sábado, 4 de julho de 2015

Anel Leste vs. Ramo Balc~~as: a batalha pela Grécia




Anel Leste vs. Ramo Bálcãs: A batalha pela Grécia



Andrew Korybko



A Rússia não estava blefando quando disse que o gasoduto Ramo Turco será,depois
de 2019, a única rota para o gás que deixaria de passar pela Ucrânia. Depois de
decorridos mais de seis meses críticos, durante os quais só perdeu tempo,
dedicada a não acreditar, a União Europeia (UE) começa agora a cair em si. E
está tentando desesperadamente armar uma alternativa geopolítica.

Ao se dar conta de que sua demanda por gás terá de continuar a ser suprida de
modo absoluto pela Rússia ao longo de ainda muitas décadas futuras com certeza
(e diga a retórica trans-Atlântica o que disser), a UE quer mitigar as
consequências multipolares dos planos de gasodutos russos, seja como for e como
puder.

A Rússia quer estender o Ramo Turco através de Grécia, Macedônia e Sérvia, num
projeto que o autor já batizara previamente de "Ramo Bálcãs", e quer apagar a
rota pelo centro dos Bálcãs e substituí-la por outro pelo leste dos Bálcãs, via
Bulgária e Romênia, a chamada linha "Anel Leste".

Embora o gás cáspio embarcado pelo gasoduto Trans-Adriático (TAP)
possateoricamente transitar pelo Anel Leste, a proposta que tem circulado mais
recentemente é para ligá-lo, em vez disso, ao Ramo Turco, provavelmente porque
os projetados 10-20 bilhões de metros cúbicos/ano do projeto anterior (as
reservas do Azerbaijão podem não bastar para atender à demanda, sem ajuda
turcomena, a qual, hoje, está muito longe de garantida) podem parecer pouco,
ante os 49 bilhões de metros cúbicos do novo traçado. Se a Europa realmente
planeja que o Anel Leste conecte-se ao Ramo Turco, o gás fornecido pela Rússia
alcançará o continente, não importa por qual rota (pelos Bálcãs Centrais ou
pelos Bálcãs Orientais), o que significa que, hipoteticamente, é jogo de
ganha-ganha para a Rússia.

As diferenças estratégicas entre o Anel Leste e o Ramo Bálcãs são realmente
muito agudas, e associadas, em primeiro lugar, ao ímpeto motivacional implícito
revelado pela proposta conectiva Anel Leste-Ramo Turco da UE, significa que é
preciso analisá-las em profundidade, antes que alguém salte para uma 'conclusão'
predeterminada sobre a natureza 'mutuamente benéfica' do Anel Leste.

Nesse artigo, identificam-se, de início, as diferenças estratégicas subjacentes
entre o Anel Leste e o Ramo Bálcãs. Estabelecido isso, usam-se as informações
reunidas para interpretar as motivações de Bruxelas e a previsão regional aí
implicada, para os Bálcãs.

Por fim, comenta-se a prolongada crise da dívida grega, para ilustrar como o
atual torvelinho pelo qual passa a República Helênica já evoluiu para, de fato,
um atentado: o ocidente tenta derrubar indiretamente o governo de Tsipras, como
castigo pela cooperação com a Rússia no campo da energia.

Diferenças Estratégicas

Erra completamente quem assumir que o Anel Leste e o Ramo Bálcãs são projetos
estrategicamente semelhantes; embora nos dois casos se trate de levar gás russo
até a Europa, cada um desses projetos promove visão de longo prazo completamente
diferentes uma da outra, ou a favor dos patrocinadores europeus ou a favor dos
patrocinadores russos, respectivamente.

Anel Leste:

Para a União Europeia, essa sua proposta rota eliminará qualquer vantagem
geopolítica que a Rússia possa potencialmente colher do Ramo Bálcãs (tema ao
qual chegaremos, na sequência), reduzindo o gasoduto a nada além de um tubo de
gás natural sem qualquer impacto ou influência. O objetivo será alcançado
simplesmente porque o gasoduto viajará por território da Bulgária e da Romênia,
dois confiáveis estados-membros da UE e da OTAN, cujas elites políticas estão
firmemente na órbita unipolar.

Como uma garantia a mais de que a Rússia não possa jamais usar o Anel Leste
para qualquer objetivo multipolar indesejável, os EUA planejam preposicionar
suficientes armamentos pesados e equipamentos para 750 soldados nos dois países
dos Bálcãs, reforçando ainda mais o Bloco sub-OTAN no Mar Negro que vem sendo
construído já há alguns anos. Se os EUA conseguirem sabotar o Ramo Bálcãs e
assim forçar a Rússia a, de fato, ceder ao Anel Leste como única alternativa
realista no sudeste da Europa para mandar gás para a Europa, nesse caso Moscou
em posição estratégica tão miserável para suas vendas de energia quanto estava
antes, quando confiava numa Ucrânia controlada pelos EUA, renegando, para
começar,todo o objetivo do pivô para os Bálcãs.

Ramo Bálcãs:

A abordagem dos russos, quantos aos gasodutos, caminha na direção absolutamente
contrária à dos europeus, porque entendem a utilidade geopolítica que há por
trás dos gasodutos e os russos procuram usar esses investimentos em
infraestrutura como ferramentas estratégicas.

Pode-se entender o Ramo Bálcãs como uma contraofensiva multipolar na direção do
coração da Europa, e é precisamente por essas razões que a Rússia é
completamente contrária a reverter ao Anel Leste como sua única rota de energia
para a UE no sudeste da Europa. Moscou planeja usar o Ramo Bálcãs como ímã, para
atrair investimentos dos BRICS nos Bálcãs e complementar a Rota da Seda dos
Bálcãs da China, do porto de Pireus, na Grécia, até a Hungria.

Não é portanto coincidência que o terrorismo albanês apoiado pelos EUA tenha
voltado à região, depois de hiato de dez anos, e tenha tomado como alvo
especificamente a República da Macedônia, o gargalo do Ramo Bálcãs.

A Rússia está apostando no trânsito pelos Bálcãs Centrais para sua proposta
rota de energia, porque sabe que Sérvia e Macedônia - que não são membros nem da
UE nem da OTAN -, não podem ser diretamente dominadas pelo mundo unipolar como
Bulgária e Romênia que são satélites dos EUA; e também vê a Grécia como um
'coringa', hoje à beira de fracassar a favor de seus patrões ocidentais.

Todos esses fatores tornam o Ramo Bálcãs excepcionalmente atraente para os
geoestrategistas russos, que reconhecem corretamente que os três estados no
percurso do gasoduto (Grécia, Macedônia e Sérvia) representam o calcanhar de
Aquiles do unipolarismo na Eurásia Ocidental, o qual, se receber empurrão
adequado, pode levar ao colapso de toda a estrutura.

Por dentro da mente de Bruxelas

O simples fato de que a UE está propondo o Anel Leste como possível componente
do Ramo Turco revela muito sobre como Bruxelas está pensando no momento.
Examinemos o que aparece nas entrelinhas:

- Gás russo é artigo de primeira necessidade

Bruxelas reconhece que tem de receber gás russo, de um modo ou de outro, e que
o Corredor Gás Sul (Southern Gas Corridor) bem pouco provavelmente cobrirá
sozinho a demanda futura de consumo da UE (para ambas, a União Europeia como um
todo, e a região dos Bálcãs em particular). Os EUA também compreendem que é
exatamente assim. Por isso, os EUA têm de inventar um cenário do qual a Rússia
seja obrigada a depender na rota dominada pelo pensamento [e as armas]
unipolar(es) através dos Bálcãs Orientais, de tal modo que o projeto seja
'saneado' de qualquer influência multipolar residual, e Washington possa
continuar a controlar o trânsito do gás russo para a Europa ao longo de futuro
indefinido.

- Nos Bálcãs Centrais o mundo unipolar é vulnerável

A sugestão proativa de que os Bálcãs Orientais possam substituir, como traçado
alternativo, o gasoduto do Ramo Bálcãs implica que o ocidente admite uma
vulnerabilidade dos unipolares na relação com uma rota russa que atravesse os
Bálcãs Centrais.

Isso, porque a construção bem-sucedida do Ramo Bálcãs levará a um
fortalecimento da posição geoestratégica da Sérvia, que emergirá como um nodo
regional estratégico de energia. Belgrado pode assim capitalizar essa vantagem
para lentamente e estrategicamente (não politicamente) reintegrar as terras da
ex-Iugoslávia, embora sob influência russa multipolar indireta.

Como resultado, os Bálcãs, a região da Europa que com certeza sempre recebeu o
cabo mais curto do porrete euro-atlântico, seria presenteada com uma atraente
oportunidade não ocidental para co-desenvolvimento com os países BRICS. O Ramo
Bálcãs da Rússia lhes garantiria suprimento seguro de energia, com a Rota da
Seda dos Bálcãs da China lhes garantirá acesso ao maior mercado global, o que
ameaçará o domínio econômico que a UE tem atualmente sobre a península.

Se a Europa já não for economicamente atraente para os estados dos Bálcãs (a
atratividade cultural e política já é coisa do passado, por causa do 'casamento
gay' e dos excessos de Bruxelas contra aqueles países, nos anos recentes), nesse
caso a Europa perde o resto de seu soft power e o único modelo alternativo
passam a ser os BRICS, os quais usariam a região para criar uma cabeça de praia
multipolar diretamente rumo ao coração do continente, antes mesmo de alguém
perceber o que aconteceu.

- A Grécia não é confiável

A União Europeia claramente não vê a Grécia, pelos menos hoje, sob o atual
governo [da coligação Syriza], como ferramenta geopolítica confiável para seus
interesses. Um oleogasoduto financiado pelo Azerbaijão através do país pouco
confiável é aceitável, mas se for financiado pela Rússia, não é, porque pode ser
usado como porta de entrada para outras incursões multipolares para dentro dos
Bálcãs Centrais que podem abalar rapidamente a influência de Bruxelas nos Bálcãs
(como já se comentou no grande cenário estratégico acima).

Se a Grécia estivesse sob total controle do mundo unipolar, ou se o ocidente
sentisse fortemente que esse seria o caso em 2019, nesse caso não seria preciso
excluir desse bolo, a Grécia. Embora ainda se mantenha a possibilidade de que
uma fatia do território grego seja usada para construir um interconector com a
Bulgária para facilitar o Anel Leste, não é a mesma coisa que um gasoduto que
atravessa metade do território no norte do país e continua por uma trilha que o
grupo unipolar não controla (diferente da alternativa búlgara proposta).

Assim sendo, a proposta do Anel Leste diz muito sobre a fraca expectativa
geopolítica que Bruxelas alimenta em relação aos próximos cinco anos da Grécia -
embora aquela proposta também possa ser lida como uma confirmação da
oportunidade pró multipolares que a Rússia já identificara, antes, na Grécia.

As guerras por procuração, nos Bálcãs

Mais que qualquer outra coisa, a proposta do Anel Leste, de Bruxelas, pode ser
lida como desesperado 'plano b' para garantir o indispensável fornecimento de
gás russo, no caso de os EUA conseguirem tornar irrealizável a rota pela
península central do Ramo Bálcãs, servindo-se de séries de guerras de
desestabilização 'por procuração'. Como já se explicou acima, a UE precisa do
gás russo em todos os casos e circunstâncias (coisa que até os EUA, mesmo com
extrema má vontade, reconhecem); assim sendo, tem absoluta necessidade de ter um
plano b, de contingência, sobre a mesa, para o caso de alguma coisa acontecer ao
Ramo Bálcãs.

Os cofres russos precisam do dinheiro, e as fábricas europeias precisam do gás;
é um relacionamento natural de mútuo interesse para as duas partes cooperar seja
por uma via, seja pela outra.

A contenção tem a ver, claro, com qual a específica via pela qual viajará o gás
russo, e os EUA farão qualquer coisa que esteja ao seu alcance para assegurar
que haja Bálcãs Orientais controlados por interesses unipolares, não os Bálcãs
Centrais sensíveis a interesses multipolares.

Por tudo isso, a "Batalha pela Grécia" é o último episódio dessa saga, e a rota
futura das entregas de gás russo à Europa oscila hoje, ainda, na balança.

A estrada (grega) chega a uma bifurcação

Embora a questão da dívida fosse questão antiga, de antes, mesmo, de o Ramo
Bálcãs ter sido pensado, ela está hoje intimamente entretecida no drama da
energia na Nova Guerra Fria que se desenrola nos Bálcãs.

A troika quer forçar Tsipras a capitular ante um acordo impopular para a
dívida, que com certeza levaria ao rápido fim de seu governo como
primeiro-ministro. Nesse instante, o principal fator que liga o Ramo Bálcãs à
Grécia é o governo Tsipras. E é do mais alto interesse da Rússia e de todo o
mundo multipolar vê-lo permanecer no governo da Grécia, até que o gasoduto possa
ser fisicamente construído e implantado.

Qualquer repentina ou inesperada mudança de liderança na Grécia pode muito
facilmente comprometer a viabilidade política do Ramo Bálcãs e forçar a Rússia a
ter de depender do Anel Leste. E é precisamente por essas razões que a Troika
quer empurrar Tsipras para os cornos de inextrincável dilema.

Se ele aceita as atuais condições da dívida, perde o apoio de sua base, não
será eleito em eleições que terão de ser convocadas imediatamente ou cai, vítima
de revolta brotada de dentro do próprio partido. Por outro lado, se ele rejeita
a proposta e deixa que a Grécia seja declarada inadimplente, nesse caso a
catástrofe econômica resultante pode matar todo o apoio que lhe dão os
movimentos de base e camadas mais pobres, o que pode determinar o fim prematuro
de sua carreira.

Por isso a decisão de realizar um referendum nacional sobre a dívida é
movimento tão genial: porque dá a Tsipras uma chance de sobreviver a próxima
tempestade político-econômica que se abaterá sobre os resultados que venham (que
se supõe que venham a ser de rejeitar a dívida e assumir a situação de
inadimplência). Com o povo ao seu lado (não importa por que pequena diferença a
seu favor), Tsipras pode continuar a governar a Grécia, enquanto o país nada nas
águas revoltas do período incerto que se avizinha. Além disso, seu cuidado
continuado com o país, e a química pessoal que o aproxima dos governantes BRICS
(especialmente de Vladimir Putin) pode levá-los a criar alguma espécie de
assistência econômica (talvez com os $100 bilhões do Novo Banco de
Desenvolvimento dos BRICS e igualmente gordo pool de moedas de reserva) para a
Grécia, depois da próxima reunião da cúpula do grupo, que acontecerá em Ufa, no
início de julho - desde que, é claro, Tsipras aguente-se no governo até lá.

Por tudo isso, o futuro da geopolítica da energia nos Bálcãs resume-se
atualmente ao que acontecer na Grécia em futuro próximo. Embora seja possível
que outro primeiro-ministro grego, que não seja Tsipras, continue a fazer
avançar o Ramo Bálcãs, é menor a possibilidade do que se Tsipras se mantiver lá.


Criar condições para tirá-lo do governo é a via indireta pela qual os EUA e a
UE preferem influenciar o curso da energia a ser futuramente entregue pela
Rússia através dos Bálcãs - por isso Tsipras está sob pressão tão gigantesca
nesse momento. Sua proposta de referendum com certeza apanhou todos de surpresa,
porque atualmente já praticamente não se ouve falar de verdadeira democracia na
Europa, e ninguém esperava que o primeiro-ministro recorresse diretamente aos
eleitores, antes de tomar uma das decisões mais cruciais do país em décadas.

Mas é o meio pelo qual pode ainda tentar escapar da armadilha Catch-22 que
aTroika armou para ele. Ao fazê-lo, luta também pelo Ramo Bálcãs do mundo
multipolar.

À guisa de conclusão

Há mais, na proposta do gasoduto Anel Leste do que se vê à primeira vista, daí
a necessidade de expor as motivações estratégicas por trás dele, para que melhor
se possa avaliar seu impacto assimétrico. É claro que EUA e UE querem
neutralizar a aplicabilidade geopolítica que o Ramo Bálcãs terá na difusão do
pensamento multipolar pela região, o que explica a ação pareada dos dois lados,
para tentar detê-lo.

Os EUA já estão soprando as chamas do violento nacionalismo albanês na
Macedônia, para obstruir o traçado previsto do Ramo Bálcãs, enquanto a UE propõe
rota alternativa através dos Bálcãs Orientais, como via predeterminada para
excluir a Rússia. As duas forças euro-atlânticas conspiram juntas,
indiretamente, para derrubar o governo grego, seja por uma eleição
'pré-programada' ou golpe interno que tire Tsipras do governo, sabendo que esse
movimento singular implicará golpe forte e quase imediato contra o Ramo Bálcãs.

Embora ainda não se saiba o que eventualmente acontecerá com Tsipras ou com o
gasoduto russo em geral, é indiscutível que os Bálcãs tornaram-se um dos
principais e repetidos nodos de confrontação na Nova Guerra Fria, e que a
competição entre o mundo unipolar e o mundo multipolar nesse teatro
geoestratégico está só começando. *****


28/6/2015, Andrew Korybko, Vineyard of the Saker
http://thesaker.is/eastring-vs-balkan-stream-the-battle-for-greece/

In
port.pravda.ru
http://port.pravda.ru/news/cplp/04-07-2015/38989-anel_leste-0/
28/6/2015





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