quarta-feira, 25 de abril de 2018

No dia do Índio, a festa é Agro: entenda a disputa entre indígenas e ruralistas


Sputnik

No aniversário de 75 anos da criação do dia do Índio no Brasil, os povos
indígenas seguem sob um processo de resistência. Com o avanço dos acordos de
Michel Temer com os ruralistas, a Sputnik Brasil explica o que esperar da
situação indígena no país.

"Desde o começo os povos indígenas entendem que o atual governo brasileiro é um
governo golpista, que não tem legitimidade nenhuma para propor qualquer tipo de
reforma ou qualquer tipo de política pública que vise retirar os direitos, não
só dos povos indígenas, mas de toda uma coletividade", afirmou em entrevista à
Sputnik Brasil o advogado e indígena Luiz Eloy Terena, um dos assessores do
Associação Nacional dos Povos Indígenas, a APIB.
Luiz é um dos organizadores do Acampamento Terra Livre, que levará milhares de
lideranças indígenas para Brasília pelo 15º ano consecutivo com o objetivo de
cobrar as autoridades pela garantia dos direitos dos povos indígenas.
Assim como aconteceu em 2017, esse ano o Acampamento Terra Livre será organizado
com atividades na Esplanada dos Ministérios, entre os dias 23 e 27 de abril.
Para o acampamento, são esperadas lideranças dos povos indígenas e ativistas que
defendem os direitos desse grupo. A ideia é levar adiante as pautas e
reivindicações indígenas. Entre elas, a busca por políticas de Saúde e o
protesto contra empreendimentos que ameaçam os territórios indígenas, como
atividades de mineração.
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vencedores
"Além de ter a plenária instalada na Esplanada dos Ministérios, as lideranças
vão estar visitando também os ministérios, o Congresso Nacional, a AGU e o
gabinete dos Ministros do STF, porque nós temos ali alguns processos que são
importantes para o movimento indígena e que a qualquer momento pode ser pautado
pelo STF. Então as lideranças vão estar fazendo essa incidência política no
poder Judiciário, além do Executivo e do Legislativo", antecipa Luiz Eloy à
reportagem.
Entre as principais bandeiras levantadas pelo movimento indígena brasileiro,
segue a demarcação de terras indígenas, que desde o ano passado está com seus
processos completamente paralisados, ao mesmo tempo que cresce a violência no
campo. Esse será o principal tema no acampamento de 2018, um movimento de
protesto que já existe há 15 anos.
"Esse ano o Acampamento Terra Livre espera aproximadamente 4 mil lideranças
indígenas. O tema é ‘Unificar a luta em torno de um Brasil indígena'. As
comunidades vão estar trazendo as suas demandas. A principal delas é a
demarcação das terras indígenas".
Se em 2017, as lideranças foram recebidas com gás lacrimogêneo na capital do
país, este ano as expectativas também não são das melhores. Com o prosseguimento
da crise política, a violência no campo novamente bateu recordes, e entre as
principais vítimas assassinadas, seguem estando os indígenas.
No dia do Índio, os avanços da bancada ruralista lembram a História
Em 1997, as ruas de Brasília se acenderam de forma funesta. O fogo vinha de cima
sobre o corpo do líder Pataxó Galdino Jesus dos Santos. Os assassinos, 5 homens
de classe média, disseram à imprensa da época que se tratava de "uma
brincadeira". Eles teriam pensado que "era apenas um mendigo".
O caso infeliz ganhou fama, e segue na memória popular brasileira como um
exemplo de crueldade com a população indígena. O crime aconteceu na madrugada de
20 abril, dia seguinte ao dia do Índio.

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A data foi criada em 1943 pelo governo do presidente Getúlio Vargas através do
decreto-Lei 5540/43 como forma de homenagear a herança histórica indígena no
Brasil. Várias obras, como "O Povo Brasileiro", de Darcy Ribeiro, afirmam que a
população indígena era maior que a população portuguesa no momento em que os
lusitanos pisaram pela primeira vez na terra brasilis, e atestam sua fundamental
importância para a cultura do país.
Após o massacre da colonização e o início da miscigenação, centenas de povos
autóctones sobreviveram ao Brasil, e hoje vivem sob proteção constitucional, com
direitos garantidos a terras tradicionais, como disposto no capítulo VIII,
artigos 231 e 232 da Carta Magna, com direitos como a demarcação de terras
"tradicionalmente ocupadas". Pelo menos, é o que deveria estar acontecendo.
Em 2017, o governo federal assinou parecer da Advocacia Geral da União (AGU)
para apoiar os ruralistas e suas pautas. No total, a AGU, apontou a paralisação
de 748 processos de demarcação de terras que estavam em andamento no país.
Temer, assim, mudou o entendimento da Constituição Federal, apontando que as
terras indígenas seriam direito destes povos apenas se eles já as ocupavam em
1988, assumindo a proposta de Marco Temporal da AGU. Esse entendimento tem apoio
de parte dos ministros do STF. O parecer seria parte da negociação feita pelo
Congresso para barrar denúncias contra o presidente, ainda em 2017.
"Isso é uma coisa que está clara para todas as lideranças indígenas do Brasil.
Nós sabemos que hoje no Brasil a principal pauta, a principal luta do movimento
indígena é pela demarcação dos territórios tradicionais. E nos governos
anteriores, nós já tínhamos uma desaceleração do processo de demarcação de
terras indígenas, um enfraquecimento sistemático da FUNAI, que é o órgão oficial
do Estado brasileiro que trata da política indigenista, e no governo Temer nós
tivemos isso de forma mais clara", afirma Luiz Eloy Terena.
O advogado indígena aponta que a situação não é apenas de paralisação, mas de
reversão de algumas demarcações. "Primeiro que no que diz respeito aos processos
demarcatórios, nós temos agora uma total paralisação dos processos. Além de
paralisação, quer dizer, não demarcar nenhum território, nós estamos vendo
acontecer a reabertura de procedimentos que estavam já consolidados, e até mesmo
a anulação de terras já demarcadas e consolidadas, como foi o caso da terra
indígena em São Paulo, dos Guarani no Jaraguá".

Durante o Acampamento Terra Livre de 2017, indígenas são reprimidos com gás
lacrimogêneo em Brasília.
Segundo um relatório de 2016 da Organização das Nações Unidas (ONU), os povos
Indígenas brasileiros sofrem os maior risco desde a assinatura da Constituição
de 1988, o que mostra que problema vinha de antes, e que vem se aprofundando.
"Além disso, nós estamos observando como a bancada ruralista está se apropriando
da FUNAI, o órgão que deveria defender o direito dos povos indígenas. Tudo isso
sob uma moeda de troca. O Michel Temer para se manter no poder necessitava dos
votos da bancada ruralista e com isso ele usou os direitos dos povos indígenas
como moeda de troca. Então isso está bem claro para nós", reflete o advogado
Terena.
"Essas pessoas sentem mais liberdade para eliminar lideranças que estão lutando
pelo direito à terra"
Na terça-feira (18), um relatório divulgado pela Comissão Pastoral da Terra
(CPT), mostrou um levantamento assustados. Segundo a organização, 2017 foi o ano
mais violento contra as populações do campo desde 2003, o que inclui populações
indígenas. Além dos 70 mortos ao longo do ano, contra 63 do ano anterior, a
organização suspeita de mais um massacre de 10 indígenas isolados no Vale do
Javari, no Amazonas.
Para a Comissão, esse quadro caracteriza uma criminalização dos movimentos
sociais.
"Eu concordo com a CPT. Há uma criminalização dos movimentos indígenas, dos
sem-terra, dos quilombolas, dos povos tradicionais. E essa criminalização, ela é
permanente o processo se intensificou com o golpe, que destituiu o governo
Dilma", apontou Bernardo Mançano Fernandes em entrevista à Sputnik Brasil.
Bernardo é geógrafo e pesquisador da Universidade Estadual Paulista, a UNESP, e
trabalha há mais de duas décadas analisando a situação dos povos do campo no
Brasil.

Um indígena mira seu arco no ar durante protesto em frente ao Congresso
Nacional.
Bernardo Fernandes lembra que a situação já foi muito mais grave durante a
Ditadura, em que milhares de indígenas forma mortos durante esse período. A
situação depois atingiu outros picos durantes os governos Collor e Sarney. Em
1987, lembra o professor, o número de morto foi de 160.
Para ele, a situação continuava grave, mas melhorando. No entanto, o quadro
político do país após o golpe de 2016 deu um empurrão na violência contra os
povos do campo, segundo o professor.
"Os latifundiários que sempre tiveram uma prática assassina de mandar matar
trabalhadores sem-terra, indígenas e quilombolas para poder se apropriar das
suas terras, dos seus territórios, eles agora estão mais ousados", afirma o
professor Bernardo. Para ele, o governo Temer tem "financiado muitas das
demandas e das políticas da classe ruralista", o que teria influência na
violência no campo, pois "essas pessoas sentem mais liberdade para eliminar
lideranças que estão lutando pelo direito à terra", disse.
Uma das formas desse incentivo que a parceria de Temer com os ruralistas teria
assumido, é justamente criar um impasse para o não reconhecimento de terras
indígenas através da medidas governamentais.
Em 2017, por exemplo, Temer não criou nenhum assentamento para a reforma
agrária, revertendo os avanços na área de forma inédita e brusca. Informações do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mostram que pela
primeira vez desde 1995, nenhuma família foi assentada, o que seria um desejo
antigo de latifundiários e ruralistas.
Mas afinal, o que é a demarcação de terras e por que os ruralistas são contra?
Segundo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), órgão estatal responsável pela
política, gestão e pesquisa sobre os povos indígenas do Brasil, as áreas
demarcadas, ou Terras Indígenas, são áreas de propriedade da União que seriam
habitadas pelos povos indígenas para sua reprodução física e cultural segundo
seus usos, costumes e tradições. Segundo o órgão, 462 dessas terras já estariam
ocupadas no país. Essa, portanto, seria uma forma diferente de posse, que não
deveria se confundir com a propriedade privada.
"E nós temos também que os povos indígenas estão reivindicando seu territórios
tradicionais. Então não se trata de qualquer pedaço de terra, de um espaço
físico. Então não adianta propor, por exemplo, transferir os Guarani-Kaiowá de
Mato Grosso do Sul para terras nos Amazonas, em outros territórios. Porque não é
isso, os povos indígenas estão reivindicando seus territórios tradicionais, o
que é justamente de onde vem sua origem, sua tradicionalidade", afirma Luiz Eloy
Terena, da APIB.
Porém, grupos políticos como a Frente Parlamentar da Agropecuária, a bancada dos
ruralistas, a maior bancada do Congresso Nacional, com pelos menos 162
deputados, advoga que essas terras não são produtivas, e pretendem mudar o
entendimento constitucional sobre o assunto.
Polícia guarda Supremo Tribunal Federal (STF) diante de protesto indígena que
pede demarcação de terras.
"Cada vez mais, eles tentam ganhar o apoio popular, o apoio da população, com o
argumento de que esses povos têm muita terra e não são produtivos. Eles tentam
fazer uma comparação com as grandes corporações que produzem monocultivos de
soja, cana, monocultivo de árvores, e tentam dizer que essas terras precisam ser
tornadas produtivas", lembra o pesquisador Bernardo Mançano Fernandes, que
continua: "E aí eles impedem que a população compreenda que as terras desses
povos, elas têm outra finalidade, elas não são terras para a produção de
commodities, elas são terras para a produção da vida".
O advogado Luiz Eloy Terena, da APIB, também desmonta a tese ruralista. "Na
verdade isso é uma falácia da bancada ruralista em nome de um suposto
desenvolvimento. Pegamos, por exemplo, o estado do Mato Grosso do Sul, em que
nós temos uma presença muito forte do Agronegócio e é um estado em que nós temos
muitos conflitos também por questão da demarcação das terras indígenas. Se hoje
a FUNAI demarcasse todas as terras reivindicadas pelos Guarani-Kaiowá e pelos
Terena, por exemplo, daquele estado, não chegaria nem a 2% de todo o território
daquele estado. E isso se revela na maioria dos estados da federação
brasileira", argumenta o advogado.
O que é o Marco Temporal que os ruralistas querem impor às Terras Indígenas?
A tese  do Marco Temporal, que foi construída pelos ruralistas, é uma tese que
afirma que os índios só teriam direito às terras que eles já estivessem ocupando
no dia 5 de outubro de 1988, que é a data em que foi promulgada a Constituição.
Luiz Eloy Terena discorda dessa avaliação. "Nós sabemos que isso não está no
texto constitucional, muito pelo contrário. A Constituição quando vem e
reconhece esses direitos que ela chamou de direito originário, ela não traz
nenhum tipo de requisito temporal e não traz essa restrição, pelo contrário, ela
traz um direito originário".
Para o advogado, essa tese não leva em conta sequer o período histórico
brasileiro em que se assentaria o Marco Temporal. A data de assinatura da última
constituição federal, ocorre pouco tempo depois da Ditadura Militar, período
considerado de grande repressão no campo, devido às políticas adotadas pelo
governo para a proteção e a unidade do território nacional.
"Então essa interpretação de alguns juízes e até alguns Ministros do STF é uma
tese que restringe direitos, porque nós sabemos que muitas comunidades indígenas
não estavam em suas terras no dia 5 de outubro de 1988 justamente porque foram
despojadas de seus territórios. Aliás, a gente estava acabando de sair de um
período da ditadura militar. E nós sabemos quantas comunidades foram despojadas,
ou seja, expulsas de seus territórios, em grande maioria pelo braço estatal.
Quem deveria proteger essas comunidades, retirou essas comunidades", lembra Luiz
Eloy.
A ideia de controle sobre as vastas áreas do país passava pela identidade e pelo
sentimento nacionalista, ao qual identidades como a indígena e a negra eram
consideradas ameaças. O censo de 1970, por exemplo, não apresentava opções de
cor ou raça para as pessoas, o que se repetiu durantes diversos recenseamentos
ao longo desse período.
Qual é a importância da FUNAI nisso tudo?
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) nasceu durante a Ditadura Militar, em 1967
e é o principal órgão indigenista do Estado brasileiro. Ela tem como papel a
pesquisa, "a identificação, a delimitação, a demarcação, regularização fundiária
e registro das terras indígenas".
Segundo o advogado Terena, Luiz Eloy, atualmente o movimento indígena defende a
FUNAI, que já foi criticada por sua atuação. Para ele, uma FUNAI fraca econômica
e politicamente, afeta a vida dos povos indígenas, principalmente no que tange à
sua pauta principal, que é a demarcação de terras. No entanto, o movimento
indígena é crítico da forma a FUNAI atua agora. Segundo ele, há em curso um
"aparelhamento" da FUNAI, com pessoas indicadas pela bancada ruralista para
defender seus interesses.
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"O exemplo claro nós tivemos no ano passado, quando o presidente Toninho foi
exonerado porque não seguiu a cartilha da bancada ruralista, e nós estamos vendo
isso acontecer novamente de forma explícita com o presidente Franklimberg, como
foi noticiado ontem, e nós tivemos acesso ao documento encaminhado pela bancada
ruralista, em que mais de 200 parlamentares assinam pedindo a exoneração dele, e
indicando uma outra pessoa que é mais aberta aos interesses da bancada
ruralista", afirma Luiz Eloy.
Ainda na terça-feira (17), o presidente Michel Temer decidiu exonerar o
presidente da FUNAI, Franklimberg Ribeiro de Freitas. Segundo o jornal Estado de
São Paulo, 40 deputados e senadores teriam pedido a demissão de Franklimberg
pelo fato de que ele "não tem colaborado com o setor".
Para o advogado, essa situação é uma clara evidência de que Michel Temer teria
negociado os direitos indígenas em troca de votos e apoio da bancada ruralista.
Luiz acredita que para além da FUNAI, a mesma situação esteja se repetindo na
Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).
Quais as perspectivas dos povos indígenas para os próximos anos?
A forte pressão, a enorme violência e o estreitamento do horizonte político no
Brasil fazem com que o professor e pesquisador da UNESP, Bernardo Mançano
Fernandes tenha uma perspectiva pessimista sobre o futuro próximo.
"Olha, a perspectiva que nós temos hoje é a pior possível, porque as forças
conservadoras estão crescendo cada vez mais. As forças progressistas estão em
refluxo. E o que eu estou vendo é o aumento da resistência dessa população
[indígena], só isso. Nós não temos hoje no cenário político, uma perspectiva de
mudança dessa tendência violenta", aponta. Para ele, o quadro no Brasil chega ao
ponto do genocídio rural e urbano, o que segundo o professor, deve ser
denunciado o máximo possível nas redes sociais, uma mídia alternativa e
acessível.
"[Isso] está representado no assassinato da Marielle, que está representado no
assassinato de tantos jovens nas áreas rurais brasileiras e nas áreas urbanas
brasileiras, jovens lideranças, jovens que estão lutando contra esse processo de
genocídio, esse processo de criminalização. Nós estamos vivendo uma verdadeira
guerra no nosso país, e é fundamental que as pessoas tenham o bom senso de ser
contra esse processo", conclui.
O advogado indígena Luiz Eloy, também aponta uma direção de luta e denúncia.
Apesar de enxergar as dificuldades, ele mantém o otimismo em relação à
resistência. "Isso para nós é claro. É continuar resistindo, seja no campo ou na
cidade, porque nós também temos populações indígenas já no contexto urbano. E os
povos indígenas têm se organizado, através do movimento para estar pautando as
suas demandas", aponta.
Luiz Eloy convida para os debates do Acampamento Terra Livre, e aponta que os
indígenas se manterão firmes na defesa dos direitos: "Então […] um dos temas que
vai ser debatido também pelas lideranças indígenas é pensar o Brasil a partir de
tudo isso que está acontecendo, de violações de direitos e de garantias
fundamentais, e lutar pelas liberdades democráticas. Aqueles direitos que estão
na Constituição, os povos indígenas sempre tiveram o compromisso de defender,
então isso a gente vai continuar fazendo".
In
SPUTNIK
https://br.sputniknews.com/sputnik_explica/2018041911027802-indios-indigenas-bancada-ruralista-brasil-michel-temer-STF/
19/4/2018

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