domingo, 25 de outubro de 2015

A aristocracia não está satisfeita – quer ainda mais






por Eric Zuesse [*]

Uma nova análise do tratado "comercial" TTIP (Acordo de Parceria
Transatlântica de Comércio e Investimento), proposto por Obama, que os EUA
acordariam com a Europa, conclui que ele foi iniciado e modelado por
grandes empresas internacionais, que, ainda de acordo com a única análise
económica independente já feita até agora do TTIP, virão a ser as únicas
beneficiárias do Tratado proposto – tudo à custa do público de cada um
dos países participantes.

Este novo estudo intitula-se "Serviços Públicos sob Ataque" , mas tem um
âmbito maior do que os impactos do tratado proposto para substituir os
"serviços públicos" por serviços privados.

O Corporate Europe Observatory, em 12 de outubro, apresenta o título para
este estudo, "Serviços Públicos sob ataque através do TTIP e do CETA" , e
lista 15 das conclusões essenciais do relatório, na sua opinião. O que se
segue serão citações extensas do estudo, portanto este resumo provém
principalmente do relatório.

O estudo é " publicado pela Association Internationale fr Techniciens,
Experts et Chercheurs (AITEC), Corporate Europe Observatory (CEO),
European Federation of Public Services Unions (EPSU), Instytut Globalnej
Odpowiedzialnoœci (IGO), Transnational Institute (TNI), Vienna Chamber of
Labour (AK Vienna), and War on Want". Portanto, reflete uma preocupação
com os trabalhadores e com os pobres, não só com os proprietários das
empresas – sendo que estes últimos são os únicos patronos e beneficiários
do proposto Tratado.

Este novo estudo começa por definir (pg. 8) "Serviço Público": "Serviços
públicos são os que são prestados por um governo à sua população,
normalmente com base no consenso social de que determinados serviços
devem estar disponíveis a toda a gente, independentemente dos seus
rendimentos". Outra forma de afirmar isto é que um "serviço público" é o
que é prestado aos cidadãos como um direito, disponível a todos
igualmente, em vez de um privilégio, disponível apenas com base na
capacidade de pagar. O "consenso social de que determinados serviços devem
estar disponíveis a toda a gente, independentemente dos seus rendimentos"
é repudiado em tratados como estes, porque reflete a perspetiva
"libertária" (para usar o termo dos EUA) ou "liberal" (para usar o termo
europeu), de que a riqueza duma pessoa reflete a contribuição dessa pessoa
para a sociedade, de modo que as pessoas pobres não tenham direitos
nenhuns. (Em apoio deste ponto de vista, Adam Smith, no seu Lectures on
Jurisprudence, na edição Glasgow de 1762, disse: "Enquanto não houver
propriedade, não pode haver governo, cuja finalidade é garantir a riqueza
e defender os ricos dos pobres".

Escreveu isto numa sociedade e numa época em que na prática toda a
riqueza – ou a pobreza – era herdade dos pais, não era ganha. Descrevia os
pobres como sendo os inimigos. Seus direitos não eram superiores à sua
riqueza, na sua opinião. Manteve esta perspetiva aristocrática toda a
vida). Este ponto de vista é com frequência referido como
"conservadorismo", porque conserva a estrutura de poder existente, em que
os mais ricos (a aristocracia) são os mais poderosos no futuro, tal como
tinham sido no passado. Consequentemente, no Ocidente pelo menos, a
polaridade ideológica é entre o "liberalismo" versus "conservadorismo", os
quais são fundamentalmente o mesmo . O progressismo quase não tem nome,
por enquanto. (Por outras palavras: o "debate" ideológico é falso e está
modelado dos "dois" lados pela aristocracia).

Portanto, os proponentes dos propostos tratados "comerciais" de Obama
intitulam-se, variadamente, "liberais", libertários" e "conservadores",
mas só a terminologia varia, porque a realidade, essa não.

A mesma secção do estudo diz: "Com tratados de comércio livre, como o
CETA e o TTIP, os governos vão perder espaço político para organizar os
serviços públicos de acordo com as preferências da sociedade,
encerrando-se na liberalização e na privatização. Isto está a levantar
grandes preocupações sobre se o lucro irá distorcer a capacidade de esses
serviços serem governados no interesse público. Além disso, as tentativas
do governo de os regulamentar podem ser consideradas 'barreiras ao
comércio' e frustradas".

O Índice do relatório é também um resumo do mesmo:


Sumário
1. Introdução
2. Ligações perigosas: empresas, serviços e comércio
2.1. Uma breve história do lobbying de serviços: o nascimento de GATS
e ESF
2.2. Irmãos: os negociadores da UE que solicitam lobbying empresarial
3. Lista de desejos empresariais para os serviços públicos da Europa
3.1. Serviços públicos: tudo serve!
3.2. Desmantelar a saúde pública
3.3. Concursos competitivos: propostas para contratos de saúde
3.4. Indústria financeira: um agente principal na liberalização dos
serviços
3. 5. Aquisição: ataque aos serviços públicos
3.6. Parcerias público-privadas: lucrar com a austeridade
3.7. A erosão dos serviços universais
3.8. Hollywood: luta contra a exceção cultural
3.9. Prova futura do TTIP: comércio digital nos serviços públicos
3. 10. Bloqueio na privatização
3. 11. Proteção ao investimento – segurança social em perigo
4. Estender a passadeira vermelha: como a UE se curva perante as
exigências empresariais
4. 1. Uma conquista do ESF: privatizar tudo, exceto o esgoto da
cozinha?
4. 2. Agradar ao BusinessEurope: negociação de PPPs
4. 3. Paralisação: nada de recuo da liberalização dos serviços
postais
4. 4. Serviços públicos de água sem proteção
4. 5. Serviços de energia: bloqueio do espaço político
4. 6. Em progressão: serviços financiados por privados
4.7. TNCs e a mercantilização do ensino
4.8. NHS: a venda ao desbarato da saúde pública
4.9. Serviços audiovisuais: nem falar de isenção
4.10. Receitas: a financiarização dos serviços sociais
4.11. ISDS: defender um privilégio empresarial
4.12. Tribunais privados a pronunciarem-se sobre serviços públicos
5. Conclusão: a democracia e a justiça social, e não os acordos
comerciais, ameaçam os serviços públicos

Vamos começar por aqui:

3.1. Serviços públicos: tudo serve!

Para garantir a maior cobertura de serviços no TTIP, os poderosos grupos
de pressão de ambos os lados do Atlântico, o ESF e o CSI recomendaram uma
estratégia especial de negociação, conhecida por "lista negativa", ou
seja, que todos os serviços públicos estão sujeitos a liberalização a não
ser que seja feita uma exceção explícita.

Esta abordagem de "ponham na lista ou esqueçam" alarga o âmbito de um
acordo comercial na medida em que os governos se comprometem em áreas que
nem sequer conhecem, como novos serviços que apareçam no futuro (ver caixa
7 na pg. 28). Marca uma rotura com as listas positivas usadas até agora
nos acordos comerciais na UE, que continham apenas os serviços cujos
governos tinham aceitado liberalizar.

Simultaneamente, os grupos de pressão transatlânticos estão a tentar
impedir as negociações de isentarem quaisquer serviços públicos do acordo
comercial. As campainhas de alarme começaram a soar em fevereiro de 2015,
quando a Comissão do Parlamento Europeu para o Comércio Internacional
redigiu uma resolução TTIP pedindo "uma listagem adequada de serviços
sensíveis, como serviços públicos e abastecimentos públicos (incluindo
sistemas de água, saúde e segurança social, e ensino) que permitam às
entidades nacionais e locais espaço de manobra suficiente para legislar no
interesse público".

Depois, há:

3.2. Desmantelar a saúde pública

O setor da saúde pública é um dos principais alvos dos lobbyistas que
defendem o TTIP, na esperança de capitalizar as crescentes despesas com a
saúde motivadas por populações envelhecidas tanto na UE como nos EUA,
enquanto os setores de saúde pública continuam a sofrer pressões fiscais e
medidas de grande austeridade. Por exemplo, a poderosa Aliança para a
Competitividade nos Cuidados de Saúde (AHC), com sede em Washington, reúne
empresas e associações que representam prestadores de serviços, operadores
hospitalares, seguradoras, produtores de aparelhos farmacêuticos e
médicos, assim como empresas de TI e de logística (incluindo a Abbott,
Johnson & Johnson, Medtronic, UPS, Intel, United Health Group, CSI, PhRMA,
and USCIB). Orgulha-se de ser "a única coligação que defende o fluxo livre
de bens e serviços de saúde a nível do setor dos cuidados de saúde".

A AHC lamenta que "o mundo atual dos serviços de saúde está muito
restrito e fragmentado", mas "um mundo comercial aberto para estes
serviços criaria um grande fluxo novo de receitas para os Estados Unidos
[para os executivos e para os principais acionistas dessas empresas]".

Depois, temos:

3.10. Bloqueio na privatização

Para além de elogiar os mercados abertos de serviços, uma das
características centrais dos acordos de comércio livre, como o TTIP e a
CETA, é a sua capacidade de bloquear eficazmente as liberalizações e
privatizações passadas e futuras – independentemente de quaisquer governos
que sejam eleitos ou dos mandatos ou políticas que possam ter.

Para além de cláusulas "imobilizantes" que ligam irreversivelmente as
políticas existentes, os grupos empresariais exigem a inclusão duma
provisão, chamada "de direção única" que bloqueará eficazmente futuras
desregulamentações.

Depois, temos:

3.11. Proteção ao investimento – segurança social em perigo

Os lobbyistas empresariais estão unidos na sua exigência de terem um
capítulo de ampla proteção ao investimento, no TTIP, incluindo o
controverso mecanismo de Regulação de Disputas Investidor-Estado (ISDS),
garantindo aos investidores estrangeiros o direito exclusivo de evitar
tribunais internacionais. Um dos objetivos empresariais fundamentais é
impedir os governos de quaisquer alterações reguladoras que limitem os
lucros privados.

Depois, temos:

4.1. Uma conquista do ESF: privatizar tudo, exceto o esgoto da cozinha?

Obedecendo às exigências do lobby empresarial, a CETA e o TTIP aplicam-se
a praticamente todos os serviços públicos… excluindo quando muito algumas
funções nucleares de soberania, como a aplicação da lei, o poder
judiciário, ou os serviços de um banco central. [Em linguagem comum, como
Grover Norquist redigiu a questão, "reduzi-lo à dimensão de poder ser
arrastado para a casa de banho e afogá-lo na banheira"].

Depois, há secções que indicam que os serviços postais e o abastecimento
de água devem ser privatizados de modo a só ficarem disponíveis numa base
de lucro, ou seja castigando de forma proibitiva as regiões em que esses
serviços não sejam lucrativos.

4.3. Paralisação: nada de recuo na liberalização dos serviços postais
4.4. Serviços públicos de água sem proteção

O ensino é tratado de forma semelhante. Depois, temos:

4.8. NHS: a venda ao desbarato da saúde pública

O TTIP e a CETA permitirão que investidores domiciliados na América do
Norte explorem liberalizações já efetuadas nos setores da saúde pública da
Europa a para forçar a ainda mais aberturas de mercados e bloquear
privatizações passadas. O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido é um
caso importante em vista.

Depois, há várias secções dedicadas a coisas como:

Alterações regulamentares, como novas leis ou taxas que diminuam lucros
privados, podem ser consideradas como atentados às "legítimas expetativas"
dos investidores", justificando muitos milhares de milhões de euros em
indemnizações [a empresas que forem proibidas de atividade, através de
regulamentações, ou mesmo a empresas que tenham sido multadas]

e

Assim, a "expropriação indireta" presta-se a uma gama extremamente ampla
de interpretações. Por exemplo, os tribunais já denunciaram muitas
regulamentações de interesse público como medidas "equivalentes" a
expropriações – e condenaram estados a pagar muitos milhões de euros de
compensação.

AS PRINCIPAIS FALHAS DO ESTUDO

Uma falha principal deste estudo é que ignora coisas como: Bloqueios de
regulamentações sobre alimentos, medicamentos, segurança automóvel e
outras, de modo que, por exemplo, quando novos estudos científicos ou
outras tecnologias recém-desenvolvidas indicarem que uma atualização duma
regulamentação pode salvar vidas ou de qualquer modo ajudar o público, a
regulamentação não pode ser atualizada, de acordo com o TTIP e outros
tratados semelhantes (exceto se sujeitarem o governo a processos civis
potencialmente paralisantes) o que provocará um aumento crescente do
número de doenças e mortes, já que o governo está congelado, enquanto a
ciência e a tecnologia continuam a avançar.

Isto é feudalismo. O fascismo está para a era industrial como o
feudalismo estava para a era agrária; e isto é fascismo, mas num âmbito
internacional ou imperialista, talvez mesmo o aparecimento de um governo
mundial fascista – exatamente o oposto daquilo para que foram criadas as
Nações Unidas .

O presidente Barack Obama, dos EUA, foi eleito em 2008 com a promessa e
as expetativas do público de que se oporia às iniciativas
antidemocráticas, pró-aristocráticas como estas. O facto de ele agora ir
muito além dos extremistas Ronald Reagan e Margaret Thatcher, prova na
prática que os Estados Unidos já não são uma democracia . (Pelo menos,
aqueles candidatos foram honestos quanto ao seu conservadorismo). Será a
UE uma democracia? Ou irá aceitar a monstruosidade global-aristocrática de
Obama, e promover a aristocracia contra o público, como faz o governo dos
EUA? A hipocrisia é fenomenal.

Quem quiser conhecer o mecanismo com que os tratados mega "comerciais" de
Obama vão funcionar – TTIP, TPP (Trans-Pacific Partnership), e TiSA (Trade
in Services Agreement) – pode encontrar essa maquinaria (o meio de
escravizar o público aos aristocratas) descrita aqui .


19/Outubro/2015

[*] Historiador e investigador, autor de They're Not Even Close: The
Democratic vs. Republican Economic Records, 1910-2010 e de Christ's
Ventriloquists: The Event that Created Christianity

O original encontra-se em www.strategic-culture.org/... . Tradução de
Margarida Ferreira.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

IN
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/crise/eric_zuesse_18out15_p.html
25/10/2015

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