sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A fluidez da conjuntura política e os próximos lances





Eduardo Cunha, figura catalisadora do golpismo, deverá ser abatida pela sua
própria volúpia. E abater Cunha é abater também a oposição golpista.

Francisco Fonseca*




A conjuntura política brasileira assemelha-se a um jogo de xadrez cujos
jogadores são amadores, isto é, ou não há claras estratégias e táticas ou as
contradições das “jogadas” torna turva a inteligibilidade do jogo; os lances são
por vezes confusos; e quem estava próximo a vencer se vê, repentinamente, na
iminência da derrota e vice-versa. Isso tudo ocorre numa incrível rapidez e com
lances complexos e muitas vezes bizarros, a ponto de as análises tornarem-se
rapidamente obsoletas.

Tanto da parte da coalizão governista como da oposicionista, com suas
respectivas bases sociais (frações de classes sociais, grupos de interesse,
interesses corporativos e sua emaranhada teia) há um sem-número de contradições.
Exemplos marcantes: a política econômica de tonalidade neoliberal de um governo
que se elegeu contrariamente ao rentismo e ao neoliberalismo; e o apoio da
oposição simultaneamente ao golpismo e a tudo o que representa a figura do
deputado Eduardo Cunha.

Nesse mar de lances sinuosos, de lado a lado, o papel do Supremo Tribunal
Federal, apesar da obtusidade de figuras como Gilmar Mendes e outros, e das
próprias ilegalidades cometidas no julgamento do Mensalão e na atual Operação
Lava Jato, tem sido e, tudo indica, será ainda mais crucial. É fundamental
observar que todas as afrontas aos direitos civis, políticos, trabalhistas e
sociais estão sendo ou serão objeto de deliberação do STF.

A grande aliança golpista no Brasil é composta pelo “baixo clero” parlamentar
representado por Eduardo Cunha (que implica articulação de negócios de variadas
ordens); pelos principais partidos derrotados nas eleições e em franca
decadência (PSDB e DEM); pela grande mídia desde há muito golpista; pelo
rentismo sedento por recuperar seus já altos lucros; pelas frações do capital
vigorosamente articuladas ao capital internacional; pelas classes médias
superiores, fortemente elitistas e arrivistas; pelo sem-número de “inocentes
úteis”; e por todos os conservadores e reacionários, de estratos distintos, que
objetivam a derrota dos direitos (notadamente aos pobres), da esquerda, do PT e
particularmente de Lula.

Ao STF, como se viu nas decisões tomadas em 13/10, barrando os descalabros da
presidência imperial, antiinstitucional e antidemocrática de Eduardo Cunha, cabe
assegurar o Estado de Direito Democrático e o ethos efetivo da Constituição de
1988, não deixando que o fogo alto dos perdedores das últimas quatro eleições
presidenciais queime a democracia política e social, que ainda está à procura de
consolidação.

Embora o Supremo seja marcado por enormes contradições e histórica ligação com
os poderes dominantes, reitere-se, nesse momento histórico – por razões
distintas e complexas – têm cumprido função crucial ao barrar, forma e conteúdo,
a onda reacionária em diversas dimensões e perspectivas. Mas ainda é cedo para
afirmar peremptoriamente que as posições do STF de fato impedirão os
retrocessos, a começar pelo golpismo do impeachment, ou contribuirão para tanto,
em escalas distintas. Aparentemente sim.

Por outro lado, a figura catalisadora do golpismo, Eduardo Cunha – mas também de
Aécio Neves, ambos caricaturas deprimentes da vida política nacional –, em razão
de sua posição institucional e de seu papel agregador do que há de mais obtuso
em termos de interesses políticos, econômicos e civis, deverá ser abatida pela
sua própria volúpia. Enquanto pertenceu ao baixo clero nutriu-se do anonimato
que lhe permitiu transitar pelo pântano do tráfico descarado de influência. Ao
assumir a ribalta do Parlamento, o ralo até então escondido fora aberto,
exalando o que todos sabiam ou desconfiavam, mas não podiam provar.

Esse lance (a provável cassação de Cunha) – talvez um dos poucos méritos da
antiinstitucional e politizada Operação Lava Jato – permite novas jogadas do
governo. Afinal, abater Cunha é abater também a oposição golpista.

Vencer o front político/institucional permitirá ao governo e ao PT avançar rumo
a três outros fronts: a economia, com a saída de Joaquim Levy, indicando com
isso reversão, mesmo que progressiva, do fiscalismo/rentismo; a tentativa de
formalizar um novo pacto de classes entre o empresariado nacional (ou cujas
decisões empresariais sejam tomadas no Brasil) e os trabalhadores, excluindo-se
o rentismo; e a (re)aproximação com os movimentos sociais populares e com as
políticas de corte progressista e de esquerda. Sem isso, aliás, o definhamento
do governo, mesmo que não seja derrubado, será marcante.

Embora conjecturas, trata-se de lances possíveis permitidos pelas recentes
decisões do STF, que incluem também o bloqueio ao financiamento privado de
campanhas; pelo definhamento de Eduardo Cunha e tudo o que isso representa; pela
reforma na coordenação política do governo (com profissionais da negociação
política e pelo maior protagonismo do ex-presidente Lula) no contexto da reforma
ministerial; pelo aumento do sentimento de que impeachment é golpe: dos partidos
de oposição, da mídia, e das classes médias e superiores; pelo esgotamento da
dicotomia falsamente fabricada de que o PT/Governo Federal são os “maus” da
história.

Não se deve, por fim, desprezar o potencial lesivo de Moro, Cunha e da mídia,
entre outros, que podem estabelecer novos lances que conturbem ainda mais o
ambiente político, notadamente contra o Governo Dilma e os direitos sociais e
políticos...o entreguismo do pré-sal etc.

A conjuntura alterou-se favoravelmente à manutenção do governo – até por razões
internacionais, caso da exclusão do Brasil do Mercosul e da Unasul, caso haja o
golpe –, o que implica possibilidade ímpar de derrotar os golpistas, construir
novos pactos e criar novas correlações de força.

Mas o xeque-mate ainda está aberto!

*Prof. de ciência política da FGV/Eaesp e PUC/SP

In
CARTA MAIOR
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-fluidez-da-conjuntura-politica-e-os-proximos-lances/4/34791
21/10/2015

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