sábado, 21 de maio de 2016

A Social-democracia apunhaloua revolução Alemã em 1918




Miguel Urbano Rodrigues



Em 1981, a oferta inesperada de um livro da biblioteca de um hotel do Vogtland,
na RDA, estimulou o meu interesse por um período decisivo da História da
Alemanha.

Era o primeiro tomo da Histoire de l ‘Allemagne Contemporaine, de Gilbert
Badia.*

Desconhecia então que o autor era um talentoso historiador comunista que havia
residido na Alemanha de 36 a 38, quando Hitler, firmemente instalado no poder,
preparava, ante a passividade da França e da Inglaterra, a tragédia que foi a II
Guerra Mundial.

O interesse despertado pelo livro de Badia foi tao grande que em diferentes
passagens por Paris tentei sem êxito adquirir o II tomo.

Reli agora com enorme prazer e proveito o I tomo.

PRÓLOGO MAL CONHECIDO

Na primavera de 1917 a maioria do povo alemão acusava o desgaste da guerra. O
sonho da vitória rápida e fácil findara no Marne. Em 1916 na batalha de Verdun,
outra derrota alemã, o exército imperial perdera 250.000 homens.

O bloqueio inglês funcionava e as autoridades impunham um racionamento severo
dos produtos alimentares. No último ano a colheita da batata fora péssima e as
do trigo e do centeio medíocres.

A Revolução de Fevereiro na Rússia contribuiu para que o sentimento de
resignação dos operários e camponeses evoluísse para um desejo cada vez mais
generalizado de paz.

A entrada dos EUA na guerra, em 1917, reforçou a convicção de que a vitória
alemã era impossível. A guerra submarina sem restrições não atingira também o
objetivo.

A primeira manifestação expressiva do descontentamento popular ocorreu em abril
desse ano quando 250.000 metalúrgicos entraram em greve em 300 empresas. A
amplitude do movimento surpreendeu o governo. Os trabalhadores exigiam «pão,
liberdade e paz».

Na Marinha de guerra, imobilizada em Kiel e noutras bases navais, o desejo de
paz era transparente. No dia 6 de junho os marinheiros do Prinz Luitpold
entraram em greve da fome e os do Friedrich der Grosse exigiram a melhora do
rancho. A agitação estendeu-se a outros navios. 400 tripulantes do Prinz Regent
promoveram em terra um comício.

A reação do almirantado foi brutal. Cinco marinheiros foram executados e dezenas
condenados a pesadas penas de prisão. Mas a agitação na Marinha prosseguiu e
acentuou-se após a vitória da Revolução de Outubro.

Em janeiro de 1918 explodiu uma vaga de greves em Berlim, Kiel, Hamburgo,
Leipzig, Colónia, Breslau, Munique, Nuremberga e outras cidades.

O SPD, o Partido Social Democrata – que fora marxista e revolucionário na época
de Marx¬ – já era então revisionista sob a direção de Kautsky, Bernstein e
Hilferding – atuou como cúmplice dos militares, e os dirigentes sindicais
esforçaram-se por desmobilizar os grevistas.

Hindemburgo e Ludendorff, apoiados pela burguesia industrial e pelo capital
financeiro, exigiram uma repressão violenta. O Kaiser Guilherme II, por eles
tutelado e totalmente desprestigiado, pouco mais era já do que uma figura
decorativa.

O mal-estar aumentou quando foram divulgadas as cláusulas de Brest-Litowsk em
março de 1918. Contrariando a aspiração a uma «paz sem anexações», a Alemanha
anexava uma parte da Polónia e dos países bálticos e ocupava a Ucrânia.

A REVOLUÇÃO DE NOVEMBRO

Ludendorff acreditava que a transferência de tropas da Rússia para a frente
ocidental garantiria a vitória da Alemanha. Mas as suas ofensivas da primavera e
do verão fracassaram. Em Outubro a derrota militar da Alemanha era já uma
certeza.

A MARINHA DESENCADEIA A REVOLUÇÃO

No dia 3 de Novembro generalizou-se a rebelião da Marinha.

No dia seguinte, Kiel estava nas mãos dos marinheiros amotinados. O exército
recusou intervir. Nos navios de guerra e nas fábricas formaram-se Conselhos de
Operários e militares, inspirados pelos sovietes russos, desfraldando a bandeira
vermelha da revolução.

No dia 10 de Novembro em toda a Alemanha o poder real estava nas mãos dos
Conselhos.

Mas – escreve Gilbert Badia – «esses revolucionários são pacíficos. Os 14 pontos
que submetem ao governador da praça constituem um programa anódino: exigiram, a
libertação dos presos, a liberdade de imprensa, a mesma alimentação dos oficiais
e a anulação da ordem de saída da esquadra para o alto mar».

Gustav Noske, então um obscuro deputado social-democrata, viria a desempenhar um
papel decisivo na contrarrevolução. Conseguiu ser eleito presidente do Conselho
dos Operários e Marinheiros de Kiel, e nomeou-se a si mesmo governador da
cidade. Mais tarde revelou que procedera assim para conter a rebelião.

Como explicar o afundamento súbito e total de um regime que meses antes parecia
sólido e contar com o apoio da maioria da população?

Na realidade ninguém inicialmente se levantou para o defender.

Badia sublinha, porém, a fragilidade dos Conselhos Populares. Quase tudo era
espontâneo. Não havia uma organização, um partido a dirigir a revolução. Os
Espartaquistas, liderados por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, tinham uma
influência reduzida fora das grandes cidades. Constituíam aliás uma pequena
minoria na USPD, o partido nascido de uma cisão do SPD.

A propaganda anti-bolchevique desempenhou um papel fundamental na derrota da
revolução. O medo do comunismo alarmou um povo profundamente conservador. Foi
uma arma poderosa que contribuiu para despertar a burguesia alemã, humilhada
pela derrota militar.

A MUDANÇA NA CORRELAÇÃO DE FORÇAS

Nos últimos meses da guerra a correlação de forças alterara-se bruscamente.
Enquanto o prestígio da monarquia caía para um nível muito baixo e o discurso
dos militares perdia toda a credibilidade, o Partido Social Democrata adquiria
de repente um protagonismo enorme, preenchendo o vácuo político posterior ao
Armistício assinado em Compiègne a 11 Novembro.

O SPD ao longo da guerra nunca criara problemas ao governo imperial.

Quando assumiu o governo, após a abdicação e fuga do Kaiser Guilherme II, era o
único partido que mantinha uma grande e sólida organização. Dispunha de quadros
experientes e controlava os sindicatos.

«Num país – escreve Badia – em que os sentimentos de ordem e disciplina assentam
numa antiga tradição recebeu a adesão da maioria dos funcionários, porque estava
no poder, e de uma parte das classes médias que não são necessariamente
conservadoras, mas que não eram insensíveis à propaganda da burguesia que tendia
há muito a identificar o socialismo com desordens sangrentas».

Quando irrompeu a Revolução, o SPD foi para a grande burguesia o partido
indicado para formar o governo de transição.

O presidente do partido, Friedrich Ebert, foi naturalmente designado para
chefiar o poder executivo.

O SPD ainda tinha a confiança de grande parte do proletariado alemão e a maioria
dos Comissários do Povo eram membros do partido. Mas eles funcionaram como
quinta coluna no âmbito do movimento revolucionário. Ebert não afastou generais,
ministros, altos funcionários.

Em Janeiro de 1919, nas primeiras eleições gerais, o SPD recebeu 11 milhões de
votos, mais de um terço dos sufrágios emitidos. Os Independentes da esquerda
revolucionária somente obtiveram 2.300.000 votos (menos de 10%).

Ebert era um monárquico arrependido que odiava a revolução e o socialismo.
Embora durante breves semanas o poder real pertencesse aos Conselhos de
Operários e Soldados, ele tratou de o exercer no quadro das instituições
existentes que tinham subsistido quase integralmente.

Ebert aliou-se às forças reacionárias, nomeadamente ao corpo de oficiais
prussianos, núcleo do exército permitido pelo Tratado de Versailles.

Como afirma Badia, «a tragédia alemã é a história dessa escolha da
social-democracia, da sua aliança com as forças mais reacionárias do antigo
regime».
Em 1924, Ebert confessou que se entendera com o marechal Hindemburgo «para
formar com a sua ajuda um governo capaz de restabelecer a ordem».

O choque decisivo começou em Berlim no início de janeiro de 1919. Nos cinco
meses seguintes os revolucionários alemães lutaram com coragem mas foram
esmagados gradualmente nos diferentes estados do país. A República de Weimar foi
fundada num banho de sangue.

Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht foram presos e assassinados em janeiro de
1919.

A República dos Conselhos da Baviera – o rei fugira – foi o último bastião
revolucionário a cair, em maio.

Na Alemanha os historiadores sérios reconheceram após o fim do III Reich que
cabe ao SPD grande parte da responsabilidade pela criação das condições que
permitiram o acesso de Hitler ao Poder absoluto em 1933.

***

Ebert faleceu em 1924 na Presidência da República de Weimar.

A classe dominante alemã glorificou-o. O traidor da social-democracia foi
guindado a herói nacional.

Uma Fundação perpetua o seu nome. É útil recordar que essa Fundação financiou
generosamente o Partido Socialista Português (criado aliás na Alemanha) por
intermedio de Mário Soares, que múltiplas vezes elogiou Friedrich Ebert como
«eminente democrata».


*Gilbert Badia, L’Histoire de l‘Allemagne Contemporaine,1917-1933,tome
premier,335 pg, Éditions Sociales, Paris 1964.

Serpa, Maio de 2016

In
O DIARIO.INFO
http://www.odiario.info/?p=4021
20/5/2016

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