odiario.info/no-caminho-de-um-novo-maio/
18/4/2018

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