quinta-feira, 15 de outubro de 2015

As posições revisionistas (oportunistas) do marxismo, o reformismo burguês e a situação no Brasil de hoje



por Anita Leocadia Prestes [*]

O revisionismo e o reformismo burguês no Brasil

V. I. Lenin, em sua época, mostrou que as tendências revisionistas do
marxismo, embora reconhecessem formalmente a teoria do socialismo
cientifico, na realidade constituíam uma forma da luta da ideologia
burguesa contra as ideias revolucionárias. Segundo o grande artífice da
Revolução Russa de 1917, isso revelava a força do marxismo. "A dialética
da história é tal – escrevia Lenin – que o triunfo teórico do marxismo
obriga seus inimigos a disfarçar-se de marxistas. O liberalismo
apodrecido internamente, tenta renascer sob a forma de oportunismo
socialista" [1] .

As palavras de Lenin revelam-se de uma atualidade surpreendente, quando
se observa o panorama político da sociedade brasileira de hoje. Uma
sociedade, cujas classes dominantes, representadas pelas elites políticas
- ou seja, seus "intelectuais orgânicos", segundo A. Gramsci (Gramsci,
2001:15-25), - tiveram sempre sua atuação marcada pelas soluções de
conciliação entre os distintos grupos de interesses dos setores
privilegiados. As massas populares, os trabalhadores, os oprimidos e
explorados permanecendo alijados dessas soluções de cúpula. Ao referir-se
ao "homem cordial", Sérgio Buarque de Holanda (Holanda, 1981) registrou
esse traço manifesto das elites brasileiras, herança da nossa formação
histórica, caracterizada pela permanência de quatro séculos de escravidão
e da grande propriedade territorial.

Tais tradições da vida política brasileira, em que as soluções de
compromisso entre grupos e/ou partidos representativos de distintas
facções das classes dominantes constituíram uma forma de sobrevivência
diante do aguçamento da luta de classes, determinaram um constante
afastamento das massas populares de qualquer atuação significativa na
resolução dos problemas nacionais. Condicionaram uma permanente
impossibilidade de que protagonistas de perfil popular exercessem
influência significativa nas decisões políticas adotadas pelos
intelectuais orgânicos dos setores dominantes. Nesse sentido, tornou-se
emblemática a frase pronunciada em 1930 por Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada, um dos grandes oligarcas de Minas Gerais: "Façamos a revolução
antes que o povo a faça" (Abreu, 2001:1115).

Os antecedentes apontados, presentes no universo político nacional,
formaram o caldo de cultura propício ao advento no meio dos setores de
esquerda e dos movimentos populares e dos trabalhadores de tendências
oportunistas, ou seja, revisionistas do marxismo – uma teoria
revolucionária em sua essência, segundo a qual seus adeptos não devem
apenas interpretar o mundo, mas transformá-lo, [2] assim como de correntes
contaminadas pelo reformismo burguês.

Na medida em que as forças revolucionárias no Brasil foram constantemente
perseguidas e derrotadas pelo poder do Estado a serviço dos interesses das
classes dominantes, na medida em que a debilidade orgânica e ideológica
dos setores de esquerda e dos comunistas foi uma constante – em grande
parte resultante dessa perseguição implacável –, tornou-se possível o
predomínio em larga escala da ideologia burguesa nos movimentos populares
e dos trabalhadores. Estava aberto o caminho para o avanço do oportunismo
e do reformismo burguês no seio das esquerdas brasileiras, para as
dificuldades de enfrentá-los com êxito.

Se lançarmos um olhar retrospectivo sobre a história do Brasil a partir
da independência de Portugal, verificaremos que as situações de crise
vividas pelo país foram sempre solucionadas através de compromissos
estabelecidos entre facções das classes dominantes. Os setores populares
ficaram de fora, reprimidos com violência quando tentaram conquistar
posições que lhes fossem propícias dentro dos novos esquemas de poder.

A independência brasileira resultou de um arranjo entre os senhores de
escravos e de terras e a Coroa portuguesa, enquanto os radicais da época
foram alijados e derrotados. Diferentemente do processo de libertação das
colônias espanholas liderado por revolucionários como Simon Bolívar e San
Martin, que, ainda no início do século XIX, decretaram a abolição da
escravidão negra e da servidão indígena, juntamente com o estabelecimento
de regimes republicanos, no Brasil, com a independência, se constituiu uma
monarquia, que assegurou a manutenção da escravidão negra até o final
desse século e a proclamação da República apenas em 1889. Processos estes
conduzidos de maneira a impedir qualquer mudança de caráter
revolucionário. No Brasil, não tivemos lutas revolucionárias vitoriosas;
pelo contrário, quando ocorreram, foram derrotadas com violência pelas
classes dominantes. A tão celebrada opção por transições incruentas,
proclamada com insistência pelos intelectuais orgânicos a serviço dos
interesses dominantes, reflete a debilidade dos movimentos populares no
Brasil – fruto das condições históricas a que foram condenados -,
incapazes de impor suas aspirações aos donos do poder.

Se dirigirmos nosso olhar para as vicissitudes do processo de transição
do regime ditatorial implantando no Brasil em 1964 para a democracia hoje
existente no país, verificaremos que, mais uma vez em nossa história,
tivemos uma solução de compromisso entre facções das classes dominantes,
entre os generais então à frente do Poder Executivo e os representantes da
burguesia liberal (Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, etc.). Em 1979, mais
uma vez em nossa história, os setores populares não tiveram força política
para impor uma "anistia ampla, geral e irrestrita", como também, em 1984,
não puderam conquistar as "diretas já" nas eleições presidenciais. Do
pacto estabelecido entre as elites burguesas resultaram uma anistia
restrita, extensiva aos torturadores, e eleições indiretas para a
presidência da República. Apenas em 1989, garantidos os interesses do
grande capital nacional e internacional pela realização de uma transição
"segura", as eleições diretas para presidente da República foram
permitidas.

Também o processo constituinte que se seguiu ficou marcado pela
conciliação entre o "poder militar" e os representantes burgueses com
acento na Assembleia Constituinte de 1988, cujo resultado foi a tutela
militar sobre os três Poderes do Estado, de acordo com o artigo 142 da
Constituição então promulgada, conforme denunciado à época por Luiz Carlos
Prestes:


Em nome da salvaguarda da lei e da ordem pública, ou de sua "garantia",
estarão as Forças Armadas colocadas acima dos três Poderes do Estado. Com
a nova Constituição, prosseguirá, assim, o predomínio das Forças Armadas
na direção política da Nação, podendo, constitucionalmente, tanto depor o
presidente da República quanto os três Poderes do Estado, como também
intervir no movimento sindical, destituindo seus dirigentes, ou intervindo
abertamente em qualquer movimento grevista (...) [3]

A fundação do PT (Partido dos Trabalhadores), no início dos anos 1980,
alimentou em amplos setores de esquerda a esperança de que afinal fora
criada uma organização política capaz de conduzir os trabalhadores pelo
caminho da sua emancipação social e política. Entretanto, sem confiar nas
lideranças operárias surgidas das grandes greves de 1978/79 no ABCD
paulista, a burguesia mobilizou recursos poderosos para derrotar Luís Inácio
da Silva, o Lula, em três eleições presidenciais consecutivas (1989, 1994 e
1998).

No decorrer desses anos, tornou-se evidente que inexistiam no Brasil forças
sociais e políticas - o "bloco histórico" gramsciano (Gramsci, 2001: 238) -,
capazes de respaldar a eleição de um candidato à presidência efetivamente
comprometido com os anseios populares e disposto a liderar um processo de
transformações profundas da sociedade brasileira.

Ao mesmo tempo, tanto Lula quanto a direção do PT enveredavam pelo caminho
da conciliação com setores da burguesia. Sem jamais terem adotado a teoria
marxista como orientação ou considerado a realização de reformas sociais
como caminho para a revolução, os líderes do PT optaram pelo reformismo
burguês. Diante da tradicional alternativa – reforma ou revolução
(Luxemburgo, 2010) –, a escolha foi clara. Tratou-se de buscar a reforma do
capitalismo, de alcançar um capitalismo "sério" e distribuidor de benesses
aos desassistidos, abandonando definitivamente qualquer proposta de mudança
de caráter revolucionário e anticapitalista.

Contrariando o que haviam imaginado e proposto pensadores marxistas como
Florestan Fernandes, nos primeiros anos de existência do PT, o "partido dos
trabalhadores" transformou-se numa versão brasileira da social-democracia
europeia, com a diferença de que os conflitos sociais no Brasil, resultado
de desigualdades extremas, não têm solução, mesmo que temporária, nos marcos
do capitalismo, como aconteceu com o "estado do bem-estar social", criação
dos partidos social-democratas na Europa. Experiência esta hoje falida, como
é do conhecimento geral.

Em 2002, ao candidatar-se pela quarta vez à presidência da República, Lula
e as tendências que o apoiavam dentro do PT compreenderam que para assegurar
sua eleição seria necessário fazer concessões ao grande capital
internacionalizado, ou seja, aos setores da burguesia monopolista brasileira
e internacional. A "Carta aos brasileiros" então lançada selou esse acordo.
Lula e o PT tornaram-se confiáveis para a continuidade do sistema
capitalista no Brasil, contribuindo para tal a nomeação de Henrique
Meirelles para o Banco Central, o único gerente não estadunidense do então
Banco de Boston, homem de confiança das multinacionais, que permaneceu à
frente do Banco Central durante os dois quadriênios dos governos Lula.
Jamais no país os grandes empresários e banqueiros ficariam tão satisfeitos
com um governo quanto no período de Lula e, logo a seguir, com a eleição de
sua "criação", a presidente Dilma.

Uma vez no governo, os dirigentes do PT incluíram em sua base aliada
partidos e agrupamentos políticos comprometidos com a continuidade das
políticas neoliberais, que haviam constituído a essência dos compromissos
assumidos com a "Carta aos brasileiros". Estava fora de cogitação qualquer
possibilidade de os novos governantes desenvolverem esforços voltados para a
organização e a mobilização populares, tendo em vista a implantação de
políticas favoráveis aos interesses dos trabalhadores e das grandes massas
vitimadas pela exclusão social.

De acordo com a cartilha neoliberal, formulada pelas agências ligadas aos
grupos monopolistas internacionais, aos setores populares seria destinada
uma parte dos recursos provenientes dos lucros fabulosos desses grupos,
através de políticas assistencialistas promovidas pelo Estado brasileiro,
cujo objetivo principal jamais deixou de ser a garantia da paz social. Dessa
forma, tentou-se evitar as convulsões sociais e garantir o apoio popular aos
governos do PT e de seus aliados, assegurando a sucessão tranquila desses
governantes a cada eleição. Foram distribuídas migalhas ao povo, enquanto as
multinacionais obtinham lucros fabulosos e os dirigentes do PT e seus
aliados garantiam a reeleição para os principais cargos dos governos da
República.

O modelo "petista" entra em crise

Durante alguns anos esse esquema funcionou, mas, a partir de junho de 2013,
com as grandes manifestações de protesto que se espalharam por todo o
Brasil, passou a ser questionado. A crescente insatisfação com as
repercussões no país da crise mundial do capitalismo, com as consequências
de uma política de privilégios aos interesses do grande capital, com as
denúncias de corrupção atingindo figuras do governo e com a incompetência na
gestão da economia nacional evidenciou-se durante a última sucessão
presidencial, quando a reeleição de Dilma Rousseff foi garantida por uma
pequena margem, de 3,28%, [4] sobre o seu principal adversário, o "tucano"
Aécio Neves. Este se tornara o candidato preferencial dos monopólios
nacionais e internacionais, uma vez que comprometido com setores
empresariais partidários de políticas decididamente neoliberais, incluindo
propostas de privatização total do Pré-Sal e de um completo alinhamento com
os interesses estadunidenses. Ademais, os meios de comunicação a serviço dos
grupos monopolistas nacionais e estrangeiros contribuíram decisivamente para
a vitória apertada de Dilma Rousseff.

Diante do descontentamento generalizado com a política neoliberal adotada
pelo seu primeiro governo - embora camuflada por um discurso demagógico -, a
candidata do PT à reeleição precisou recorrer a promessas eleitorais,
chegando a garantir que, em seu novo governo, os direitos dos trabalhadores
não seriam tocados "nem que a vaca tossisse". Mas, uma vez eleita, Dilma
Rousseff não tardou em anunciar para o Ministério da Agricultura o nome da
Sra. Katia Abreu, declarada representante do agronegócio e dos grandes
latifundiários. A seguir seria a vez dos ministros da área econômica
Joaquim Levy, Nelson Barbosa, Alexandre Tombini e Armando Monteiro Neto,
todos conhecidos pelos compromissos que, de uma forma ou de outra, os unem
aos grupos monopolistas que controlam a economia nacional.

De acordo com o "choque fiscal" anunciado pela nova equipe econômica, logo
após sua nomeação, pretendia-se a redução dos direitos trabalhistas e da
proteção social dos trabalhadores, ou seja, criar dificuldades para o acesso
ao seguro-desemprego, ao abono salarial, à pensão por morte, ao
auxílio-doença e ao seguro-defeso aos pescadores no período de proibição da
sua atividade. A justificativa apresentada foi o combate às fraudes e a
necessidade de cortar 18 mil milhões de reais nas despesas da União, parte
do ajuste fiscal de, no mínimo, 60 mil milhões, definido pelo ministro da
Fazenda, Joaquim Levy, para atingir um superávit de 1,2% do PIB. Além disso,
foi decretado o aumento de impostos sobre combustíveis, crédito ao
consumidor e importações e mudanças no Imposto sobre Produtos
Industrializados para o setor de cosméticos. Com tais medidas, pretendia-se
chegar a retirar 70 mil milhões de reais da economia [5] – uma "guinada
ortodoxa", tão a gosto das receitas neoliberais, para combater a crise
econômica que adquiriu maior gravidade no país.

Entretanto, Joaquim Levy e sua equipe econômica foram forçados a rever
drasticamente as metas desse ajuste fiscal devido, por um lado, às
resistências generalizadas encontradas para sua aplicação e ao agravamento
da crise econômica e, por outro, à reação contrária ao governo no Congresso
Nacional, capitaneada por Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados,
o que se explica pelo temor de possíveis cassações dos mandatos de
parlamentares envolvidos nos escândalos de corrupção investigados atualmente
pela Polícia Federal e o Ministério Público.

Em julho, o governo reduziu de 1,19% para 0,15% a meta de superávit
primário deste ano e ao invés de poupar 66,3 mil milhões de reais, passou a
pretender economizar apenas 8,7 mil milhões. Passou a admitir a
possibilidade de um novo déficit primário, como aconteceu em 2014 e, por
isso, encaminhou ao Congresso uma cláusula de abatimento da meta de 26,4 mil
milhões, o que abre a possibilidade para um déficit de até 17,7 mil milhões
de reais nas contas públicas. Ou seja, ao invés de economia, pode haver
rombo nas contas públicas. [6]

Segundo o conhecido economista Luiz Gonzaga Belluzzo, "A regra da economia
de hoje é 'o povo que se lixe'". Na sua avaliação, "o Joaquim Levy, na
verdade, representa um conjunto de interesses, que acabou se impondo durante
as eleições e logo depois delas" [7] . Em outras palavras, os interesses do
grande capital internacionalizado serão garantidos no segundo governo Dilma,
desmentindo as promessas eleitorais da então candidata. Na prática
pretende-se introduzir as "correções" que eram defendidas por Aécio Neves, o
candidato oposicionista à presidência da República, e contestadas pelo PT e
sua candidata.

Diante da resistência de setores do Congresso Nacional às medidas propostas
por Joaquim Levy, o governo Dilma aceitou fazer mais concessões aos
interesses do grande capital sustando aparentemente o perigo imediato de
impeachment da presidente, que estaria comprometida com denúncias de
corrupção. Surgiu assim a "Agenda Brasil" – um conjunto de medidas
contrárias aos interesses populares - apresentada por Renan Calheiros, o
presidente do Senado da República que, ao aliar-se ao Poder Executivo,
espera ser absolvido das acusações que pesam contra ele nos processos
judiciais ora em curso. [8]

São testemunho do apoio concedido pelo capital financeiro à política
econômica promovida por Joaquim Levy as declarações de Luiz Carlos Trabuco,
presidente do Banco Bradesco, o segundo maior banco privado do Brasil, para
quem o atual ministro da Fazenda tem "objetivos cívicos e patrióticos" [9] .
No mesmo sentido pronunciou-se Roberto Setubal, presidente do Itaú, maior
banco privado do país, ao afirmar que "não há motivos para tirar Dilma do
cargo". [10]

No último mês, diante das contradições evidenciadas tanto no seio da
própria equipe econômica do governo quanto entre o Poder Executivo e o
Congresso Nacional, ameaçando a estabilidade política no país, setores
empresariais e financeiros vêm exercendo crescentes pressões para que as
políticas ortodoxas propostas por Joaquim Levy sejam urgentemente aprovadas
e postas em prática. [11] As dificuldades surgidas na elaboração do projeto
orçamentário para o ano de 2016 levaram a presidente Dilma a encaminhar ao
Congresso Nacional um orçamento deficitário em 30,5 mil milhões de reais,
provocando o rebaixamento do grau de investimento, conferido a países
considerados bons pagadores e seguros para investir, por parte da agência
norte-americana Standrd & Poor's. [12]

A instabilidade política agravada por essa medida levou Dilma e sua equipe
econômica a apresentarem ao Congresso Nacional nova proposta orçamentária.
Os déficits deverão ser cobertos com a adoção de cortes nas despesas
governamentais e o aumento de impostos, acarretando mais sacrifícios para a
maioria do povo brasileiro. O governo pretende economizar um total de 65 mil
milhões de reais em 2016; esse total deverá servir para cobrir o déficit de
30,5 mil milhões no orçamento e gerar ainda um superávit nas contas de mais
de 34 mil milhões – que corresponde a 0,7% do PIB – para pagamento dos juros
da dívida pública. Quem vai pagar essa conta vão ser os trabalhadores, pois
apenas 2,9 mil milhões de reais virão do bolso dos mais ricos, provenientes
do aumento do imposto de renda sobre o lucro obtido na venda de imóveis.
[13]

Entretanto, segundo cálculo realizado por pesquisadores do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), baseado em dados da Receita Federal,
com a adoção de um imposto de 15% sobre lucros e dividendos recebidos por
donos e acionistas de empresas – rendimentos atualmente isentos de imposto -
seria possível arrecadar mais de R$43 mil milhões ao ano para os cofres
públicos, o que seria uma alternativa ao ajuste fiscal proposto pela atual
equipe econômica do governo Dilma, desmentindo as afirmações de que o atual
gasto social é insustentável – algo não só falso como injusto e
antidemocrático. [14]

Se, por um lado, durante os três primeiros governos petistas, as camadas
mais desprotegidas do povo brasileiro foram brindadas com medidas
assistencialistas, que permitiram uma pequena melhora das suas condições de
vida, por outro lado, longe de a miséria no Brasil ter sido eliminada,
conforme dizem os propagandistas do governo e do PT, as chamadas "políticas
compensatórias" levadas a cabo desde 2003 não permitiram impedir o
crescimento da concentração da renda no país. De acordo com pesquisa
realizada na Universidade de Brasília a partir das declarações de Imposto
de Renda Pessoa Física para os anos de 2006 a 2012, verificou-se "uma
concentração de renda no topo substancialmente maior do que as outras
fontes" revelavam, e "ela permanece estável".


"No período analisado, o 0,1% mais rico da população recebeu quase 11% da
renda total e isso significa que a sua renda média foi quase 110 vezes maior
do que a média nacional. O 1% mais rico, incluindo esse 0,1%, apropriou-se
de 25%, e os 5% mais ricos receberam 44%, quase a metade da renda total. Na
Colômbia e nos Estados Unidos, a parcela do 1% mais rico na renda total
situa-se em torno de 20%." [15]

Não obstante as declarações em contrário da presidente Dilma, as medidas
anunciadas pela sua equipe econômica, e que já começaram a serem postas em
prática, estão agravando a situação econômica e as condições sociais tanto dos
setores contemplados com a concessão da "bolsa família" e outras "políticas
compensatórias" quanto da maioria dos trabalhadores brasileiros, de uma
maneira geral.

Se durante o primeiro mandato da presidente Dilma, a reforma agrária ficou
estagnada, com Katia Abreu no Ministério da Agricultura, está claro que não
haverá avanços nesse sentido e que os interesses do agronegócio serão cada vez
mais favorecidos em detrimento dos anseios de milhões de trabalhadores que
lutam pela terra e contra a devastação da natureza promovida pelo grande
capital, contando com os incentivos governamentais.

Da mesma forma, cresce o desemprego e acentua-se a desindustrialização do
Brasil, aumenta a inflação e a carestia atinge cada vez mais o nível de vida
de amplas camadas da população brasileira.

O discurso ideológico voltado para a falsificação da História

Embora até recentemente o assistencialismo tenha sido bastante eficaz na
garantia da continuidade das políticas neoliberais e da manutenção do sistema
capitalista, o reformismo burguês praticado pelos governos de Lula e Dilma não
pôde prescindir do discurso ideológico para justificar sua atuação. Não bastou
apelar para a simbologia de um operário ex-metalúrgico e de uma mulher
ex-guerrilheira na presidência da República pela primeira vez na história do
Brasil.

Tornou-se necessário justificar o presente apelando para o passado e
falsificando a história. Busca-se no passado a justificativa para o presente.
Tenta-se, assim, de apresentar os atuais governantes como continuadores das
lutas do passado, como herdeiros dos líderes revolucionários do passado, como
paladinos de ideias avançadas e progressistas. Torna-se conveniente
disfarçar-se de progressistas, ou, em certos casos, de marxistas para melhor
encobrir a orientação antipopular da política dos atuais governantes.

É assim que intelectuais e dirigentes de partidos governistas, tanto do PT
quanto do PCdoB (Partido Comunista do Brasil) - estes disfarçados de marxistas
-, "inventam" uma história das lutas do povo brasileiro conforme seus
desígnios inconfessáveis. As lideranças do PT costumam recorrer ao
"possibilismo conservador", ou a "um falso realismo" (Boron, 2008: 79-82;
2010: 83), para justificar as políticas adotadas pelos seus governos,
apresentando-as como as únicas viáveis nas atuais condições do mundo e do
Brasil, na tentativa de explicar o canhestro reformismo burguês que praticam.
Enquanto isso, os dirigentes do PCdoB vão mais longe, na defesa de sua prática
oportunista, ao propagandearem que estaríamos diante do "partido do
socialismo" e aparentarem fidelidade aos clássicos do marxismo. Um partido
que, entretanto, realiza políticas que favorecem o agronegócio e a entrega do
petróleo brasileiro às multinacionais. Um partido que falsifica sua própria
história, ao negar seu surgimento, em 1962, resultado de uma cisão do PCB
(Partido Comunista Brasileiro), e datá-lo de 1922, quando foi fundado o
Partido Comunista (Seção Brasileira da Internacional Comunista). Assim, em
2012, o PCdoB comemorou os 90 anos de um partido que não é o seu.

Da mesma forma, deputados, senadores, prefeitos e governadores, assim como
dirigentes dos partidos governistas, se apropriam da memória de lideranças
revolucionárias como Luiz Carlos Prestes, Olga Benario Prestes, Gregório
Bezerra, Carlos Marighella, para tentar melhorar sua imagem desgastada e seu
crescente desprestígio diante das novas gerações. Para fazê-lo com algum
sucesso precisam falsificar a história de luta desses homens e mulheres,
admirados por seu heroismo, distorcendo sua atuação e esvaziando-a de qualquer
conteúdo revolucionário. Tratam de transformar esses lutadores admiráveis em
figuras aceitáveis até mesmo pelas classes dominantes, que eles sempre
combateram.

Pudemos assistir à demagógica devolução do mandato de senador a Luiz Carlos
Prestes, promovida pelos parlamentares dos atuais partidos governistas, assim
como dos mandatos dos deputados comunistas cassados em 1948. Se Prestes
estivesse vivo, jamais aceitaria as homenagens hipócritas desses senhores,
cuja atuação política foi por ele combatida severamente até falecer em 1990.
Outros exemplos desse tipo poderiam ser citados.

Ao se completarem 90 anos do início da Coluna Prestes, lembrados em 2014,
dirigentes dos partidos governistas transformaram esse episódio glorioso das
lutas do povo brasileiro em um valioso filão a ser explorado para melhor se
disfarçarem de avançados, de progressistas ou até mesmo de marxistas, como é o
caso dos políticos do PCdoB. Foram organizadas homenagens no Congresso
Nacional, em assembleias estaduais e câmaras municipais, assim como caravanas
pelo país, com o objetivo de manipular a história dessa epopeia brasileira,
cujos feitos mal conhecem, difundido versões falsas a seu respeito e retirando
desse movimento o seu conteúdo de luta revolucionária contra o poder
oligárquico então existente.

A Coluna Invicta, como também ficou conhecida na época, é apresentada como um
episódio que merece a unanimidade da aprovação nacional. Falou-se, inclusive,
na sua "institucionalização", o que significaria torná-lo mais uma data a ser
incluída no calendário de festejos nacionais. Um episódio transformado em
celebração, desprovida de qualquer caráter de luta, e aplaudido por todos os
brasileiros, indistintamente da posição de classe. Estamos diante de uma nova
tentativa da transformar Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, numa
liderança de todos os brasileiros, falsificando sua memória de líder dos
trabalhadores, dos explorados e dos oprimidos; jamais dos exploradores e dos
donos do capital.

O legado de Prestes

Diante da atuação oportunista (revisionista do marxismo), dirigida no sentido
de reformar o capitalismo em vez de liquidá-lo, diante da falsificação da
história das lutas e da memória das lideranças revolucionárias do passado, com
o objetivo de justificar o reformismo burguês, o legado de Luiz Carlos Prestes
adquire indiscutível atualidade.

Para Prestes, a emancipação econômica, social e política dos trabalhadores
brasileiros deveria ser obra deles próprios. Para que isso se tornasse
possível, considerava que os verdadeiros revolucionários teriam que contribuir
para a mobilização, a organização e a conscientização dos diferentes setores
populares, assim como para o surgimento de novas lideranças e novas
organizações partidárias efetivamente comprometidas com a solução radical dos
graves problemas nacionais.

Surge, pois, a questão dos possíveis caminhos a percorrer para que sejam
criadas as condições propícias à realização da revolução socialista. Em outras
palavras, trata-se de criar formas de aproximação ou de transição que
possibilitem tal percurso, ou seja, de alcançar objetivos parciais, que não
constituam etapas de consolidação do sistema capitalista sob novas formas, mas
momentos de um processo ininterrupto de acumulação de forças voltado para a
constituição do que Antônio Gramsci denominava bloco histórico.

O conceito de bloco histórico , proposto por A. Gramsci – ou, em outras
palavras, do sujeito-povo [16] – pressupõe: o momento político dessa
aliança. "Sua constituição está assentada em classes ou grupos concretos
definidos pela sua situação na sociedade, mas as ideias cumprem um papel
fundamental no que se refere à sua coesão" (Bignami, s.d.:27). No bloco
histórico há "uma estrutura social – as classes e grupos sociais – que
depende diretamente das relações entre as forças produtivas; mas também há uma
superestrutura ideológica e política" (idem). Gramsci escrevia nos Cadernos
do cárcere que, segundo Marx, "uma persuasão popular tem, com frequência, a
mesma energia de uma força material". Tal afirmação, segundo o filósofo
italiano,


conduz ao fortalecimento da concepção de "bloco histórico", no qual
precisamente, as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma,
distinção entre forma e conteúdo puramente didática, já que as forças
materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias
seriam fantasias individuais sem as forças materiais.(Gramsci, 2001:238)

Os elementos citados da concepção gramsciana de bloco histórico permitem
perceber o frequente empobrecimento de tal conceito no âmbito dos partidos
comunistas, pois esse fenômeno marcou, de uma maneira geral, grande parte do
movimento comunista mundial. Nas fileiras do PCB (Partido Comunista Brasileiro),
semelhante postura teve como resultado a subestimação pelo trabalho ideológico
de formação teórica e política não só dos seus quadros, como também de
lideranças populares. A incompreensão da necessidade de criar um bloco
histórico contra-hegemônico, capaz de conduzir o processo revolucionário à
vitória, condicionou o desarmamento ideológico e político dos comunistas diante
do bloco histórico dominante e a inevitável capitulação frente ao reformismo
burguês. (Prestes, 2010)

Ao pensarmos nas possíveis formas de aproximação da constituição do bloco
histórico gramsciano (ou sujeito-povo), o legado de Luiz Carlos Prestes
representa uma contribuição de grande atualidade. Ainda em 1967, por ocasião do
VI Congresso do PCB, Prestes, ao expor sua concepção da estratégia da revolução
brasileira, escrevia:


(...) Não lutamos pelo desenvolvimento capitalista , mas por um
desenvolvimento econômico democrático e independente, que abrirá caminho para o
socialismo. Atualmente, toda revolução anti-imperialista é parte integrante da
revolução socialista mundial.

(...) Marchamos para uma solução revolucionária que repele o capitalismo como
perspectiva históric a, mas não exige de modo imediato a passagem para o
socialismo. Vamos conquistar um poder revolucionário das forças
anti-imperialsitas e democráticas, que não terá ainda o caráter de ditadura do
proletariado, mas será capaz de cumprir seu papel histórico e abrir caminho para
o avanço ulterior, rumo ao socialismo. [17]

Em posição minoritária dentro do Comitê Central do PCB, Prestes, seu
secretário-geral, defendia uma tática de luta contra a ditadura militar,
estabelecida no Brasil a partir do golpe de 1964, que viesse a constituir a
"conquista de um governo revolucionário, democrático e anti-imperialista, capaz
de abrir ao proletariado o caminho para o socialismo". Segundo Prestes, "a luta
contra a ditadura pode resultar não somente na liquidação do regime político
semifascista, mas ir adiante e resultar na liquidação do próprio regime de
capitalistas e latifundiários ligados ao imperialismo". [18] O secretário-geral
do PCB escrevia a respeito:


Esta não é uma hipótese abstrata, existem as premissas objetivas para que tal
processo possa ocorrer. A crise em que o Brasil se debate não pode ser resolvida
sem a realização de reformas profundas em sua estrutura, isto é, não pode ser
resolvida a não ser pela revolução. A luta contra a ditadura pode adquirir um
rumo tal que a derrocada desta leve consigo o próprio regime social existente.
Para que tal hipótese possa acontecer, entretanto, é necessário que as forças
que estão interessadas numa solução revolucionária – a classe operária, a
pequena burguesia urbana e os camponeses – representem tal força dentro da
frente antiditatorial e desempenhem tal papel na luta contra a ditadura que, ao
derrubarem esta, estejam em condições de fazer prosseguir o processo de
aprofundá-lo até que ele adquira um caráter revolucionário. (Idem)

Mas Prestes aventava a possibilidade de outra hipótese:


A ditadura pode ser derrotada e liquidada sem que as forças revolucionárias da
frente antiditatorial disponham de poder suficiente para fazer prosseguir o
processo e instaurar, no lugar da ditadura, um poder revolucionário. Neste caso,
o governo que daí surgir pode ser mais ou menos democrático, mais ou menos
avançado, segundo a correlação concreta de forças que existir no momento de sua
constituição. Neste caso, os comunistas poderão participar ou não deste governo,
poderão apoiá-lo ou não, dependendo do caráter concreto que ele tiver.
Participando ou não de um governo antiditatorial que se instalar no país,
apoiando-o ou não, os comunistas continuarão a luta por seus objetivos
revolucionários. (Idem)

As posições defendidas por Prestes, em sua luta contra o reformismo dominante no
Comitê Central do PCB, são comparáveis às defendidas por Fidel Castro alguns
anos mais tarde, ao discursar no Chile à época do governo de Salvador Allende:


Um verdadeiro revolucionário procura sempre o máximo de mudanças sociais. Mas
procurar um máximo de mudança social não significa que em qualquer momento se
possa propor esse máximo, senão que, em determinado momento e considerando o
nível de desenvolvimento da consciência e das correlações de forças, pode-se
propor um objetivo determinado. E uma vez conquistado esse objetivo, propor-se
outro objetivo mais à frente. O revolucionário não tem compromisso de ficar
parado no caminho. [19]

Obrigado a permanecer no exílio, devido à violenta repressão desencadeada contra
os comunistas pelos governos de Emílio G. Médici e Ernesto Geisel, Luiz Carlos
Prestes seria levado a elaborar com maior precisão suas concepções sobre as
formas de transição ou aproximação a um poder efetivamente revolucionário:


A conquista de um regime democrático não deverá significar (...) uma simples
volta ao passado. A frágil e vulnerável democracia de 1964 não corresponde mais
aos anseios do povo. A luta de todos os patriotas e democratas só pode ter por
fim a derrota definitiva do fascismo e a inauguração de uma nova democracia ,
que assegure amplas liberdades para o povo, uma democracia econômica, política e
social, que possibilite a solução dos problemas nacionais mais graves e
imediatos. [20]

A seguir Prestes esclarecia o conteúdo dessa nova democracia por ele proposta:


Trata-se da conquista de uma democracia que seja estável, que impeça a volta ao
fascismo. Para isso, a nova democracia terá que tomar medidas que limitem o
poder econômico dos monopólios e dos latifundiários e que se orientem no sentido
de sua completa liquidação. (...) A nova democracia deverá ser o regime
estabelecido por um governo das forças da frente única patriótica e
antifascista, abrirá caminho para as profundas transformações de caráter
democrático e anti-imperialista, já hoje exigidas pelo sociedade brasileira.
(Idem; grifos meus)

Ao fazer uma apreciação crítica dos erros cometidos pelos comunistas brasileiros
em 1935, Prestes assinalava que, "em vez de reforçar a frente popular,
anti-imperialista e antifascista, de prosseguir acumulando forças, mediante a
luta de massas, em defesa das liberdades democráticas e contra o fascismo, nos
lançamos prematuramente à luta pelo poder". Acrescentava ele que esta era uma
lição da maior atualidade, pois explicava "a derrota dos grupos
utra-esquerdistas" que combatiam a ditadura no Brasil. Prestes afirmava:


É lutando pelas liberdades democráticas, pelas reivindicações dos trabalhadores,
pelos "interesses econômicos e políticos imediatos da classe operária", conforme
as palavras de Dimitrov em seu memorável Informe ao VII Congresso da
Internacional Comunista, lutando enfim contra a ditadura (...) é nesse processo
difícil e demorado, que não admite nenhuma precipitação ou aventura, que
unificaremos as forças antiditatoriais e organizaremos a frente única capaz de
isolar e derrotar a ditadura. [21]

Após destacar a contribuição do revolucionário búlgaro para o combate ao
radicalismo esquerdista, Prestes apontava no seu legado a atualidade das teses
que, ao resgatar as indicações de Lenin, afirmavam a importância das "formas de
transição que conduzem à revolução". Segundo Dimitrov, os oportunistas de
direita "inclinavam-se a estabelecer uma certa etapa intermediária
democrática", quer dizer, uma nova etapa, que, de acordo com Prestes, "no caso
brasileiro, seria entre a ditadura da burguesia e o governo revolucionário. O
que inevitavelmente leva ao abandono, na prática, da bandeira revolucionária do
Partido, sem a qual não é possível ao proletariado conquistar a hegemonia na
frente única antiditatorial". (Idem)

Ao procurar definir melhor o que seria no Brasil "esse governo de transição
para a conquista do governo revolucionário", Prestes afirmava que tal governo


surgirá como aquele capaz de assegurar o desenvolvimento independente da
economia nacional, será um governo de luta contra o imperialismo e a reação, de
defesa da soberania nacional, o que exigirá tomar medidas contra o latifúndio e
a dominação imperialista e preparar as massas para enfrentar a contrarrevolução.
(Idem)

Na mesma ocasião, Prestes postulava a luta por


um novo regime revolucionário que abra um caminho de desenvolvimento da
sociedade, que, sem ser ainda socialista, rompe decididamente os moldes
clássicos da estrutura capitalista e determina uma nova correlação de forças
internas da sociedade. Ou, para citarmos o grande Lenin: "(...) Não seria ainda
o socialismo, mas já não seria o capitalismo. Representaria um passo gigantesco
para o socialismo". (Idem)

Alguns anos mais tarde, ainda se encontrando no exílio, Prestes viria a
reafirmar a tese da luta pela conquista de um novo tipo de democracia , que
não significasse uma volta ao passado, ou seja, à democracia liberal, mas uma
forma de transição a um poder revolucionário:


A única forma de consolidar a vitória das forças antifascistas, impedindo a
volta ao odioso sistema de opressão, será o estabelecimento de um novo tipo de
democracia . Será um regime que representará os interesses das forças
aglutinadas na frente patriótica e antifascista, constituindo uma forma de
transição ao poder revolucionário nacional e democrático, ou seja,
antimonopolista e anti-imperialista. Este regime democrático deverá garantir
amplas liberdades para todas as forças antimonopolistas e iniciar o processo de
limitação do poder dos monopólios, principalmente dos norte-americanos. [22]

Prestes insistiria na tese de que os comunistas deveriam empenhar-se para que no
país se estabelecesse "um novo tipo de democracia, mais avançado que a
democracia burguesa , e que se constitua numa 'forma de transição' ao poder
nacional e democrático". [23] Embora isolado dentro da direção do PCB (PRESTES,
2012), Prestes manter-se-ia firme no combate às tendência reformistas,
defendendo permanentemente a tese de que, na luta pelas liberdades democráticas,
os comunistas deveriam bater-se por um regime mais avançado , que permitisse
criar as condições para a revolução socialista:


Ao lutarmos por uma saída democrática para a situação atual do país, apoiaremos
qualquer regime que possa surgir em consequência da derrota do fascismo, desde
que assegure a vigência das liberdades democráticas e os direitos dos
trabalhadores. Em quaisquer circunstâncias, continuaremos nos batendo por um
regime mais avançado, por uma democracia que não seja apenas política, mas
também econômica e social e prepare as condições para a futura chegada ao
socialismo, nosso objetivo supremo. Entendemos que, ao lutar hoje contra o
fascismo e pela democracia, estamos preparando as massas trabalhadoras para a
conquista de um poder nacional e democrático, que abrirá caminho para o
socialismo. [24]

As ideias defendidas por Prestes quanto às formas de aproximação a um poder
revolucionário, capaz de abrir caminho para as transformações de caráter
socialista, não perderam a validade para a realidade política de hoje enfrentada
pelas forças de esquerda no Brasil, empenhadas em fazer o processo
revolucionário avançar em nosso país.

A situação atual

Como já foi por mim aludido, após mais de dez anos de continuidade de políticas
de corte neoliberal, aplicadas pelos governos do PT e seus aliados, a partir de
junho de 2013, grandes manifestações tiveram lugar no Brasil. Foram protestos
contra diversos aspectos da situação crítica existente no país no que diz
respeito aos transportes públicos, à saúde pública, à educação pública, aos
gastos exorbitantes com a preparação da Copa do Mundo, etc. Protestos
desorganizados e carentes de lideranças e de projetos definidos, protestos não
só de jovens, mas de amplos segmentos sociais, indignados com a incúria dos
governos e dos partidos existentes, com a corrupção generalizada, a
desmoralização e o descompromisso dos políticos frente aos seus eleitores e,
por fim, com a violência policial desencadeada contra os manifestantes.

Diante do inesperado dessas manifestações populares, explica-se o entusiasmo
revelado por muito daqueles que se consideram de esquerda e apostam nas
mobilizações populares como meio de avançar no caminho das profundas
transformações sociais e políticas necessárias para a conquista de um futuro de
justiça social e democracia para o nosso povo.

Se entendermos que, para atingir tal futuro, é indispensável trilhar o caminho
de conquista de um poder popular revolucionário , capaz de iniciar mudanças
que apontem rumo ao socialismo, concluiremos que se trata justamente de elaborar
uma proposta que contemple formas de transição a tal poder num processo de
construção do bloco histórico , ou sujeito-povo, contra-hegemônico ,
habilitado a conduzir as transformações revolucionárias que se fazem hoje
necessárias.

Considerando o nível de espontaneidade e desorganização em que se encontram os
setores populares hoje no Brasil, seria viável propor de imediato a conquista de
um poder popular ? Seria viável, no momento, realizar uma reforma política
que contemplasse as demandas populares? Seria possível, num futuro próximo, a
eleição de uma Constituinte , comprometida com os interesses dos
trabalhadores?

Como alcançar tais objetivos sem avançar na construção do bloco histórico (ou
sujeito-povo ) ou, em outras palavras, das forças sociais e políticas
organizadas e conscientes do seu papel transformador e, por isso, possuidoras
de um projeto que as unifique em torno de metas viáveis para o Brasil de hoje?

As respostas a essas questões ficam evidentes, quando entendemos que estamos
diante de um processo de longa duração de mobilização, organização e
conscientização dos trabalhadores e dos setores populares de uma maneira geral.
A partir das reivindicações específicas de cada um desses setores, quem se
considera de esquerda deverá agir para que, através de tal ação paciente e
constante, cheguemos à formação do bloco histórico contra-hegemônico ,
unificado por um projeto de transformações revolucionárias elaborado no calor
das lutas populares por suas reivindicações e plasmado com a contribuição
teórica dos intelectuais marxistas comprometidos com a revolução socialista no
Brasil. Um projeto que deverá incluir a formação de partidos revolucionários
aptos a conduzir as lutas pela conquista de um poder popular, com a consequente
convocação de uma Constituinte efetivamente representativa dos setores
populares.

A experiência histórica das lutas populares em diversos lugares do mundo, assim
como em nosso país, é reveladora de que as posturas voluntaristas - a pressa
característica do açodamento pequeno-burguês - não contribuem para acelerar as
transformações revolucionárias pretendidas. Pelo contrário, retardam o processo
de constituição das forças sociais e políticas habilitadas a conduzir as massas
trabalhadoras à conquista de formas de aproximação do poder revolucionário,
isolando as pretensas vanguardas, que, sem apoio popular, são levadas à derrota,
como aconteceu por ocasião da derrubada de João Goulart com o golpe
civil-militar de 1964.

O legado de Luiz Carlos Prestes, ao apontar para a necessidade de considerar
possíveis formas de transição ou de aproximação ao poder revolucionário, que
venha a abrir caminho para a revolução socialista, constitui uma contribuição
valiosa para as forças de esquerda que hoje estão empenhadas na luta por
transformações profundas da sociedade brasileira, na luta por mudanças que não
sirvam aos desígnios dos políticos das classes dominantes, interessados em que
"tudo mude para que tudo permaneça como está", conforme a célebre fórmula do "O
Leopardo" de Lampeduza. [25]
Referências bibliográficas

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histórico-biográfico brasileiro pós-1930 . 2ª ed. V. I. Rio de Janeiro, Ed.
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______________. "Estudio introductorio", in: LUXEMBURGO, Rosa . Reforma
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PCB: vinte anos de política (1958-1979) (documentos). São Paulo, LECH-Livraria
Editora Ciências Humanas, 1980.

PRESTES, Anita Leocadia. "Antônio Gramsci e o ofício do historiador
comprometido com as lutas populares", Revista de História Comparada , v.4,
n.3, dez.2010, p. 6-18.

_____________________. Luiz Carlos Prestes: o combate por um partido
revolucionário (1958-1990) . São Paulo, Expressão Popular, 2012.

Notas
1- LENIN, V. I., "Las vicisitudes históricas de la doctrina de Carlos Marx"
(publicado con la firma de V.I. el 1 de marzo de 1913 en el num. 50 de Pravda
), in LENIN, V. I. Contra el revisionismo . Moscu, Ed. en Lenguas
Extranjeras, 1959, p. 158; destaques do autor. (Tradução do espanhol para o
português de PRESTES, A. L.).
2- MARX, C. "Tesis sobre Feuerbach", in MARX, C. & ENGELS, F. Obras
escogidas en tres tomos .Tomo I, Moscú, Ed. Progreso, 1976, p. 7-10.
3- PRESTES, Luiz Carlos, "Um 'poder' acima dos outros", Tribuna da Imprensa ,
RJ, 28/9/1988.
4- "Dilma é reeleita na disputa mais apertada d a história; PT ganha 4º
mandato", UOL, São Paulo, 26/10/2014, in eleicoes.uol.com.br/...
5- Cf. Carta Capital , nov., dez. /2014, jan., fev./2015 in
www.cartacapital.com.br/ ; Carta Capital, 22/5/2015 in
www.cartacapital.com.br/...
6- O Globo , RJ, 23/7/2015, p. 19.
7- REVISTA FORUM, janeiro 21, 2015.
8- COSTA, Afonso, "Governo negocia mais concessões para o capital e susta o
impeachment", 13/8/2015, in pcb.org.br/portal2/9066 ; MONTEIRO, Fabio e
CUCOLO, Eduardo, "Crescimento é centro de nova fala de Levy", Folha de S. Paulo
, 16/8/2015, mercado, p. 3; FREIRE, Vinicius Torres, "Empresários doam água
fria", Folha de S. Paulo , 16/8/2015, mercado, p. 4.
9- Folha de S. Paulo , 8/8/2015, in www1.folha.uol.com.br/...
10- "Entrevista de Roberto Setubal", Folha de S. Paulo , SP, 22/8/2015, p.
A23 e A28.
11- Folha de S. Paulo , SP, 13/9/2015.
12- "Grau de investimento: entenda o que significa o rebaixamento do Brasil",
acesso em 19/9/2015 in www.ebc.com.br/...
13- VILELA, Pedro Rafael, "Ajuste fiscal do governo poupa os mais ricos, afirma
economista", Brasil de Fato , 18/9/02015, acesso 19/9/2015 in
www.brasildefato.com.br/node/32979
14- VOLPE, Ana, "Imposto sobre lucros e dividendos geraria R$43 bi ao ano, diz
estudo", acesso 19/9/2015 in www12.senado.gov.br/... ; ROSSI, Pedro, "A
democracia não cabe no orçamento", Brasileiros , n. 98, set/2015, p. 59.
15- DRUMMOND, Carlos, "O risco forte de recessão", Carta Capital , 1/2/2015,
in www.cartacapital.com.br/
16- Sujeito-povo: categoria empregada por alguns intelectuais
latino-americanos, relacionada com o conceito gramsciano de bloco histórico ,
ou seja, sujeito-povo expressa não só a soma numérica de diversos setores
sociais, mas também é portador de novos valores culturais e constitui uma
alternativa de poder (cf., por exemplo, BIGNAMI, (2009: 23, 26, 28 e 107).
17- "Informe de Balanço do CC ao VI Congresso (dez. 1967)" (PCB, 1980: 97;
grifos meus).
18- ALMEIDA, Antônio (pseudônimo de Prestes). "Carlos Marx e o marxismo", Voz
Operária , 1968, n. 41, p. 8.
19- CASTRO RUZ, Fidel. Fidel en Chile. Textos completos de su diálogo con el
pueblo . Santiago, Quimantú,1972, p. 90; apud BORON (2010: 74); grifos meus.
(Tradução do espanhol para o português de PRESTES, A. L.).
20- "Manifesto de Prestes" (29/10/1974), Voz Operária, suplemento, dez. 1974,
n. 118; grifos meus.
21- PRESTES, Luiz Carlos. "Intervenção em Seminário dedicado ao 90º aniversário
natalício de Jorge Dimitrov", documento datilografado, 10 p., Sófia (Bulgária),
18/6/1972 (arquivo particular da autora).
22- "Intervencion del delegado de Brasil", documento datilografado, 17 p., jun.
1975 (arquivo particular da autora); grifos meus.
23- "Informe Político" (discutido e aprovado na reunião do CC do PCB de
dezembro de 1975), folheto mimeografado, 33 p. (arquivo particular da autora),
pp. 32-33; grifos meus.
24- "Projeto de Resolução Política" (ass. O Comitê Central do PCB, fev. 1977).
Documento datilografado, 12 p. (arquivo particular da autora); grifos meus.
[Este projeto foi rejeitado pela Comissão Executiva do CC do PCB.]
25- "O Leopardo", romance famoso de G.T. de Lampeduza, retrata a capacidade de
adaptação da nobreza da Sicília, na Itália do final do sec. XIX, diante da
ascensão de uma nova classe – a burguesia.

[*] Doutorada em História Social pela Universidade Federal Fluminense,
professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada de UFRJ e
presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes www.ilcp.org.br .


In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/brasil/anita_13out15.html15/10/2015
15/10/2015

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