segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Termina o jogo



por Ángeles Maestro

A tragicomédia representada pelo Syriza neste Verão de 2015 teve a
virtude de deixar claro perante grandes sectores da população as chaves do
momento político que caracterizam as sociedades de uma boa parte dos
países da Europa e da América Latina. Tornaram-se evidentes pontos de
ruptura que até este momento só eram percebidos por minorias com
capacidade de influência muito limitada.

As políticas imperialistas no quadro de uma gravíssima crise geral do
capitalismo não têm nenhuma margem de manobra para acções sociais que
melhorem – ainda que minimamente – as condições de vida das suas
populações.

No âmbito da UE e do Euro é impossível qualquer outro tipo de políticas
que não seja o aprofundamento das medidas de austeridade. A capitulação
absoluta do Syriza marca a derrocada dos seus imitadores da "esquerda
radical" ou da "nova esquerda".

Definitivamente, surge em primeiro plano do palco a demonstração palpável
de que não há democracia. Em consequência, ainda que passe algum tempo
para que esta certeza se transforme em consciência política, abre passagem
a convicção de que a via eleitoral não conduz a alguma mudança real e
perdurável nas condições de vida. Não há caminhos intermédios: ou
submeter-se à ditadura do capital, ou preparar-se para uma confrontação
dura e sustentada destinada a destruir as bases do sistema.

O mito da volta ao "Estado de Bem-Estar" e da "Europa Social" [1] – mais
falso que um trapaceiro da rua Sierpes – durante décadas foi sem rubor
utilizado como isco por todo tipo de reformismo, desde os velhos
sociais-democratas até os radicais modernos, passando pelos grandes
sindicados do sistema. O objectivo era prestar o enésimo serviço à
burguesia no sentido de desactivar o conflito social e, sobretudo, evitar
que a classe operária identificasse seus inimigo e, em consequência, suas
tarefas iniludíveis. Sua última e agonizante edição por estas plagas foram
as chamadas Euromarchas, versão camuflada da Cumbre Social e do Podemos
para, fazendo-se passar pelas Marchas de la Dignidad, oferecer um palco
aos líderes "velhos" e "novos" do mesmo reformismo.

Essa máscara, que demorou décadas a cair, ruiu na Grécia em sete meses e
desactiva-se a passos agigantados no Estado espanhol, mostrando que lhes
faltam as condições indispensáveis para serem instrumentos úteis a fim de
resolver os gravíssimos problemas do povo trabalhador.

A enorme crise do capitalismo obriga-o a mostrar sua cara mais brutal. E
manifesta-se tanto no saqueio e na destruição de países da periferia
(ainda que, como demonstra a Ucrânia e demonstrou a Jugoslávia, o fogo
esteja cada vez mais perto do centro), como na liquidação de políticas
sócio-laborais nos países nucleares do sistema e que lhe permitiram em
outros tempos cercar-se de um certo colchão legitimador. Agora já não há
nem sequer migalhas com as quais lubrificar a colaboração de classe.

E na Europa a representação política do imperialismo é a UE e, muito
especialmente, toda a estrutura de andaimes institucionais da Eurozona.
Seu brutal aparelho de dominação, espezinhando qualquer ilusão de
democracia ou de soberania, foi o que se revelou na Grécia perante todos
os holofotes do palco e é o mesmo que governa com mão de ferro todos os
países do Euro.

Red Roja foi praticamente a única organização política que analisou em
pormenor – há mais de dois anos – os infernais mecanismos legais que
concretizam o controle férreo por parte da Troika da despesa de todos os
governos (municipais, autonómicos, estatal e da Segurança Social) para os
objectivos do défice e de redução da divida, em todos os estados que
integram a Eurozona. O Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação
da União Económica e Monetária de 2012 e a Lei Orgânica que o aplica no
Estado espanhol [2] são e serão – para qualquer hipotético governo "de
esquerdas" que possa surgir das eleições gerais – as mesmas couraças de
ferro que se impuseram ao Syriza. Tanto o PP, como o PSOE, como todas as
direitas nacionalistas os apoiaram com o seu voto. E os que não o fizeram,
como a IU e o Podemos, carecem de credibilidade se propõem políticas
anti-cortes sem confrontar esse quadro institucional e legislativo.

Esta realidade incontestável varreu de uma vez as políticas ilusionistas
do Syriza e dos muitos "syrizos" locais que propunham "convencer" a
oligarquia financeira a que pusesse fim aos memorandos alegando as
necessidades peremptórias do povo grego, o respeito à sua soberania e à
democracia para assim, de dentro, reformar a UE e recuperar a "Europa
Social".

A realidade é que o governo do Syriza ou era composto por uma pandilha de
iludidos ignorantes (apesar de seus governos estarem praguejados de
ilustres professores universitários, tal como os seus imitadores daqui) ou
mentiam como velhacos acreditando nas suas próprias mentiras.

É um escárnio e um insulto ao seu povo que se alegue a traição à sua boa
fé depois das centenas de exemplos históricos que mostram com rios de
sangue que o capitalismo, e ainda mais em tempos de crise, não conhece
outros limites senão os da força popular que seja capaz de se lhe opor.

O que interessa saber à classe operária e aos povos da Europa é que o que
prometia o Syriza e o que defendem todas as forças políticas integradas no
Partido da Esquerda Europeia (PEE) – dentre elas Die Linke (Alemanha),
Frente de Esquerda (França), Bloco de Esquerda (Portugal) e no Estado
espanhol pelo Podemos, Partido Comunista da Espanha, IU e Esquerra Unida e
Alternativa – é materialmente impossível. Todos eles arrastam o povo para
o beco sem saída da reforma da UE e da "Europa Social".

O problema do Syriza e de todos eles é que enganam o povo fazendo-lhe
crer que há democracia e que os povos são soberanos, que através das
eleições podem ser resolvidos seus problemas. Primeiro derrotam o povo,
debilitam-no, enlameiam-no com os cantos de sereia eleitorais e
ocultam-lhe suas tarefas históricas. Depois adoptam poses trágicas e dizem
que não se podia fazer outra coisa porque os representantes da Troika são
"anti-democráticos". [3]

O essencial é saber que acaba o jogo. Que a crise acelera os tempos
políticos, que as contradições se agudizam e que desaparecem as formas
intermédias. Quando se aproximam períodos gélidos da luta de classes é
preciso dizer a verdade à classe operária e ao povo trabalhador e convocar
e preparar a organização da resistência para uma etapa de confrontação
longa e dura.

O cancelamento unilateral da Dívida, a saída do Euro e da UE, a
expropriação da banca e dos grandes monopólios e a saída da NATO são
pontos programáticos e de ruptura com a ordem existente incontornáveis.
Mas são inalcançáveis se não se apostar em construir a força operária e
popular capaz de levá-los a cabo.

Se nos pomos de joelhos (ou nos arrastamos como Tsipras), Merkel,
Lagarde, Junker, etc parecem gigantes. No mais, só através da construção
dessa força conseguiremos a melhor garantia para preservar nossos direitos
e conquistas.

As opções reformistas, as mesmas do passado em copo novo, desgastam-se a
muito mais velocidade que as originais. Nós que sabemos que temos pela
frente um sistema em crise gravíssima, que se nutre da destruição da vida
e que administra uma burguesia criminosa, seremos responsáveis se não
aprendermos as duras lições da história.

Urge que multipliquemos nosso empenho para ajudar a que cada vez mais
sectores da classe operária e do nosso povo deixem de ser seduzidos pela
mesma social-democracia travestida de "radicalidade" e vejam claramente
que é irracional esperar alguma mudança positiva mediante opções meramente
eleitorais sem força operária e popular organizada que as apoie. E que a
única opção razoável e que nos pressiona é preparar-nos, com todas as
consequência, para a incontornável tarefa de destruir o capitalismo e
construir o socialismo.


06/Outubro/2015




[1] Red Roja analisou com suficiente rigor o carácter histórico concreto
do chamado "Estado de Bem Estar" no quadro de uma correlação de forças
favorável à classe operária (existência da URSS, derrota do fascismo por
parte do povo em armas), numa etapa de crescimento económico e mediante
uma intensificação da pilhagem e da exploração dos povos da periferia do
sistema. www.redroja.net...
[2] www.redroja.net...
[3] Declarações de Pablo Iglesias após a aceitação pelo Syriza do
terceiro memorando, www.eldiario.es...
[4] "La Maza", Silvio Rodrigues, www.musica.com/letras.asp?letra=59562

O original encontra-se em
www.lahaine.org/est_espanol.php/el-juego-se-termina


IN
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/espanha/a_maestro_06out15.html#notas
19/10/2015

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