terça-feira, 3 de maio de 2016

O Império do Caos ataca outra vez





por Pepe Escobar [*]

Logo depois de a moção de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff
ter sido aprovada no Congresso brasileiro, no que denominei Guerra
híbrida das hienas , o ansioso para ser presidente Michel "Brutus" Temer,
um dos articuladores do golpe, despachou um senador para Washington como
garoto de recados especial a fim de dar notícias do golpe em curso. O
senador em causa não ia em missão oficial do Comité de Relações Exteriores
do Senado.

Brutus Temer estava alarmado pela reacção global dos media, os quais
estão progressivamente a interpretar o que ele está a fazer – aliado a
Brutus Dois, o notoriamente corrupto líder da câmara baixa Eduardo Cunha –
como aquilo que realmente é: um golpe.

A missão do senador, alegadamente, era lançar uma ofensiva de RP a fim de
contrariar a narrativa do golpe, a qual, segundo Brutus Um, "desmoralizava
instituições brasileiras".

Asneirada. O senador garoto de recados foi enviado para contar ao
Departamento de Estado dos EUA que tudo estava processar-se de acordo com
o plano.

Em Washington, o senador garoto de recados resmungou: "nós
explicaremos que o Brasil não é uma república de bananas". Bem, não era,
mas agora, graças à Guerra híbridas das hienas, já é.

Quando se tem um homem que possui 11 contas bancárias ilegais na Suíça,
listado nos Panama Papers e já sob investigação pelo Supremo Tribunal a
controlar o destino político de toda uma nação, tem-se uma república de
bananas.

Quando se tem um farisaico juiz provinciano a ameaçar prender o
ex-presidente Lula por causa de um modesto apartamento e uma quinta que
ele não possui, mas que ao mesmo tempo é incapaz de por um dedo sobre
Brutus Dois, ao lado de juízes pomposos do Supremo Tribunal, tem-se uma
república de bananas.

Agora compare-se a não reacção de Washington com a de Moscovo. O
Ministério das Relações Exteriores russo, através da irrepreensível Maria
Zakharova, enfatizou a crucial parceria BRICS bem como as posições comuns
Brasil-Rússia no âmbito do G20. E Moscovo deixou claro que os problemas
do Brasil deveriam ser resolvidos dentro da "estrutura constitucional
legal e sem qualquer interferência externa".

Toda a gente sabe o que significa "interferência externa".

Retomada da Dominância de Espectro Pleno (Full Spectrum Dominance)

Tenho estado a seguir o golpe em curso no Brasil com uma ênfase especial
na Guerra Híbrida apoiada/dirigida pelos EUA, determinada a destruir "o
projecto neodesenvolvimentista para a América Latina – unindo pelo menos
algumas das elites locais, investindo no desenvolvimento de mercados
internos, em associação com as classes trabalhadoras". O objectivo chave
da Guerra Híbrida, neste caso, é instalar uma restauração neoliberal.

Obviamente o alvo chave tinha de ser o Brasil, um membro do BRICS e a 7ª
maior economia do mundo.

Os falcões imperiais vão directamente ao ponto quando listam as
ferramentas da Guerra Híbrida e os objectivos que nos idos de 2002 o
Pentágono definiu como Dominância de Espectro Amplo. Assim, "o poder
estado-unidense decorre do nosso poder militar sem par, sim. Qualquer
coisa que expanda o alcance de mercados dos EUA – tais como a Parceria
Trans-Pacífico no comércio, por exemplo – aumenta o arsenal do poder
estado-unidense. Mas num modo mais profundo, é um produto da dominância da
economia dos EUA".

Mas a economia dos EUA está longe de dominante. O que importa agora é o
que conduz "negócios para longe da América, ou permite a outros países
construírem uma arquitectura financeira rival que esteja menos
sobrecarregada por uma grande variedade de sanções".

"Arquitectura financeira rival" tem a palavra BRICS gravada sobre ela. E
uma "grande variedade de sanções" não foi suficiente para fazer o Irão
gritar pelo tio; Teerão continuará a praticar uma " economia de
resistência ". Não por acaso, dois dos BRICS – Rússia e China – bem como o
Irão, caracterizados pelo Pentágono como as cinco principais ameaças
existenciais, juntamente com a Coreia do Norte com armamento nuclear e,
como última prioridade, o "terrorismo".

A Guerra Fria versão 2.0 é essencialmente acerca da Rússia e da China –
mas o Brasil também é um actor chave. Edward Snowden revelou como a
espionagem da NSA estava centrada na Petrobrás, cuja tecnologia
proprietária era responsável pela maior descoberta de petróleo do jovem
século XXI, as reservas do pré-sal. O Big Oil dos EUA está excluído da sua
exploração. Isso é um anátema e exige a aplicação de técnicas de Guerra
Híbrida embutidas na Dominância de Espectro Amplo.

As elites compradoras brasileira têm jogado alegremente este jogo. Há
mais de dois anos analistas do [banco] JP Morgan já dirigiam seminários
com aplicadores da macroeconomia neoliberal a ensinarem como
desestabilizar o governo Rousseff.

Os lobbies da indústria, comércio, banca e agronegócio favoreceram
ostensivamente o impeachment, como representando o fim do experimento
social-democrata Lula-Dilma. Assim, não é de admirar que o presidente
expectante Brutus Temer faça um acordo abrangente com o Grande Capital –
incluindo juros ilimitados sobre a dívida pública (bem acima da norma
internacional); com a relação entre dívida e PIB destinada a subir; com
crédito caro e o corolário de cortes na saúde e educação.

No que se refere a Washington, e isso é bi-partidário, está absolutamente
fora de questão permitir uma potência regional autónoma no Atlântico Sul,
abençoada com riquezas ecológicas sem rival (pense-se nas florestas
pluviosas da Amazónia e em toda aquela água, a par com o aquífero Guarani)
e ainda por cima estreitamente ligada a membros-chave do BRICS, a Rússia e
a China, os quais têm as suas próprias parcerias estratégicas.

O factor pré-sal é a cereja neste bolo tropical. Está fora de causa para
o Big Oil dos EUA permitir à Petrobrás ter o monopólio da sua exploração.
E por precaução, se necessário for, a 4ª Frota dos EUA já está posicionada
no Atlântico Sul.

Um BRICS abaixo, dois que vão

A declarada "guerra à terra" do regime Cheney perturbou o Império do
Caos por demasiado tempo. Agora finalmente vem uma ofensiva do caos –
coordenada, global. Desde o Sudoeste asiático ao Sul da Ásia, o sonho da
Guerra Híbrida seria alguma espécie de caos iraquiano a substituir os
governos da Arábia Saudita, Irão, Paquistão e Egipto – como, actuando por
trás, o Império do Caos está a tentar arduamente na Síria apesar de a
dinastia Assad ter sido um aliado "secreto" dos EUA durante décadas.

Os Mestres do Universo que estão acima do jornaleiro Obama decidiram
apunhalar a Casa de Saud pelas costas – o que não é necessariamente uma
coisa má – quanto ao Irão. O desejo profundo prevalecente era ter o gás
natural do Irão a substituir na Europa o gás natural da Rússia, levando
assim ao colapso da economia russa. Grande fracasso.

Mas ainda há uma outra opção: o pipeline de gás natural do Qatari através
da Arábia Saudita e da Síria, também a substituir o gás natural russo no
mercado europeu. Este continua a ser o objectivo principal da CIA na Síria
– pouco importa o Daesh, o falso califado, isso é só propaganda.

A CIA também se entusiasma com [a possibilidade] de destruir a economia
russa através de uma guerra de preços no petróleo – e eles não querem que
pare. Portanto, faz pairar sobre os sauditas aquelas famosas 28 páginas
sobre o 11/Set a fim de manter em andamento a guerra de preços no
petróleo .

A CIA também tenta como louca atrair Moscovo a uma armadilha síria, tal
como no Afeganistão na década de 1980. E tal como fizeram com o golpe de
Kiev, chegaram a ordenar aos militares da Turquia, a qual é sua agente, o
derrube de um Su-24 russo. O "problema" é que o Kremlin não mordeu a maçã
envenenada.

Remontando à década de 1980, a combinação da Casa de Saud libertando suas
reservas em conjunto com a gang petrodólar do GCC (Conselho de Cooperação
do Golfo) conduzindo o preço do barril para os US$7 em 1985, juntamente
com a operação Afeganistão-Vietname, acabou por levar a URSS à bancarrota.
Comprovadamente, toda a operação foi brilhante – na concepção e na
execução; uma Guerra Híbrida de análise económica mais Vietname. Agora, "a
liderar por trás", o Dr. Zbig "Grand Chessboard" Brzezinski – mentor da
política externa de Obama – está a tentar alcançar um truque semelhante.

Mas atenção, temos um problema. A liderança de Pequim, já preocupada com
o aperfeiçoamento do modelo chinês de desenvolvimento, viu claramente o
esforço do Império do Caos para dividir e dominar (e conquistar) o mundo
todo. Se a Rússia fosse abaixo, a China viria a seguir.

Foi apenas em 2010, virtualmente ontem, que a inteligência dos EUA
encarou a China como a sua maior ameaça militar e começou então a
movimentar-se contra o Império do Centro por meio da "rotação para a
Ásia". Mas subitamente a CIA percebeu que Moscovo havia gasto um milhão de
milhões (trillion) de dólares saltando duas gerações à frente em mísseis
defensivos e ofensivos – sem mencionar submarinos; as armas preferenciais
para a III Guerra Mundial.

É nesta altura que a Rússia é entronizada como a grande ameaça. A vigiar
cuidadosamente o tabuleiro de xadrez, a liderança de Pequim acelerou então
a aliança com a Rússia e os BRICS como força alternativa, criando em
Washington um terramoto de proporções absolutamente devastadoras.

Agora, Pequim articulou habilmente os BRICS como uma séria estrutura de
poder alternativa – com seu próprio FMI, sistema de pagamentos SWIFT e
Banco Mundial.

Cuidado com a fúria de um Império do Caos encurralado. É o que está agora
em jogo contra os BRICS, com o Brasil sob cerco, a queda da África do Sul,
a fraqueza da Índia, a China e a Rússia progressivamente cercadas.
Variações da Guerra Híbrida desde a Ucrânia até o Brasil, pressões
crescente na Ásia Central, o barril de pólvora "Siraque", tudo aponta para
uma ofensiva concertada tipo Dominância de Espectro Pleno a fim de romper
os BRICS, a parceria estratégica russo-chinesa e finalmente as Novas
Estradas da Seda unindo a Eurásia. As guerras do preço do petróleo, o
colapso do rublo, a inundação de refugiados na UE (provocada pelo
"errático" sultão Erdogan), a Operação Gládio do século XXI remistura
tudo, distrai as massas com inimigos imaginários enquanto o terrorismo da
falsa variedade Daesh é manipulado como uma refinada táctica
diversionista.

Isto pode ser brilhante, mesmo magistral, na sua concepção e na sua
execução. E é também impressionante num sentido cinematográfico. Mas sem
dúvida haverá contra-resposta.


26/Abril/2016

Do mesmo autor:
Brazil's Golpeachment: The 1 % Solution , 30/Abril/2016

[*] Autor de Globalistan (2007), Red Zone Blues (2007), Obama does
Globalistan (2009) e Empire of Chaos (2014) e 2030 (2015).

O original encontra-se em www.strategic-culture.org/...


In
RESISGTIR.INFO
http://resistir.info/brasil/escobar_26abr16.html
2/5/2016

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