segunda-feira, 27 de julho de 2015

A Escola Semente da Conquista e a Pedagogia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)



Neusa Maria Dal Ri
Candido Giraldez Vieitez

A Escola Estadual Semente da Conquista (ESC) está situada no município de Abelardo Luz, Santa Catarina. Seu nome exprime metaforicamente a importância que os movimentos sociais do campo atribuem à educação, notadamente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Em fins de maio procedemos à coleta de dados empíricos na escola realizando entrevistas e observações. A ESC faz parte da amostra de escolas de um projeto de pesquisa financiado pelo CNPq, cujo propósito é o de ampliar e aprofundar os conhecimentos disponíveis sobre as ações educativas escolares do MST (1).
A Semente da Conquista é uma escola pública estadual de ensino médio, do Estado de Santa Catarina (2), e encontra-se situada no Assentamento 25 de maio. Este foi um dos primeiros assentamentos da reforma agrária que surgiu em decorrência das lutas pela terra encetadas pelo MST e outras organizações desde os anos de 1980. O assentamento foi formado por famílias oriundas de acampamento ligado ao MST. Nos dias atuais, a composição sócio-política do assentado é heterogênea, com pelo menos 20% de famílias que não são ligadas ao MST.
Segue uma visão sucinta que trata de observar, sobretudo, a influência da pedagogia do MST na escola, bem como alguns dos fatores que possibilitam sua implementação nessa unidade escolar.

1. O acesso à escola
Para quem se encontra na cidade de Abelardo Luz, o acesso à escola dá-se por uma estrada de terra que deixa para trás a pequena cidade com sua bonita quedas de água no rio Chapecó. A estrada encontra-se razoavelmente cuidada. Na presença de chuva, porém, o tráfego de carros de passeio fica em risco nos aclives mais acentuados, enquanto que os veículos pesados são temporariamente retidos. Por todo o trajeto e até onde a vista alcança a terra encontra-se cultivada.
Percorridos mais de 30 quilômetros chega-se à agrovila do Assentamento 25 de maio. Casas e outras edificações estão dispostas a cada lado do eixo formado pela estrada sem muita preocupação geométrica. Aí se encontra a Escola Semente da Conquista. Na agrovila do assentamento também há uma Escola Municipal de Ensino Fundamental e uma Escola da APAE. Além das residências chamam atenção uma igreja, um salão de reuniões, um armazém (vendinha), um ginásio esportivo e o pavilhão da Cooperativa Terra Viva (uma das filiais), ligada ao MST, dentre outras edificações. A instalação, relativamente nova da Semente da Conquista, apresenta um traço que parece ser bem característico das escolas do campo. A edificação contempla tão somente o que podemos denominar de o mínimo vital das necessidades funcionais de uma escola. Porém, também chama a atenção o fato da escola ser totalmente aberta, sem portões e/ou grades, com acesso imediato e direto para os estudantes e membros da comunidade.
2. Origem do assentamento: o acampamento dos anos 1980.
O acampamento é a forma de luta mais importante adotada pelo MST em prol da reforma agrária. Para se viver na precariedade de um acampamento é necessário ter determinação férrea. Loreni (2015), hoje assentada, mãe de aluna da ESC e também professora da Escola da APAE do assentamento, disse em entrevista que quando criança viveu no acampamento que originou o assentamento. Eis um fragmento de suas memórias dessa época.
Éramos arrendatários, família pobre, sem terra, uma família de sete pessoas. Meu pai conheceu o MST pela Igreja, pelo Centro Pastoral da Terra e pelo sindicato. Num dado momento resolveu acampar para lutar pela terra. Preparou a viagem. E nós, crianças, não sabíamos aonde íamos. Os capangas da fazenda colocaram fogo na ponte [de acesso às terras] e os pistoleiros, para impedir a passagem. As mulheres apagaram o fogo na ponte e fomos para o acampamento. Ficamos uns oito meses. Dali fomos para outro acampamento, em Faxinal dos Guedes. Fomos para uma área provisória. Ficamos um ano e pouco acampados. Eu lembro que chorei bastante no primeiro dia. A nossa casa, onde antes morávamos, tinha assoalho e tudo. No acampamento passei neve, passei frio. De noite tinha que chacoalhar a lona por causa da neve.
À noite chorava, chorava a noite inteira. Meus irmãos também choravam. De dia o pessoal cantava e a gente se animava.
No acampamento tinha quatro grupos. Estávamos no grupo 1. Cada grupo construiu sua Igreja, o lugar da assembleia, o lugar da alimentação e dos remédios, alimentação e vestuário, segurança. Uns dormiam de dia e outros cuidavam, vigiavam à noite em turnos por causa dos capangas. Na assembleia chamava todo mundo e tomava decisões unânimes. Construía os barracos e via a questão da água e dos banheiros em primeiro lugar. Depois tinha uma escolinha itinerante de formação, para contar o que estava fazendo ali. Em Faxinal [o acampamento] era tudo organizado de forma coletiva. Os que saiam para trabalhar tinham que dividir também. Mas, não trabalhamos muito nessa época. Vivíamos um pouco do trabalho e das doações de outros assentamentos, das igrejas. O Incra dava uma cesta básica. Tinham um controle da cesta básica. [a organização no acampamento fazia esse controle]: óleo, farinha, feijão, o básico. Todo mundo era do MST.

O assentamento 25 de maio onde está situada a ESC, como indicamos, é um dentre outros vinte e três assentamentos que ficam na área (vários são do MST), com outras designações, que são mais ou menos contíguos ao 25 de maio. A ESC atende todos os assentamentos, e segundo seu diretor (2015) as vagas ofertadas pela escola não são suficientes para atender a todas as comunidades dos assentamentos.

3. A escola
A escola dispõe ao todo de uns 300 ms2, mas o terreno livre é irrisório. Não há espaço desportivo ou de lazer.
Há três salas de aula, uma minúscula biblioteca acoplada à sala do diretor que funciona também como secretaria, laboratório de informática, sala de atendimento para crianças excepcionais que atende alunos do município, uma cozinha que o Estado terceirizou, lavanderia e dois banheiros utilizados conjuntamente por professores e alunos.
Frequentam a escola aproximadamente 110 estudantes distribuídos basicamente por três turmas, uma no período da manhã e duas à tarde. A média de alunos por turma é de 25, exceto no primeiro ano. Nesta série é comum a presença de 40 alunos ou mais, enquanto que pela lei deveriam ser no máximo 30 alunos por sala.
Os alunos
Os alunos da escola são provenientes dos assentamentos mencionados.
Segundo os vários indicadores apurados os alunos apreciam a escola. Eis como as alunas Andrieli (2015) e Tailine (2015), e o aluno Diemar (2015), se referem respectivamente à escola em entrevista concedida aos pesquisadores.
“Gosto [da escola] porque é perto de minha casa. Foi uma conquista da ocupação. Está sempre aberta para a gente. É uma turma de bons professores”.
“[Gosto] por ser perto de casa. Foi uma conquista do assentamento. Faz pouco tempo que conseguimos esta escola. Tem uns dez anos aqui. Gosto, sobretudo, por ter sido uma conquista do assentamento”.
“[...] é perto de casa. Foi uma conquista do assentamento. Batalhamos muito para isso. Tem um conjunto de professores, de pais que levam a escola a sério”.
Tailine (2015), que estudou em escola pública na cidade, faz a seguinte apreciação comparativa.
Fui morar com minha irmã na cidade. Lá é tudo diferente. As pessoas são diferentes. Aqui a gente pode falar com o diretor, com os professores. Lá não havia essa possibilidade. Lá eu não tinha muita voz. Aqui eu tenho. Há uma auto-avaliação. Avalia o diretor, os funcionários e os professores.

Dessas apreciações não se deve deduzir que as relações sociais na escola sejam idílicas, nem tampouco que os alunos sejam inveterados entusiastas do estudo. No entanto, de acordo com os depoimentos, têm uma mentalidade crítica, a maioria vê o MST de modo positivo e são militantes e em geral são interessados em participar das várias atividades escolares.

Os professores
A escola conta com 16 professores a maioria dos quais com jornada de trabalho parcial, dependendo da disciplina ministrada
Os professores são assalariados do Estado de Santa Catarina, contratados por seleção em regime ACT (admissão em caráter temporário). A seleção é válida por um ano e, portanto, anualmente é realizada a escolha dos professores. Isto significa que os docentes formam um coletivo de funcionários públicos em situação de precariedade profissional. Essa precariedade manifesta-se às vezes também em aspectos prosaicos.
Os professores têm de trazer marmita. Eles não têm acesso à cozinha e não existem restaurantes aqui, etc. Não dá para usar a cozinha, porque é muito pequena. Também o grupo é pequeno e não dá para fazer uma cotização. Não tem banheiro para os professores, usam o dos alunos (DIRETOR, 2015).

Em virtude deste regime de trabalho, o corpo docente muda mais ou menos inevitavelmente a cada ano. Contudo, dado o caráter pouco atraente da docência no campo para a maioria dos profissionais do ensino, os docentes assentados ou ligados ao MST têm chances de se manterem no mesmo local de trabalho.
Em fins de maio os professores da Semente da Conquista estavam retomando suas atividades depois de terem participado de uma greve da categoria que ocorreu em âmbito estadual.
Eles lutaram pela recomposição salarial, em defesa da escola pública e pela melhora ou preservação (3) das condições de trabalho, como usualmente ocorre nas lutas coordenadas pelos sindicatos de docentes. É muito comum na categoria docente que com o encerramento da greve a mobilização arrefeça e só volte a ganhar ímpeto com a aproximação da próxima data base. Mas, essa não é a tônica para uma boa parte dos professores da Semente da Conquista. O motivo é que eles têm um projeto político pedagógico que buscam colocar em prática, o que determina que a luta pedagógica seja travada cotidianamente na unidade de trabalho e também além dela (4).
Os ativistas dessa pedagogia são todos ligados ao MST e é por influência desta organização que eles procuram aplicar essa pedagogia na escola. Quanto a isto, não deixa de ser um tanto paradoxal que a influência do sindicato docente não se note. Possivelmente duas são as causas desta ausência. A primeira é que, embora sindicatos possam até participar do processo de elaboração da pedagogia do campo (5), o fato é que nem todos os sindicatos docentes no momento atual defendem um projeto pedagógico próprio, alternativo ao oficial, seja ele o da pedagogia do campo ou outro. A segunda causa é que a organização sindical docente nas unidades de trabalho é laxa, ou, o que é mais comum, inexistente. Este vazio fica muito patente nos embates maiores com o Estado, como nas greves, quando a questão pedagógica strictu senso resume-se à defesa da escola estatal, comumente denominada pública. Esta observação coincide aproximadamente com o que afirma o professor Dilceu (2015): “Aqui no assentamento o sindicato não tem influência direta. O sindicato tem uma reivindicação puramente salarial. Nós seguimos a greve porque nós decidimos. Nós temos outras preocupações também.”
A introdução de elementos pedagógicos divergentes da prática oficial na escola requer uma luta pedagógica permanente. E para que esta luta tenha alguma eficácia é necessário que estejam presentes certas condições facilitadoras e, em última análise, que os propugnadores da pedagogia do MST tenham a capacidade e a possibilidade de influírem sobre a dinâmica da micropolítica escolar.
A Escola Municipal de Ensino Fundamental 25 de maio, situada próxima à Semente da Conquista, serve-nos de contraexemplo. Esta também está no assentamento, e também conta com certo número de militantes do MST. Mas, apesar disso, a pedagogia do MST não se encontra presente. A explicação que o professor Dilceu (2015) nos deu é a seguinte: “Lá eles têm professores ligados ao MST, mas é muito difícil encontrar a proposta do MST, porque tem professores concursados e porque estão lá há muito tempo e acabam dando o tom, e são contra”.
É necessário que vários fatores se conjuminem para que seja possível influir significativamente na escola a partir de uma posição crítica à pedagogia oficial. O posicionamento de pais e alunos é sempre importante, como é possível constatar na ESC. Contar com um diretor aquiescente ou militante pode ser decisivo. Entretanto, o envolvimento de um contingente de professores nessa tarefa é uma premissa (6).
Os depoimentos dos entrevistados são algo controversos quanto ao posicionamento dos professores na ESC. Mas, segundo as entrevistas realizadas com três professores e a realizada com o diretor, de 16 professores da escola, 4 não são do MST, mas trabalham com a sua pedagogia, e não são hostis. Os três professores entrevistados disseram ser do MST, dois deles com militância bem ativa, e a professora disse envolver-se menos.
Se agregarmos a esse quadro uma significativa participação dos pais e a simpatia ativa dos alunos, temos uma parte da explicação de porque a pedagogia do MST é uma realidade na ESC.

4. A prática da pedagogia do MST
Uma prática pedagógica diferente e inclusive antagônica à oficial é sempre difícil de realizar e, necessariamente, parcial sob o atual regime social. Numa escola capaz de emitir diplomas ou certificados não é possível driblar certas determinações impostas pelo Estado, como, por exemplo, o fato de que é ele que fornece o equipamento, contrata os professores e determina a grade curricular. Tampouco é possível abstrair os condicionantes derivados das funções que a escola desempenha no processo social de reprodução do capital, dentre as quais se destaca sua hoje iniludível contribuição à reprodução da mercadoria força de trabalho, sem a qual o capitalismo não subsiste.
Esses poderosos condicionantes de per se dificultam a implementação de modelos ou esquemas pedagógicos pré-concebidos rígidos. De qualquer modo a pedagogia do MST não tem como referência modelos formalizados. Essa pedagogia tem uma matriz pedagógica acrescida de certas categorias operatórias que assumem formas e dinâmicas muito diversas segundo as circunstâncias.
O professor Robinson (2015) em entrevista nos oferece uma indicação sugestiva dessa concepção pedagógica. Afirma ele que:
Nosso foco principal não é a quantidade do conteúdo, mas na formação humana, sim o conteúdo, mas a questão dos cidadãos críticos, ativos, que vão agir sobre as comunidades e sua família, no sentido de transformar a vida deles no campo. No sentido de que para viver no campo é preciso construir uma vida digna. A escola convencional privilegia o conteúdo das disciplinas, e privilegia o número. Para nós é a formação omnilateral a partir dos russos [Pistrak, Makarenko]. Que tem a realidade como fio condutor, que vai além do mercado de trabalho. Uma formação completa.

Não se trata de que a pedagogia burguesa não se preocupe com a realidade social, ao contrário. Mas, Robinson acerta quando menciona o mercado de trabalho. Isto porque na escola a realidade social apresenta-se primeiro como fenômeno mediatizado, que toma uma feição concreta somente a partir do momento em que o aluno sai da escola. E depois como fenômeno unilateral, porque a realidade social que será crucial para o formado é a realidade do mercado de trabalho assalariado, do qual dependerá para subsistir, e no qual deverá se apresentar na condição de vendedor de sua força de trabalho.
No caso dos assentamentos, cuja população é constituída por pequenos proprietários rurais, uma parte dos jovens escapa à sina do assalariamento futuro na medida em que podem se converter em proprietários. No entanto, é claro que a terra da reforma agrária não é suficiente para todos. Além disso, a vida do campo não parece ser atraente para todos os jovens. Portanto, não é de estranhar que, possivelmente, uma parte dos jovens estudantes filhos de assentados acalente a ideia de terminar o ensino médio e ir para a cidade, para dar continuidade aos estudos ou tentar a vida no mercado de trabalho.
A crítica conceitual e prática da unilateralidade pedagógica feita pela pedagogia do MST não elimina, no fundamental, o modus operandi da escola unilateral. Mas, abre a possibilidade para que, em parte, a socialização seja realizada de modo diferente. Essa diferença começa tomando a escola não como uma agência que vai depositando no estudante diversos conhecimentos, mas como uma unidade de produção pedagógica na qual os aprendizados se realizam, tanto através das disciplinas acadêmicas, quanto da vivência das relações escolares.
O processo de ensino-aprendizagem tem efeitos sobre todos os atores envolvidos na atividade escolar: pais, professores, funcionários e alunos. Naturalmente, o impacto principal da atividade de ensino-aprendizagem verifica-se ao nível dos alunos, o público alvo.
A escola tem, entre suas finalidades, a tarefa de provocar mudanças na estrutura intelectual e psicofísica originária do alunado. São essas mudanças que, por assim dizer, habilitam os alunos para sua vida futura como trabalhadores e cidadãos, embora devamos considerar que a habilitação nunca é um fenômeno de tipo mecânico. Temos três ordens ou formas principais de habilitação propiciadas pela atividade escolar: a) a tecnocientífica; b) a psicofísica; c) e a ideológica.
As atividades escolares no seu conjunto contribuem para fixar nos alunos essas habilidades, conhecimentos, comportamentos e visões de mundo. Entretanto, é evidente que há certa divisão do trabalho. As habilidades tecnocientíficas são transmitidas, sobretudo, pelo ensino das disciplinas acadêmicas e as atividades de pesquisa, e as psicofísicas pela prática e vivência das relações sociais escolares geradoras de um habitus altamente pedagógico, mas que não aparece como objeto de ensino. O que denominamos também de habilitação ideológica são os conhecimentos, sentires, percepções e qualidades motoras que facilitarão a integração dos futuros trabalhadores nas condições do trabalho assalariado antes de tudo. Estas habilidades ideológicas, portadoras de uma concepção do mundo, são transmitidas tanto pelas disciplinas acadêmicas, quanto pelas relações escolares hierarquizadas e autoritárias, porém, as relações sociais atuam como transmissores ideológicos tão ou mais potentes do que as disciplinas acadêmicas.
A pedagogia do MST também atua nessas esferas do processo pedagógico. Porém, o faz segundo uma perspectiva contra-habilitadora. O que significa que busca por em prática sua própria concepção de habilitação pedagógica em oposição à concepção oficial. Por outro lado, essa pedagogia não é uma negação absoluta das habilitações escolares oficiais, se não que uma tentativa de encaminhar uma superação desse modo de habilitação, mesmo que limitada. Assim, por exemplo, a pedagogia do MST não apenas não nega a dimensão técnica e científica como, inversamente, trata de guindá-la a um patamar mais elevado. Por outro lado, essa pedagogia também busca promover rupturas. As rupturas dizem respeito à concepção do mundo do capital, seja no que se refere a suas formulações reflexivas que se apresentam vigorosamente nas formulações ideológicocientíficas, seja nas relações sociais pedagógicas, que são relações sociais inerentes ao capital em clave escolar.
Em continuidade ilustramos resumidamente as ações da pedagogia do MST na escola em tela.

4.1. A gestão democrática na escola
A implantação da gestão democrática (GD) é um eixo estratégico da pedagogia do MST. A sua instauração, afora o seu próprio valor intrínseco, facilita todas as demais atividades. A ESC instaurou uma variante da gestão democrática. Isso quer dizer que o monopólio do poder do Estado consubstanciado nos quadros escolares que normalmente integra o sistema burocrático foi alterado no nível desta unidade escolar.
A administração ou gestão é oficialmente vista apenas como um meio que possibilita a realização da atividade fim que ocorre basicamente pelo ensino das disciplinas acadêmicas. Esta é uma visão à qual a pedagogia do MST contrapõe duas proposições. A primeira é que considera a gestão tão educativa ou mais do que às disciplinas ministradas. E a segunda é que trata de opor a gestão democrática ao poder burocrático usual, que em geral encontra-se cristalizado na figura do diretor.
Seguem as instâncias que compõe a GD na Semente da Conquista.
4.1.1. A assembleia geral
A ESC é pequena. Disto decorre que os mecanismos de formalização não têm a mesma fixidez e impacto que costumam ter em organizações maiores. Disso decorre que a democratização das relações sociais se manifesta, também, como relações informais entre alunos, pais, professores e funcionários.
Uma assembleia geral, que reúne professores, pais, alunos e funcionários se realiza normalmente uma vez por ano no segundo mês letivo. Esta assembleia está formalizada, tanto no que diz respeito à periodicidade, quanto ao funcionamento. Não há votações. Os assuntos são discutidos e deliberados por consenso. Ainda assim, é dela que emanam as diretrizes principais para a escola a cada ano letivo.
Eis duas visões a respeito desse organismo.
“Tudo está no conselho participativo que é essa assembleia. É uma espécie de assembleia geral” (ROBINSON, 2015).
Na verdade, temos aqui a gestão democrática. O comando é partilhado entre as pessoas que estão dentro da instituição. Por ocasião da burocracia ela é partilhada entre professores, direção e alunos. Os alunos estão organizados em núcleos de base. Eles discutem as questões envolvendo a escola e as possibilidades de saída. Talvez não esteja tão avançada, a gestão democrática, mas a gente procura fazer que aconteça. Certas decisões são tomadas pelo diretor quando não precisa o coletivo. Mas decisões maiores são fruto de discussão com todos os sujeitos do processo educativo da escola. Uma grande quantidade de pais também participa. Embora eles não estejam tão inteirados do processo, mas têm uma participação. [...] Todo ano há uma reprodução da gestão (DILCEU, 2015).
A assembleia no início do ano discute e aprova o projeto político pedagógico e as normas da escola.
Durante o ano são realizadas assembleias setoriais, de acordo com as necessidades.

4.1.2. Os núcleos de base
Os alunos estão organizados nos núcleos de base. Estes se distribuem e organizam segundo uma divisão temática. Porém, discutem livremente todos os assuntos da escola. É a partir deles que os alunos amadurecem questões ou propostas a serem levadas a instâncias decisórias, como a direção, a assembleia ou os conselhos de classe.

4.1.3. A associação de pais e professores
A Associação de Pais e Professores (APP) aparece aqui como um órgão importante e efetivo da gestão operacional, em atuação conjunta com o diretor, o que não é usual para as associações desse tipo nas escolas, pois geralmente são cooptadas pelo diretor e utilizadas para levantamento de verbas extras. Não é assim na ESC, em parte decorrente da atuação dos pais. As entrevistas indicaram que a participação dos pais poderia ser maior. Mas, que a intervenção dos pais é forte porque muitos deles participaram ou participam da luta pela reforma agrária, ou seja, são pais com formação política que têm autonomia de ação e que fazem questão de influir na escola. Por outro lado, parece que a participação dos pais é muito importante para viabilizar a aplicação da pedagogia do MST.

4.1.4. O diretor
Numa escola convencional o diretor é geralmente a pessoa que manda na escola. Por definição, o diretor é o executivo do Estado na unidade escolar e a sua supremacia se mantém mesmo nos casos em que o Conselho de Escola oficial se encontra instalado.
Aqui o diretor também manda. Mas, ele próprio na condição de partidário da pedagogia do MST, se considera apenas um executor das deliberações emanadas do trabalhador coletivo escolar via seus órgãos de deliberação. Ainda que, na prática, as coisas não funcionem exatamente desse modo, não resta dúvida que esse é um vetor em cuja direção se move a gestão democrática na Escola Semente da Conquista.

4.1.5. Os conselhos de classe
Há dois tipos de conselhos de classe. Os constituídos por alunos e os constituídos por pais, alunos e professores. Estes conselhos discutem, sobretudo, o que diz respeito às atividades pedagógicas: disciplina, conteúdos ministrados, performance de alunos e professores, avaliação, etc.

4.2. A GD e a habilitação psicofísica
A produção pedagógica é realizada pelo trabalhador coletivo escolar, que no caso é um trabalhador coletivo (7) específico constituído por alunos, professores e funcionários.

4.2.1 A cooperação e a disciplina
A integração dos alunos no trabalhador coletivo produz importantes alterações na estrutura psicofísica originária do alunado, o que compreende parte importante de sua formação/aprendizado na passagem pela escola. Os dois aspectos mais importantes desse processo dizem respeito à cooperação e à disciplina necessária para sua consumação. Não se trata simplesmente de aprender física, português ou matemática. Trata-se, também, de aprender e de se condicionar, inclusive fisicamente, para se integrar produtivamente ao trabalhador coletivo escolar. Respeitar o horário escolar, ouvir com atenção o professor, permanecer sentado por quatro ou mais horas, relacionar-se com os colegas de modo determinado, fazer as tarefas de casa, submeter-se a avaliações periódicas, dentre outros, aparecem como atividades prosaicas, naturais, mas de fato são o resultado de trabalho reiterado que envolve tanto o intelecto, quanto a afetividade e o controle muscular. E é justamente devido a estas especificidades que as distonias relativas a esse processo se apresentam muito frequentemente, não tanto como falta de proficiência intelectual, mas sob a forma de problemas de comportamento, de indisciplina escolar.
A cooperação no trabalhador coletivo escolar é valorizada pela pedagogia do MST. Entretanto, na pedagogia oficial essa é uma cooperação alienada para e no Estado. Com a gestão democrática verifica-se certa (des)alienação da cooperação praticada pelo trabalhador coletivo escolar. Esta (des)alienação se reflete na disciplina escolar, a qual se transmuda de uma disciplina mecânica de tipo militar, em uma disciplina mais negociada e flexível, porque decorrente do autogoverno relativo do trabalhador coletivo.
“As segundas e terceiras turmas são tranquilas. Em geral a disciplina é boa” (DIRETOR, 2015)

[...] ficamos aqui muito tempo sem diretor. E as coisas funcionaram do mesmo jeito. Nós temos uma escola sem portão. Os alunos não saem para fora. Se eles querem sair vêm falar com o diretor. Essa é uma diferença e uma consequência aparentemente da gestão democrática. [...] quando há algum problema que foge das regras que eles mesmos construíram, chamamos os pais para conversar. [...] A escola de baixo é a escola de ensino fundamental, Escola Municipal de Ensino Fundamental 25 de maio. Fica aqui do lado. Os alunos dizem ser diferente. Lá é muito preso. O portão é fechado. Eles vêm aqui e acham que vão ter uma libertinagem, mas não é nada disso (DILCEU, 2015).

4.2.2. O método de avaliação
O sistema de avaliação convencional é um dos mecanismos de promoção da cooperação alienada. A avaliação gera a exclusão do sistema escolar ou o bloqueio do progresso no sistema para uma parte da população estudantil real ou virtual ao mesmo tempo em que promove a competição. Posteriormente à vida escolar atua como um classificador social ou profissional no mercado de trabalho, promovendo igualmente a competição.
O seu método operacional, um epifenômeno da lei do valor em âmbito escolar é, por excelência, a quantificação do desempenho acadêmico expresso em scores alfanuméricos.
A pedagogia do MST se opõe a esse método. No entanto, na ESC as medidas de oposição a eles são débeis de sorte que prevalece o método de quantificação. O motivo, segundo os depoimentos, é que sendo a quantificação uma exigência incontornável da secretaria da educação, não há muito o que fazer a respeito.
Em que pese essa determinante não é de somenos a avaliação realizada na ESC pelos conselhos de classe e pelos núcleos de base. Estes promovem a avaliação dos alunos (autoavaliação), dos professores, do diretor e da própria escola, em reuniões exclusivas ou conjuntas com pais e professores. Os resultados apurados, se for o caso, podem ser objeto de discussão e deliberação em outras instâncias

4.2.3. Aprender diretamente com a realidade social
Um preceito da pedagogia do MST é a articulação do ensino acadêmico com o trabalho real. Promover esse preceito na Semente da Conquista não é plausível devido à estrutura seriada convencional da escola. Em contrapartida, mesmo isto não sendo um sucedâneo, a escola esforça-se para que os alunos organizem certas tarefas na comunidade tão frequentemente quanto possível. Nessa linha, os alunos tiveram recentemente um papel destacado na organização da festa comemorativa do aniversário do assentamento, em 25 de maio. Além desse tipo de atividades, há um empenho em que os alunos abordem as matérias escolares sempre que possível em interlocução com a realidade social circundante. Isto é feito pela definição das porções da realidade (complexos temáticos) a serem examinadas, procedimento que recentemente substituiu o antigo método de Paulo Freire (1996) de escolha de temas geradores. Do mesmo modo se valorizam as incursões culturais ou outras para além da escola e do assentamento.

4.3. A habilitação técnica e científica
A classe dominante necessita que os trabalhadores sejam portadores de conhecimentos válidos, que possibilitem a operação das fábricas, a interlocução com a natureza, etc. Para os trabalhadores a socialização desses conhecimentos é ainda mais importante, o que está provado por sua luta para terem acesso à escola.
As habilidades que envolvem elementos técnicos e científicos são transmitidas aos alunos, sobretudo, pelo ensino das disciplinas acadêmicas. A pedagogia do MST propõe isso também por meio da prática no trabalho. Mas, como vimos, isso não é possível nas condições da ESC.
O cuidado com o ensino das ciências é patente: “Enfatizamos o conhecimento científico”, declara o diretor (2015). Este cuidado se revela também no empenho em ensinar os alunos a realizarem pequenas pesquisas, nomeadamente no que diz respeito a temas que estão mais ligados à realidade deles como assentados, como, por exemplo, a questão da água, a agroecologia, a reforma agrária e as fontes de energia dentre tantos outros temas.
“A gente ensina como fazer uma pesquisa, etc. Ensino a fazer uma pesquisa, tabelar os dados e etc, porque isso é importante para a vida deles”. (DILCEU, 2015)

4.4. A habilitação ideológica
A habilitação ideológica se dá principalmente por meio das disciplinas acadêmicas e pela vivência das relações pedagógicas que regem a cooperação do trabalhador coletivo escolar.
Nas disciplinas acadêmicas a ideologia encontra-se em simbiose com outros tipos de conhecimentos e assim é repassada para os alunos. No momento atual o elemento ideológico encontra-se mais evidente nas ciências humanas, mas esta não é uma situação estática, em princípio, bastando lembrar que em inícios dos tempos modernos a astronomia, a biologia e a física desempenharam um papel social subversivo em relação à ordem social pretérita.
Nos diversos saberes, o que podemos considerar especificamente ideológico são os marcadores de classe. Para a classe dominante é imprescindível inculcar nos alunos - a totalidade dos quais provenientes da classe trabalhadora -, a sua visão de mundo de classe burguesa. E a visão/organização de mundo da classe burguesa é um fenômeno real, objetivo. O engano nesse procedimento pedagógico não se encontra em que se ensine aos alunos a visão da burguesia, mas no fato de que os trabalhadores não sendo da classe burguesa têm ou podem ter uma visão completamente diferente de como deve se organizar a sociedade. Este fato básico apresenta usualmente vários desdobramentos ideológicos. Num dos mais frequentes a ideologia burguesa não omite a existência da classe trabalhadora, mas, à semelhança do que ocorria na ordem feudal, sustenta que essa é uma espécie de ordem social incapaz de ter uma existência autônoma, devendo por tanto permanecer aeternum sob a proteção da classe eleita. Uma ilustração comezinha desta tese corrente pode aparecer na forma de apologia do trabalho assalariado - a apologia de um bom emprego - uma vez que o trabalhador, nessa concepção, é um assalariado justamente por ser um eterno infante.
Na ESC a gestão democrática abriu a possibilidade de que os professores exerçam o que outrora se denominou liberdade de cátedra. Assim, os partidários da pedagogia do Movimento procuram desenvolver uma contra-habilitação ideológica, na medida em que a habilitação que buscam para seus alunos é aquela que, partindo do reconhecimento da autonomia da classe trabalhadora como classe em si, coloca em perspectiva a possibilidade da mesma converter-se em classe para si. (MARX; ENGELS, 1984) Isto é feito pela utilização de textos críticos em relação às interpretações oficiais da sociedade, pela realização de comemorações e memoriais com valor afetivo para a classe trabalhadora, o que o MST denomina de mística, e pela defesa da reforma agrária popular dentre outros procedimentos.
Esta impostação encontra-se presente em todas as disciplinas ministradas sob a ótica do MST. A matemática é a matemática, mas o modo como se ministra a disciplina, algo inevitavelmente sempre referido à realidade social, faz diferença. Podemos dizer, metaforicamente, que a matemática não lida com a categoria classe social. Mas, as classes sociais sim, lidam com a matemática. Eis como o professor Dilceu (2015) de matemática nos exemplifica este assunto. “Os conteúdos são aqueles que acreditamos que sejam o que os alunos mais vão utilizar. Por exemplo, número complexos. Dou uma ênfase bem menor que porcentagem e estatística, porque estas estão no cotidiano deles”.
As relações de produção pedagógica são outro potente fator de transmissão ideológica (DAL RI; VIEITEZ, 2008). O fato básico a este respeito na escola oficial é que a cooperação realizada pelo trabalhador coletivo escolar, sem a qual não haveria nenhum processo pedagógico nesta estrutura, encontra-se alienada para o Estado burguês. Dizendo-o de outro modo, os alunos, professores e funcionários, sujeitos constituintes desse trabalhador coletivo, encontram-se na escola como segmentos subordinados e explorados da classe trabalhadora para os quais o seu trabalho, bem como o produto de seu trabalho lhes aparece como estranho, ou seja, alienado (MARX, 2004).
A escola oficial não oferece aos alunos a possibilidade de refletirem sobre essa estrutura. E se alguma disciplina o faz, é simplesmente para corroborá-la. O resultado desta prática é que o trabalho alienado vigente na escola aparece como natural. Isso faz com o que as relações pedagógicas habituem os futuros trabalhadores e cidadãos ao trabalho alienado, que é fenômeno dominante na ordem social.
Portanto, também nesta esfera deparamo-nos com a contra-habilitação ideológica da pedagogia do MST. As relações sociais decorrentes da gestão democrática atenuam imediatamente os efeitos da estrutura burocrática da escola. A GD socializa o poder na escola segundo uma linhagem que tende à equidade política, respeitadas as diferenciações funcionais necessárias.
O trabalhador coletivo escolar está evidentemente subordinado ao Estado, em última instância. No entanto, no âmbito da unidade escolar sob a pedagogia do MST os elos subordinantes da burocracia se transmudam em instâncias de participação e direitos.
E qual é a lição que estas relações sociais assim instauradas ensinam a todos, e em especial aos alunos? Ensinam que as relações de subordinação hierárquica na escola - e por presumível extensão, na sociedade - não são uma fatalidade histórica. Ou dito de outro modo, a gestão democrática na escola mediante um discurso que decorre primordialmente das relações sociais postas em prática ensina a democracia, do mesmo modo que, mutatis mutandis, as relações burocráticas ensinam os alunos a se submeterem a poderes de classe alheios.
Cabe ainda uma palavra a respeito do habitus escolar estabelecido pela gestão democrática do ponto de vista de sua relação com a qualidade do ensino. A ESC sob este aspecto não tem uma trajetória homogênea. Houve momento no passado em que a qualidade deixou a desejar. Hoje, no entanto, a qualidade encontra-se estabilizada num patamar que os professores consideram boa, nada devendo às melhores escolas públicas da região (8). De resto, é para eles uma notícia usual que os alunos egressos da ESC se saem muito bem em outras escolas, seja pela proficiência intelectual, seja por suas atitudes ativas e desassombradas no novo ambiente escolar.
Além dos fatores já discutidos acerca da habilitação ideológica, há ainda o fator da militância e engajamento no MST. Todos os entrevistados, o diretor, três professores, três alunos, e a mãe de uma aluna declararam-se militantes do MST. Eis como a aluna Tailine, coordenadora de núcleo de base, expressou-se acerca do envolvimento da sua família com o MST.
O MST mudou minha vida, mudou a vida da minha família. Se não fosse o MST não teríamos nada, não seríamos nada. Foi a melhor coisa que podia ter acontecido. [...] Foi o que deu vida para a minha família, porque trabalhavam nas fazendas dos outros, na casa dos outros, vivendo de favor.

Conclusão
No quadro da tradição do movimento operário e popular, a abordagem escolar da pedagogia do MST é num certo sentido nova e insólita e, em outro, um acontecimento antigo.
Com a passagem dos sindicatos de ofícios para os sindicatos industriais, entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do século XX, o movimento operário e popular majoritário concentrou-se na luta por salários, na redução da jornada de trabalho e na obtenção de benefícios sociais. Esta postura deixou a burguesia em companhia dos teóricos da escravidão moderna, os taylors e Fayols, para organizarem o trabalho nas fábricas, usinas e outros entes econômicos, conforme o seu gosto e interesse.
Entretanto, os trabalhadores nunca lidaram bem com o monopólio burguês da organização do trabalho. Certas correntes minoritárias, teóricas e/ou práticas, além de fazerem as lutas por melhorias no campo da distribuição e do consumo, não perderam de vista a questão da organização do trabalho e seu corolário no capitalismo, o instituto do assalariamento. Assim, de quando em vez, o movimento operário questionou a organização capitalista do trabalho in totum. O momento paradigmático desse questionamento ocorreu com a revolução russa de 1917. Porém, muitos outros episódios insignes ocorreram em vários lugares do mundo depois da revolução russa, afora naturalmente, os episódios que se mantiveram na obscuridade das lutas que a classe trabalhadora trava contra o capital cotidianamente.
Depois da segunda guerra mundial, esse tipo de abordagem arrefeceu ainda mais. Partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais em geral parecem ter se esquecido dessa questão crucial, provavelmente devido à política de coexistência pacífica da URSS, enquanto a mesma esteve presente, devido à época de ouro do capitalismo emoldurada pelas políticas de welfare state e, provavelmente, também, devido ao desbragado reformismo que veio a engolfar a maior parte das organizações operáriopopulares.
Essa situação longe está de ter sido ultrapassada. E como vimos anteriormente, os professores da ESC fizeram uma alusão à mesma quando se referiram ao enfoque da luta sindical da qual haviam acabado de participar.
É vis-à-vis essa realidade dos movimentos sociais que a pedagogia do MST se apresenta como acontecimento político tanto insólito, quanto merecedor de destaque. O motivo salta por evidente. A pedagogia do Movimento luta pela escola pública, pelos salários de seus professores, bem como pelos direitos sociais. Mas, para muito além disso, luta pela retomada do controle da organização do trabalho, que volta a ser um objeto estratégico da luta, porque é este controle que viabiliza na escola o desenvolvimento de uma pedagogia voltada para a crítica ao capitalismo e pela transformação social.
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: Senado Federal, 1996.
DAL RI, N. M.; VIEITEZ, C. Educação democrática e trabalho associado no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e nas fábricas de autogestão. São Paulo: Ícone: Fapesp, 2008.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 32.ed. São Paulo: Cortez, 1996. (Col. Questões de Nossa Época, v. 13).
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.
MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1984.

Notas
1 - Esta pesquisa, sob coordenação da Profa. Dra. Neusa Maria Dal Ri, está sendo realizada por pesquisadores membros do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Filosofia e Ciências, Campus de Marília.
2 - De uns anos para cá o Estado vem fechando escolas no campo. No ano de 2014 foram fechadas mais de 4000 mil escolas. Para mais informações, ver o artigo de: SILVA, M. Mais de 4 mil escolas do campo fecham suas portas em 2014. www.mst.org.br. Brasília. 26 jun. 2015. Disponível em: http://www.mst.org.br/2015/06/24/mais-de-4-mil-escolas-do-campo-fecham-suas-portas-em-2014.html. Acesso em: 29 jun. 2015.
3- O que há alguns anos atrás era a luta por melhorias das condições de trabalho, com as políticas neoliberais está se transformando em luta para tentar preservar direitos históricos estabelecidos.
4 - A situação dos professores na escola é contraditória. Por um lado, os professores são assalariados e podem até ter uma posição de classe crítica à ordem social. Por outro lado, os professores na medida em que estão imbuídos de autoridade perante os alunos, atuam objetivamente como guardiães da escola. A adesão dos professores à pedagogia do MST modifica os termos da contradição sem chegar a suprimi-la.
5 - A pedagogia do campo é uma política pública que foi elaborada com a participação de movimentos sociais, embora a ascendência do pensamento pedagógico do MST seja bem perceptível.
6 - A gestão democrática das unidades escolares está contemplada na Constituição de 1988 e foi esposada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 e pelas legislações estaduais que, ao normatizarem seu funcionamento, criaram invariavelmente um aparato de tipo parlamentar censitário, ou seja, o aparato liberal consubstanciado na figura de um Conselho Escolar. A democracia que o MST reivindica e pratica encontra-se no marco da ordem social de classes, porém, ultrapassa as categorias censitárias e representativas da concepção liberal.
7 - Na ordem burguesa, os alunos embora trabalhem - têm um gasto de cérebro e músculo, etc.-, não são considerados ou reconhecidos como trabalhadores, ocupando o estatuto social de estudantes. Isto não oblitera o fato de que o seu trabalho se encontra organizado na forma de um trabalhador coletivo, que é a forma geral de organização do trabalho sob o capital.
8 – No ano de 2009 a ESC ficou em primeiro lugar no ENEM e daí para frente tem alcançado bons resultados nas avaliações oficiais.

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