sexta-feira, 17 de maio de 2019

Eduardo Moreira para Stedile: Brasil precisa deixar de ser refém do 1% mais rico





Em conversa com João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o ex-banqueiro Eduardo Moreira
analisa os motivos e as saídas da crise para a retomada do
desenvolvimento econômico e social do país: "No Brasil, as pessoas que
detêm esses meios de produção não têm a menor ideia de como gerar riqueza"




-* A crise econômica brasileira se arrasta com altos níveis de
desemprego e um aprofundamento da crise de representação política. Em
conversa com João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), para o Brasil de Fato, o
ex-banqueiro Eduardo Moreira analisa os motivos e as saídas da crise
para a retomada do desenvolvimento econômico e social do país.

Moreira fez carreira no mercado financeiro, tendo sido sócio do BTG
Pactual, mas recentemente tem se destacado por denunciar desmandos da
elite econômica brasileira. Sua participação na Comissão de Direitos
Humanos, questionando os efeitos sociais da reforma da Previdência (PEC
06/2009), viralizou nas redes sociais. O ex-banqueiro também publicou um
documento chamado "44 coisas que você precisa saber sobre a reforma da
Previdência".

Para ele, o principal motivo da crise brasileira é a concentração de
riquezas nas mãos de poucos.

Em sua análise, o Brasil "está refém" do 1% mais rico, que um ambiente
de chantagens em que o crescimento econômico está condicionado as suas
regras. Quando as demandas desse grupo privilegiado são acatadas, o
resultado tem data de validade curta, produzindo o que chama de "voos de
galinha".

Posta como uma solução para a crise, a reforma da Previdência de
Bolsonaro, teria dois objetivos, de acordo com Moreira: liberar recursos
para pagamento de juros da dívida pública e condicionar trabalhadores
brasileiros a trabalhar sem parar até morrer.

Da “economia” de R$1 trilhão nos primeiros 10 anos prometida pelo
governo, 84% viria do INSS, onde ninguém ganha mais que o teto de R$5,8
mil e 90% ganha até três salários mínimos.

Para Moreira, a única saída é distribuição de renda, o combate à
desigualdade.

*João Pedro Stedile: O Brasil vive uma grave crise econômica, e como
resultante dela, uma crise social com os índices de desemprego,
precarização do trabalho. Quem é o culpado por essa crise?*

*Eduardo Moreira:* Culpado é o fato de estarmos sentados num baú de
tesouros, com imensas riquezas. Poucos países têm tanta riqueza quanto o
Brasil. Temos petróleo, água potável, vento, incidência de luz, costa
pesqueira, minérios. Tudo o que você puder imaginar.

Mas a chave desse baú está na mão de pouquíssimas pessoas. Não existe
nenhum país no mundo que tenha tanta concentração das terras, dos meios
de produção, do capital tecnológico, como a gente tem aqui.

Essas pessoas, a iniciativa privada que concentra essa riqueza, usam
esse poder para tornar a nação inteira refém dela e, de crise em crise,
ir negociando condições cada vez mais favoráveis para ela, para poder
continuar exercendo esse poder que ela tem e manter a desigualdade que
só privilegia a ela.

A gente tem no Brasil uma crise enorme, onde a maior parte das pessoas
sabe gerar riqueza, pode gerar riqueza – como a gente vê nos
acampamentos e assentamentos do MST, por exemplo –, mas não têm como
gerar essa riqueza, porque essas pessoas que são os donos dos meios
simplesmente não deixam.

O que é o desemprego que temos? Colocam o país inteiro como refém e
dizem: "Já que o Estado não têm capacidade de investir, e é preciso
investir para gerar riqueza, eu só invisto se você cumprir minhas
regras." Igual quando você tem um refém.

Começa a pedir benefício, quer pagar menos impostos, quer que a mão de
obra, que trata como um tijolo, como se não houvesse uma vida, tenha
menos direitos, custe mais barato. Quando tudo isso for cumprido, vai
investir.

O Brasil vive esses vôos de galinha. Ele vive uma crise, vira refém,
cria essas condições todas, essas poucas pessoas investem, crescemos um
pouco, e o resultado desse crescimento vai para a mão deles. Aí, o
pessoal que trabalhou não têm condições de gerar riqueza, e entramos em
outra crise. No dado mundial, de toda a riqueza que foi gerada no mundo,
82% ficou com o 1% mais rico.

A metade mais pobre ficou com zero. E zero é nada!

*Quem é esse 1%?*

Esse 1% são os donos do capital financeiro, principalmente os bancos,
corretoras, seguradoras; os donos do capital industrial, que cada vez
perdem mais importância, porque estamos vivendo um mundo de serviços e
tecnologia, mas ainda têm importância em vários lugares do mundo; os
donos do capital fundiário, porque no Brasil se tem menos de 1% de donos
das terras tendo mais de 50% das terras cultiváveis.

São esses donos dos meios que colocam o país inteiro de joelhos como refém.

*Diante desse cenário da crise econômica que está aí, o governo
Bolsonaro tem apresentado que a solução para a crise é privatizar,
retirar direitos dos trabalhadores e privatizar a previdência. Você acha
que esse plano do governo vai tirar a economia brasileira da crise?*

Não tem a menor chance. Podemos viver um vôo de galinha, porque esses
poucos que detém o capital no Brasil vão se aproveitar dessa condição
para investir um pouco e dar essa falsa impressão, se tudo der certo, de
que começou a crescer, mas já é um movimento natimorto.

No Brasil, as pessoas que detêm esses meios de produção não têm a menor
ideia de como gerar riqueza. Não sabem colocar um tijolo em cima do
outro, não sabem fazer uma camisa, não sabem plantar uma semente, nada.

Dependem 100% das pessoas que produzem a riqueza, que são os
trabalhadores. Isso dá para ele uma força muito grande, de fazer essa
chantagem, mas ao mesmo tempo os coloca em uma posição de fragilidade.
Porque se esse trabalhador consegue se associar, se unir, e fala para
ele: "da gente você não tira mais nada, agora se vira sozinho". Ele não
é ninguém. Ele desmonta e um dia.

O que o governo está fazendo é simplesmente proteger essa classe,
aprofundando essa dependência, e criando uma barreira entre os que não
têm os meios de produção e os meios de produção.

E como você cria essa barreira? Primeiro, não deixando se associarem.
Segundo, mantendo a taxa de juros alta na ponta, porque o trabalhador ou
trabalhadora que sabe como fazer as coisas não têm a condição de pegar
um dinheiro emprestado para comprar o meio de produção, gerar a riqueza,
numa taxa de retorno maior do que ela tem que pagar de juros.

Se conseguisse fazer isso, inverteria a situação. Por isso os juros são
tão altos no Brasil.

A reforma da Previdência, por exemplo, faz o seguinte: não deixa, em
momento algum, as pessoas terem uma condição em possam parar de
trabalhar. O trabalhador tem que ir até o último dia da vida só com uma
condição para sobreviver: gerar riqueza para os donos dos meios de produção.

No final, estarão se matando no trabalho. Mas não tem problema porque
ele é só um número de planilha. Esse governo mostra e trata as pessoas
como um número de planilha. O governo quer fazer a reforma da
Previdência dizendo que temos que economizar um trilhão. Então, admite
que está lidando com vidas como se fosse uma planilha.

É um governo que aprofunda essa dependência, e nos trata como seres
econômicos de planilhas de Excel. Não somos seres econômicos, somos
seres humanos.

*O governo têm dito que sem a reforma da Previdência não sai da crise.
Explica por que isso é uma falácia.*

Sem a reforma trabalhista não íamos criar emprego também, né. Tem muito
emprego que foi perdido e criado de novo com um valor mais baixo. Além
do desemprego ter aumentado, foi pior que isso, porque os empregos que
substituíram os antigos foram em condições piores e em um valor de
remuneração pior.

A reforma da Previdência, na PEC apresentada pelo governo, mostra de
onde vem o um trilhão que promete economizar. Nos primeiros 10 anos, 84%
vem das pessoas que fazem parte do regime geral de previdência social,
que é o INSS, onde ninguém ganha mais que o teto de R$5,8 mil, e onde
90% ganham até dois ou três salários mínimos. Ou seja, não tem nenhum
privilegiado. E das pessoas que ganham abono salarial, ou BPC, que são
miseráveis, que tem invalidez, ou ganham até dois salários mínimos por
ano. 84% da economia de um trilhão vem dessas pessoas. E aí piora,
quando vemos a previsão do 11º ao 20º ano, 94% vem dessas pessoas.

Os privilégios que o governo diz estar combatendo, que são os altos
salários do funcionalismo público, com alíquotas maiores, corresponde a
0,4% da economia. Faz o seguinte: acima de R$39 mil, do servidor
público, coloca uma alíquota de 100% e cumpre o teto constitucional (risos).

O governo diz estar acabando com a desigualdade, que tem pessoas
ganhando muito com a aposentadoria e estão tirando dinheiro dos pobres.
Mas não é tirando do rico e do pobre que se reduz desigualdade. Todo
mundo está pior com a reforma do que antes.

Mas você chega para a grande parcela da população, para 30 milhões de
pessoas, e corta o que essas pessoas tem hoje em dia para sobreviver,
que é o que aquece as economias da maioria dos pequenos municípios do
país. Corta isso. Como isso vai aquecer a economia?

Tem um estudo do IPEA que mostra que um real que cai na população via
previdência tem um efeito multiplicador de 1,36 no PIB. O dinheiro que
cai para o aposentado é gasto, e isso volta para o governo como imposto,
volta para a economia.

O estudo também mostra que o dinheiro que cai para os ricos via
pagamento de juros, o multiplicador dele é 0,7, o que significa que
freia a economia, porque o dinheiro cai na mão dele e fica parado no
banco, é um dinheiro que não volta para a economia.

É obvio que ao tirar renda da parcela mais pobre da população, em um
país que já é desigual como o nosso, você está freando a economia.

Imagina que estamos no meio de várias árvores. Quando você rega uma
planta, se você rega na folha não vai molhar a raiz. Se você rega na
raiz, tudo é absorvido pela planta. E um pouco chega até na folha. O que
eles não entendem é que se regar na raiz do Brasil, vai chegar até o
empresário também, vai chegar no banco, vai chegar em todo mundo. Eles
vão ter os lucros deles.

*A solução para a crise seriam políticas de distribuição de renda?*

Não tenho a menor dúvida. O Brasil só tem um problema, que é a
desigualdade. O resto é consequência.

Se você pega países que eram extremamente desiguais, como a Noruega, a
Suécia e vários outros, hoje, menos de 100 anos depois, são alguns dos
países mais desenvolvidos do mundo. A Noruega era o país mais pobre da
Europa. Eu desafio qualquer pessoa a falar o contrário.

Como começaram a mudar a realidade? Foi falando sobre matar bandido e
combater a corrupção? Ou foi garantindo a universalidade da saúde, da
educação, uma distribuição de renda melhor e pleno emprego?

Eles falam sobre as músicas das favelas só falarem baixaria e palavrão.
A música é um retrato do que é vivido, não adianta matar o mensageiro, a
música, e o que inspira a música continuar igual. A gente tem que mudar
o que inspira isso tudo. A cultura só representa o que acontece.

*Qual o verdadeiro objetivo da reforma da Previdência?*

Garantir o dinheiro que é necessário para continuar pagando os juros da
dívida pública, que está 25% na mão dos bancos, 25% na mão dos fundos de
pensão dos ricos, 25% na mão dos fundos de investimento dos ricos e 12%
na mão dos investidores estrangeiros. Ou seja, quase 90% na mão das
pessoas mais ricas da nossa elite.

Então, a reforma da Previdência arranja mais R$1 trilhão para garantir
esse pagamento sem que fiquem preocupados e possam continuar acumulando
riquezas em cima do trabalho dos outros.

Além disso, garantir a dependência do trabalhador. O trabalhador tem
que, até o último dia da vida dele, doar a única coisa que tem, que é a
capacidade de trabalho, para acumular riqueza. E a reforma da
Previdência garante que até o último dia da vida o cara vai fazer isso.

*Diante desse cenário econômico, qual a verdadeira saída popular que
você defende?*

A gente tem que gerar riqueza no Brasil. E a gente tem muita riqueza
para ser gerada no Brasil.

Para gerar a riqueza que temos a capacidade, temos que redistribuir os
meios de produção, as terras, o capital tecnológico.

Não existe como fazer o que precisa ser feito no Brasil para as pessoas
poderem viver uma vida melhor sem passar pela redistribuição. Não tem
solução matemática.

Se quisermos que as pessoas mais pobres ganhem R$1,5 mil a mais por mês,
seguindo a mesma distribuição de renda que temos hoje, vamos passar 50
anos com taxa de crescimento alta e não vamos chegar lá. É
matematicamente impossível.

Eu aprendi no MST, quando fui na Copran [Cooperativa de Comercialização
e Reforma Agrária União Camponesa], que tem a agroindústria do leite,
que em 7 anos eles fizeram uma agroindústria que parece que você está na
Europa. Chegam a processar quase 100 mil litros de leite por dia.
Trabalham em três turnos. Conseguem servir ao município, ao estado, à
vários em volta. O que motivou foi o lucro? Ou foi ter uma estrutura que
permitisse que todos construíssem a comunidade que sempre sonharam em
construir?

Isso mostra que a ideia que a academia neoliberal, que é a academia que
reina nas universidades do país, que diz o lucro deve ser perseguido e
isso faz com que o capital acabe se distribuindo da maneira mais justa.
Então o que aconteceu na Copran? Se as outras agroindústrias do leite
estão quebradas no Brasil inteiro, tivemos uma crise enorme por causa do
preço do leite alguns anos atrás, e ela não parou de crescer.

Qual livro explica isso que eu não li?

Se a gente distribuir a riqueza e o acesso ao capital fundiário,
tecnológico, intelectual, industrial, financeiro, a gente vira da água
para o vinho em menos de 20 anos. Viramos uma potência que ninguém vai
entender o que aconteceu.

*O que você acha que está por trás das medidas do governo de querer
cortar recursos da educação?*

O problema é a balbúrdia. Qual balbúrdia? O grande problema [que o
governo vê] na universidade é que eles tem tempo, disposição e
conhecimento. É a única fase na vida que se tem os três ao mesmo tempo.
Já que o mundo que o governo está querendo é um mundo tão esdrúxulo,
visivelmente injusto, é necessário atacar os primeiros a levantar a
bandeira e falar "olha esse absurdo, vamos lutar contra." Essa é a
balbúrdia que eles tem medo.

In
BRASIL 247
https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/393623/Eduardo-Moreira-para-Stedile-Brasil-precisa-deixar-de-ser-ref%C3%A9m-do-1-mais-rico.htm
16/5/2019

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