quarta-feira, 18 de novembro de 2020

O RCEP salta sobre as Novas Estradas da Seda


 
 
*por Pepe Escobar [*]

Países da RCEP. Ho Chi Minh, na sua morada eterna, estará a saborear
isto com um sorriso celestial. O Vietname foi o hospedeiro – virtual –
quando as 10 nações da ASEAN, mais a China, Japão, Coreia do Sul,
Austrália e Nova Zelândia, assinaram a Parceria Económica Regional
Abrangente (Regional Comprehensive Economic Partnership, RCEP
<https://en.wikipedia.org/wiki/Regional_Comprehensive_Economic_Partnership>
) no último dia da 37ª Cimeira da ASEAN.

O RCEP, cuja preparação levou oito anos, reúne em conjunto 30% da
economia global e 2,2 mil milhões de pessoas. É o primeiro marco
auspicioso dos Devastadores Anos Vinte /(Raging Twenties), / os quais
começaram com um assassinato (do Gen. Soleimani, do Irão) seguido por
uma pandemia global e agora por intimidações agourentas de um suspeito
Grande Reinício /(Great Reset). /

O RCEP define o Leste da Ásia como o eixo primário indisputado da
geoeconomia. O Século Asiático de facto já estava em elaboração desde a
década de 1990. Entre os asiáticos, e os ocidentais que o identificaram,
está o meu livro /21st: The Asian Century / publicado em 1997 (excertos
aqui
<https://books.google.com.br/books?id=b5kFKQ12hPsC&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false>
.)

O RCEP pode forçar o ocidente a fazer algum trabalho de casa e
compreender que a narrativa principal não é que o RCEP "exclui os EUA"
ou que é "concebido pela China". O RCEP é um acordo vasto de todo o
Leste da Ásia, iniciado pela ASEAN e debatido entre iguais desde 2012,
inclusive pelo Japão, o qual para todos os propósitos práticos se
posiciona como parte do Norte Global industrializado. Este é o primeiro
acordo comercial desde sempre que une as potências económicas asiáticas,
China, Japão e Coreia do Sul.

Por agora está claro, finalmente em vastas faixas da Ásia do Leste, que
os 20 capítulos do RCEP <https://rcepsec.org/legal-text/> reduzirão
tarifas de cabo a rabo; simplificarão alfândegas, com pelo menos 65% dos
sectores de serviços abertos plenamente, com limites acrescidos de
participação accionista estrangeira; solidificação de cadeias de
abastecimento ao privilegiar regras comuns de origem; e codificação de
novas regulações de comércio electrónico.

Quando se chega aos pormenores, as empresas estarão a poupar e serão
capazes de exportar para qualquer lugar dentro do espectro das 15 nações
sem se incomodarem com exigências extras e separadas de cada nação. Isto
é acima de tudo um mercado integrado.

*Quando o RCEP encontra-se com a BRI *

O mesmo disco riscado estará a tocar sem parar que o RCEP facilitar as
"ambições geopolíticas" da China. Esta não é a questão. A questão é que
o RCEP evoluiu como um companheiro natural para o papel da China como o
principal parceiro comercial de virtualmente todo actor do Leste Asiático.

O que nos traz para o ângulo geopolítico e geoeconómico chave: o RCEP é
um companheiro natural para a Belt and Road Initiative (BRI), a qual
como uma estratégia de desenvolvimento comercial sustentável estende-se
não só ao Leste da Ásia mas aprofunda-se na Ásia Central e Ocidental.

A análise do /Global Times/
<https://www.globaltimes.cn/content/1206886.shtml> é correcta: o
ocidente não cessou de distorcer a BRI, sem reconhecer como "a
iniciativa que eles têm estado a difamar é realmente é realmente popular
na vasta maioria de países ao longo da rota BRI".

O RCEP recentrará a BRI – cuja etapa de "implementação", de acordo com o
calendário oficial, começa apenas em 2021. O baixo custo do
financiamento e os empréstimos especiais em divisas oferecidos pelo
Banco de Desenvolvimento da China tornar-se-ão muito mais selectivos.

Haverá um bocado de ênfase na Saúde da Estrada da Seda – especialmente
através do Sudeste da Ásia. Projectos estratégicos serão a prioridade:
eles giram em torno do desenvolvimento de uma rede de corredores
económicos, zonas logísticas, centros financeiros, redes 5G, portos
marítimos chave e, especialmente a curto e médio prazo, alta tecnologia
relacionada com a saúde pública

As discussões que levaram ao texto final do RCEP foram centradas sobre
um mecanismo de integração que possa facilmente contornar a OMC no caso
de Washington persistir em sabotá-lo, como aconteceu durante a
administração Trump.

O próximo passo poderia ser a constituição de um bloco económico ainda
mais forte do que a UE – uma possibilidade não absurda quando temos a
China, Japão, Coreia do Sul e 10 países da ASEAN a trabalharem em
conjunto. Geopoliticamente, o incentivo principal, para além de um
conjunto de compromissos financeiros imperativos, seria solidificar algo
como Faça Comércio, Não Guerra (Make Trade, Not War).

O RCEP assinala o fracasso irremediável do TPP da era Obama, o qual era
o braço da "NATO no comércio" do "eixo da Ásia" inventado no
Departamento de Estado. Trump sucateou o TPP em 2017. O TPP não era
acerca de um "contrapeso" para o primado comercial da China na Ásia: era
acerca de uma liberdade para todas as super-abrangentes 600 companhias
multinacionais que estiveram envolvidas na sua redacção. O Japão e a
Malásia, especialmente, viram esta concepção desde o começo.

O RCEP inevitavelmente também assinala o fracasso irremediável da
falácia da desconexão /(decoupling), / bem como de todas as tentativas
para por uma pedra entre a China e seus parceiros do Leste Asiático.
Todos estes actores asiáticos agora privilegiarão o comércio entre si
mesmos. O comércio com nações não asiáticas será uma ideia posterior. E
toda economia ASEAN dará total prioridade à China.

Ainda assim, as multinacionais americanas não serão isoladas pois elas
serão capazes de lucrar com o RCEP através das suas subsidiárias dentro
dos 15 países membros.

*E a Grande Eurásia? *

E depois há a proverbial confusão indiana. A interpretação oficial de
Nova Delhi é que o RCEP "afectaria a subsistência" de indianos
vulneráveis. Isso é código para uma invasão extra de produtos chineses
baratos e eficientes.

A Índia fez parte das negociações do RCEP desde o início. Retirar-se –
com a condição de que "podemos aderir mais tarde" – é mais uma vez um
caso espectacular de esfaquearem-se nas costas. O facto é que os
fanáticos da Hindutva por detrás do Modi-ismo apostaram no cavalo
errado: a estratégia da parceria Quad promovida pelos EUA, juntamente
com a estratégia Indo-Pacifico, a qual significa contenção da China e
portanto impede o estreitamento de laços comerciais.

Nenhum "Make in India" irá compensar o erro geoeconómico e diplomático –
o qual implica crucialmente que a Índia se distancie do Asean 10. A RCEP
consolida a China, não a Índia, como o motor indiscutível do crescimento
da Ásia Oriental em meio ao reposicionamento das cadeias de
abastecimento pós-Covid.

Um seguimento geoeconómico muito interessante é o que fará a Rússia. De
momento, a prioridade de Moscovo envolve uma luta de Sísifo: gerir o
turbulento relacionamento com a Alemanha, o maior parceiro russo de
importações.

Mas há a parceria estratégica Rússia-China – a qual deveria ser
economicamente reforçada. O conceito de Moscovo de Grande Eurásia
envolve um envolvimento mais profundo tanto do Leste como do Oeste,
incluindo a expansão da União Económica Eurasiática (Eurasia Economic
Union, EAEU), que tem, por exemplo, acordos de comércio livre com nações
da ASEAN como o Vietname.

A Organização de Cooperação de Xangai (SCO) não é um mecanismo
geoeconómico. Mas é intrigante ver o que o Presidente Xi Jinping disse
no seu discurso de abertura no Conselho de Chefes de Estado da SCO
<https://www.youtube.com/watch?v=c2OcguZGF_M> , na semana passada.

Esta é a citação chave de Xi: "Devemos apoiar firmemente os países
relevantes para avançarem suavemente as principais agendas políticas
internas de acordo com a lei; manter a segurança política e a
estabilidade social e oporem-se resolutamente à interferência de forças
externas nos assuntos internos dos estados membros sob qualquer pretexto".

Aparentemente, isto nada tem a ver com a RCEP. Mas há alguns
cruzamentos. Nenhuma interferência de "forças externas". Pequim a tomar
em consideração as necessidades de vacina Covid-19 dos membros da SCO –
e isto poderia ser estendido à RCEP. A SCO – assim como a RCEP – como
uma plataforma multilateral para os estados membros mediarem as disputas.

Todos os pontos acima mencionados apontam para o entrecruzamento do BRI,
EAEU, SCO, RCEP, BRICS+ e AIIB, o que se traduz como uma integração mais
próxima da Ásia – e da Eurásia – geoeconomicamente e geopoliticamente.
Enquanto os cães da distopia ladram, a caravana asiática – e
euro-asiática – continua a avançar.

16/Novembro/2020

*[*] Jornalista.

O original encontra-se no /Asia Times/
<https://asiatimes.com/2020/11/rcep-set-to-supercharge-the-new-silk-roads/>
e em thesaker.is/rcep-hops-on-the-new-silk-roads/
<http://thesaker.is/rcep-hops-on-the-new-silk-roads/> *

In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/p_escobar/rcep_16nov20.html
16/11/2020

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