quinta-feira, 23 de julho de 2015

Durmam de botina; a história de um acampamento Sem Terra no Paraná





Reportagem com ensaio fotográfico conta a história de um dos maiores
acampamentos da atualidade no Brasil.



Por Leandro Taques
Do Jornalistas Livres


‘Durmam de botina’ foi a senha na tarde daquela quinta-feira, no dia 17 de
julho, há um ano, no Acampamento Herdeiros da Terra de 1º de Maio. Feito na
divisa entre o Assentamento Ireno Alves e as terras de uma grande madeireira nos
municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Quedas do Iguaçu, na região centro-sul do
estado do Paraná.

O clima no acampamento se transformou. Uma mistura de ansiedade, medo, tensão e
felicidade. Aquelas famílias já estavam por ali há mais de 60 dias. A ocupação
era aguardada. A hora se avizinhava. “Vamos para a nossa terra, terra pra
produzir comida”, falavam. Homens, mulheres, crianças, jovens e idosos todos com
um só objetivo: a conquista.


A movimentação no acampamento, àquela altura com mais de 2mil “cadastros” —
cerca de 5mil pessoas — , aumentou. Sacolas, malas, fogões, ferramentas, tudo
sendo empacotado e carregado. Carros velhos, caminhões, tratores, kombis,
motocicletas… Organizados, em menos de três horas tudo estava pronto. Uma fila
de carros se formou, o trânsito no acampamento ficou complicado.


Afinal, o MST só existe por causa da terra. Lutar pela terra, fazer a reforma
agrária e transformar a sociedade, eis os pilares do Movimento.


Eram 18h quando, a qualquer momento, aquele mundão de gente marcharia para a
conquista do chão para produzir. Mas não foi às 18h. Nem às 19h, nem às 20h.
Somente a meia noite veio a orientação para a coluna avançar. E lá se foram os
Sem Terra, ocupar e resistir, para produzir. A ocupação ocorreu de forma rápida,
não houve resistência. O único imprevisto foi um temporal que encharcou tudo.
Mas apesar do aguaceiro, na manhã seguinte já se via os barracos sendo
levantados e as roupas, os colchões e cobertores secando ao sol que brilhava.


O Acampamento Herdeiros da Terra de 1º de Maio tem uma característica peculiar:
muitos dos acampados são filhos de assentados da região. Região essa que tem um
longo histórico no que diz respeito à luta agrária. Foi ali, que na década de 90
o MST realizou a maior ocupação da sua história. Em 1996, mais de 3.340 famílias
ocuparam a antiga fazenda Giacomet-Marodin e conquistaram o maior conjunto de
assentamentos da América Latina. Em 2014 a ocupação foi na Fazenda Rio das
Cobras, em terras da mesma empresa, que hoje atende pelo nome de Araupel. Os Sem
Terra denunciam que as atuais terras da empresa tem um histórico de apropriação
ilegal e grilagem.


Um ano de resistência


Apesar da intensa campanha difamatória realizada pela empresa Araupel para
deslegitimar os Sem Terra, os camponeses resistem. Hoje, o acampamento está
organizado com 2500 famílias, cerca de 7 mil pessoas. Já recuperaram variedades
de sementes crioulas e utilizam sistemas de controle biológico.


Cultivam, coletivamente, 200 hectares de terra. Produzem de forma agroecológica
uma imensidão de frutas e verduras. Hortaliças, mandioca, feijão, arroz,
abóbora, milho. Criam galinhas, porcos e algumas cabeças de gado. A maior parte
da produção é para consumo próprio, mas já se comercializa uma pequena
quantidade em feira livre no município de Rio Bonito do Iguaçu.


Dimas da Silva Lemes, 68 anos e uma energia de criança, responsável por uma
horta comunitária que produz “tudo de época”, e “não tem veneno, é orgânico, é
tudo limpinho”, afirma que está na luta por um pedaço de terra pois, quando
trabalhava na cidade, queria que quando se aposentasse “fosse para um lugar
pacato”.


“eu e minha mulher estamos na luta. Se não for agora, logo teremos nos tantinho
para produzir”.

Dimas também é voluntário na cozinha da Escola Itinerante do acampamento. “Em
breve vou começar a ensinar a criançada a plantar e cuidar da horta da escola.
Hoje a gente vai no mercado e não sabe o que está comprando nem comendo.
Aprendendo a plantar e cuidar, a criançada vai saber a importância de produzir
sem venenos”.


A educação

A Escola Itinerante do acampamento atende 560 alunos da educação infantil,
ensino médio e ainda turmas de EJA fase I, II e III. Segundo Juliana Cristina de
Mello, acampada e educadora, a Escola Itinerante tem características próprias.

“A educação no acampamento é diferente, a forma de se abordar a questão do
conhecimento é sempre buscando despertar o senso crítico no sujeito. A forma de
tomada de decisões da escola, conta com a participação da comunidade e dos
educandos”, comenta.

Uma das dificuldades apontadas por Juliana é a rotatividade dos professores da
rede estadual que trabalham no acampamento. “Temos alguns professores que estão
acampados, com esses conseguimos construir essa forma de educar diferenciada.


Mas a maioria são professores que não conhecem a nossa pedagogia e também não
sabemos até quando darão aulas por aqui. Não dão conta de assumir compromisso
com a proposta pedagógica. Por isso defendemos que o professor possa ter 40
horas fechadas em uma única escola”.


Juliana Ribas, sem-terrinha, 12 anos, lembra que a escola itinerante levou dois
meses para ser instalada. “Antes da itinerante funcionar aqui no acampamento era
complicado para estudar. Tinha um ônibus que levava a gente lá na escola do
assentamento Marcos Freire, mas sempre ficava gente pra trás, não cabia todo
mundo”.


“..Atualmente, com a escola funcionando no acampamento, Juliana não perde mais
aulas. “Agora não perdemos mais aulas, a nossa escola funciona em ciclos de
formação humana, trabalhamos com as porções da realidade e fica melhor para
aprender porque é de acordo como o que a gente vive, de acordo com a nossa
realidade, é a pedagogia do MST”.


Mesmo assim, a sem-terrinha se preocupa com o futuro da educação. “Eu estou com
medo de quando a gente for para o lote mudar toda essa realidade. Aqui a gente
está perto de todo mundo. Nosso acampamento está bem estruturado. Tem a rádio
poste que a gente usa para informar as pessoas, quando tem alguma urgência. Tem
o mercado, a panificadora, a borracharia”, comenta.

Perguntada se sabia o que gostaria de “ser quando crescer”: “Antes eu sabia. Eu
queria ser policial. Mas de acordo com a minha realidade agora, essa profissão
não serve mais. Veja, nem todos os policiais são assim mas muitos dizem que
sem-terra não presta, que está invadindo as terras. Os sem terra estão ocupando.
Essas terras aqui são griladas, foram tomadas a força. Isso não é justo”.

Sobre a Reforma Agrária, Juliana explica que as terras griladas da Araupel
servem só para monocultivo de madeira. “O povo que está aqui quer terra para se
manter, plantar arroz, feijão, alimento saudável. O monocultivo gera pouco
emprego e a renda é só para um e nem sempre fica no país, manda lá para fora.
Quando a gente chegou aqui, não existia nem formiga nestas terras, de tanto
veneno que era passado aqui”.

Ainda indagada sobre a dificuldade para se fazer a distribuição de terra,
Juliana aponta a corrupção como responsável. “

O burguês lá de cima, sabe que a vida não é fácil para o pobre, que é preciso
distribuir a terra. Aí vai lá e paga para a rádio, paga para o político dizer
que a terra não é grilada, que não é da União. Ele ganha milhões e acha que pode
comprar tudo. Ele quer que seja tudo dele, para fazer monocultura”.

Um novo momento da luta pela terra


Antônio de Miranda, da direção nacional do MST, aponta um bom momento da luta
pela terra. “O MST vem fazendo uma intensificação da luta. Temos vários focos de
ocupação. Em Goiás, no Mato Grosso do Sul, e aqui no Paraná temos uma boa
perspectiva, uma análise que seja possível, ainda neste ano, sair o processo
para constituirmos o assentamento”, comenta.


Miranda também aponta que, de acordo com o planejamento que já vem sendo feito
com as famílias, o futuro assentamento terá uma forma de sociabilização
diferente. “Planejamos um assentamento menos “quadrado”, com os lotes mais
próximos. No que diz respeito a produção, será agroecológica, saudável. “Também
temos algumas famílias debatendo a produção de leite, grãos e frutas”.


Indagado sobre o lançamento do Plano Agrícola e Pecuário 2015/16, com R$ 180
bilhões, 20% a mais que o ano passado, Miranda lamentou. “Lamentável o volume de
recurso que vai para o agronegócio. Lamentável a prioridade que o governo dá
para a agricultura que tem a produção voltada para as commodities de exportação,
principalmente soja e milho”.


Para a agricultura familiar, que também teve um acréscimo de 20% nos recursos,
totalizando R$ 28,9 bilhões, Miranda comenta que esse volume não corresponde a
quantidade de famílias produzindo no campo. “Se todas as famílias acessassem o
recurso faltaria dinheiro. Do jeito que está, o Pronaf é excludente, contempla
não mais que 80 mil famílias. O volume de recurso não é a questão e sim a forma
de se ter acesso ao recurso. Sobre o Plano da Reforma Agrária que vem aí,
esperamos que seja para a conquista de áreas. Não dá para o governo ficar no
discurso de melhorias dos assentamentos.


No último período, o MST e outros movimentos que lutam pela terra não obtiveram
conquistas de áreas, novos assentamentos. O que houve foi regularização
fundiária e não desapropriação para assentar novas famílias. E o reflexo disso a
gente percebe no preço dos alimentos. A agricultura familiar não está
produzindo. Se investe na agricultura para exportar e o alimento precisa ser
importado, com isso os preços sobem. Precisamos de mais áreas e de recursos
desburocratizados para produzirmos alimentos saudáveis”, finalizou.


Juventude Sem Terra


Característica peculiar do Acampamento Herdeiros da Terra de 1º de Maio foi a
construção, desde a massificação, por jovens, em especial filhos de assentados.
Wellington Lenon, acampado e do setor de comunicação do MST, explica que um
coletivo de jovens, desde a época do acampamento base se mobilizava junto às
famílias dos assentamentos da região para o debate e construção da ocupação.
Essa foi a primeira tarefa da juventude. “O papel da juventude foi de mobilizar
e organizar a própria juventude para ocupar.


Agora, depois de um ano, essa mesma juventude vem discutindo as estratégias para
a resistência na área e a inserção destes jovens ocorre em todas as instâncias
do acampamento. Desde a coordenação, passando pelos setores. Temos um coletivo
pensando a questão da renda, escrevendo projetos, participando de editais. Temos
um coletivo que organiza a cultura e a comunicação. Outro grupo já inicia os
debates sobre a agroecologia. Tem muito jovem do acampamento fazendo os cursos
que o MST oferece de agroecologia, agronomia. A Juventude tem um papel
permanente aqui no acampamento”.


Lenon explica ainda que se debate com profundidade a questão da permanência da
juventude no campo. “Sempre abordamos o tema do êxodo da juventude que conquista
o assentamento e as vezes é induzida pelas indústrias ou pela própria mídia a
deixar o campo. Fazemos essa reflexão de que precisamos garantir a nossa
permanência e com isso construir as demandas para que essa permanência se
efetive. Que assentamento queremos. Queremos esporte, lazer, cultura,
comunicação. A juventude do campo precisa de acesso. Garantir, principalmente, o
acesso a educação de qualidade. Para permanecermos no campo, mas não só para
trabalhar na roça. Para permanecermos no campo com formação. Com saúde, médicos,
assistência técnica. Precisamos garantir nossos direitos. Por que não podemos
ter um teatro ou um cinema no assentamento? É um direito da juventude”.

In
MST
http://www.mst.org.br/2015/07/21/durmam-de-botina-a-historia-de-um-acampamento-sem-terra-no-parana.html
21/7/2015

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