terça-feira, 27 de outubro de 2015

Assentados aprendem as lições da floresta para cultivar na Amazônia





Por Solange Engelmann



Após migrar do Ceará para o Pará e perambular por algumas cidades do estado
trabalhando como arrendatário, José Ferreira Pinheiro, 62 anos, e Maria de
Nazaré, 55, resolveram se aliar aos Sem Terra. Da luta, conquistaram um lote, a
possibilidade de criar os filhos em melhores condições e a dignidade de viver.


Os três anos de acampamento, vivendo em condições precárias e à mercê da
violência dos latifúndios da região, marcaram o intenso processo de luta do
casal. Entretanto, a recompensa veio com a conquista do pedaço de terra no
Assentamento Palmares II, no município de Parauapebas, região sudeste do Pará.


E é nos cinco alqueires de terra conquistados há 14 anos que seu Ferreira
organizou uma experiência de produção camponesa sustentável. Ele demonstrou como
é possível aliar a produção de alimentos saudáveis com a preservação da
natureza, dentro de um modelo de produção agroecológico, em que o agricultor
produz alimentos com práticas de manejo alternativas do solo, sem utilizar
agrotóxicos.


“Aqui nós produzimos batata, feijão, milho, peixe, galinha, pato, peru. Sabemos
o que estamos comendo. Pode pegar qualquer coisa que produzo aqui e mandar fazer
análise que não vai encontrar uma gota de veneno. Isso é uma vantagem porque
hoje o veneno é demais. E do veneno só vem doença e morte”, constata Ferreira.




Da luta, Maria José e Seu Ferreira conquistaram o lote.

A principal linha de produção da família é a piscicultura e agrofloresta, e em
menor escala hortaliças e criação de aves, vendidas na Feira do Produtor do
município, além de outros alimentos para a subsistência.


A produção de frutas como cupuaçu, manga, açaí, coco, castanha, dentre outras,
compõem os dois alqueires de sua agrofloresta, consorciadas com várias espécies
de madeiras. A comercialização de alevinos dos quatro tanques de peixes terá
início no próximo mês. Nos últimos dois anos, a produção de peixe do agricultor
foi de cinco toneladas.


Nascido e criado no campo, tendo ficado anos afastado dessa realidade, seu
Ferreira sempre teve o sonho de voltar a trabalhar na agricultura. “Ninguém dá
de comer a uma família com um salário mínimo. Na terra a gente tem uma vida
segura. Minha profissão é a agricultura. Daqui eu tiro pra comer, sobra um
pouquinho e compro outras coisas pra completar o rancho. Quando o dinheiro tá
curto vou no açude e pesco um peixe, também tem a galinha, o ovo”, relata.


Produção agroecológica no lote de Ferreira e Maria.

Do garimpo à agroecologia


“A vida melhorou, hoje estou na terra, temos fartura, gado pra vender, arroz,
milho. Na Serra Pelada não tinha nada – tudo que fazia era pra comer no dia, o
amanhã não se sabia”, conta o assentado Antonio Barbosa dos Santos, 65 anos, que
antes de ir para a luta dos Sem Terra e se tornar assentado, trabalhou durante
12 anos como garimpeiro na Serra Pelada.


No seu Sistema Agroflorestal, a produção de cupuaçu, jaca, manga, acerola,
murici, goiaba e limão corre solta entre tantas outras árvores nativas. Em
média, são produzidas duas toneladas de cupuaçu por ano, o carro-chefe de
Santos. A produção de feijão, milho, arroz e mandioca é mais do que suficiente
para sua subsistência.


Criado em 1995, as famílias do Palmares II passaram por um ano de acampamento e
resistência e um histórico de oito ocupações, entre despejos e reocupações.
Atualmente, as mais de 500 famílias assentadas estão organizadas em forma de
agrovila.


A Escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental “Crescendo na Prática”, com
cerca de 1.200 alunos, é mais um resultado da luta dos trabalhadores e
trabalhadoras do assentamento, que contam ainda com um Posto de Saúde da Família
e uma cooperativa de transporte.




Permanência no campo


Uma das grandes conquistas do MST no Assentamento Palmares II foi a construção
da Escola de Ensino Fundamental “Crescendo na Prática”, onde estudam mais de mil
crianças.


A escola se tornou uma referência para a comunidade, ao garantir desde a época
do acampamento os processos de formação e o acesso e direito à educação,
reduzindo o analfabetismo e incentivando a permanência das famílias na terra.


O fortalecimento da identidade e cultura camponesa também foi um dos marcos
desse processo, por meio da organização de atividades culturais e festas do
assentamento, trabalhadas em sala de aula. “O aniversário do assentamento, por
exemplo, é muito forte. É um momento que todo mundo fica envolvido na festa. Ou
seja, a festa é um pretexto para você trazer toda a história do assentamento,
como surgiu, quais as lutas do MST na região”, explica Clívia Regina Uhe,
integrante da equipe pedagógica da escola.


Criada ainda na época em que as famílias estavam acampadas, em 1994, sua
construção e reconhecimento se deu apenas após anos de lutas e reivindicações.
Com isso, a própria comunidade foi debatendo e or- ganizando sua participação,
de modo que seu envolvi- mento se dá desde o processo de escolha da direção às
atividades realizadas pela escola, garantindo a democracia e autonomia. Esse
feito a torna a única escola do município com eleição direta para direção, com
participação da comunidade. Normalmente, esse é um papel destinado somente à
Secretaria Municipal de Educação.


Um dos grandes desafios é justamente manter essa autonomia e garantir os
princípios do projeto político pedagógico, como a formação continuada de
professores, para que conheçam mais a realidade do campo. “Há mais de quatro
anos que viemos construindo um coletivo mais efetivo. Temos 42 educadores e só
50% deles moram no assentamento. É um processo contínuo e de longo prazo”,
explica Clívia.


A escola “Crescendo na Prática” é um território de fortalecimento da educação
do campo, em que o projeto político pedagógico e sua implementação refletem a
necessidade da construção permanente da Reforma Agrária Popular no país.


Desenvolvimento


A região sul e sudeste do Pará possui em média 2 mil famílias assentadas do MST
que vivem nos Assentamentos Palmares II, Onalício Barros, 17 de Abril, Cabanos,
Canudos, 26 de Março, 1º de Março, Nega Madalena, Chico Mendes I e II e Salvador
Allende.


Os diversos alimentos produzidos pelos assentados contribuem no abastecimento
dos municípios da região. Os produtos comercializados em maior escala no mercado
regional são milho, mandioca, hortaliças, frutas e leite. Também são produzidos
outros alimentos para a subsistência das famílias e venda em menor escala, como
avicultura e caprinocultura.


Segundo o técnico em agropecuária e integrante da equipe pedagógica do
Instituto de Agroecologia Latino Americano Amazônico (IALA), Cleiton Conceição
Almeida, os assentamentos abastecem as feiras de produtores da região, as
cooperativas e os supermercados. No município de Parauapebas há 400 famílias
assentadas e acampadas, que comercializam os produtos na Feira do Produtor
municipal, que funciona quatro vezes por semana. Ao todo são vendidas cerca de
130 variedades de produtos.


“Depois que chegamos aqui a fartura em Parauapebas aumentou muito. Nas feiras se
enxerga a grande fartura dos assentamentos, que produzem todo tipo de alimentos.
A gente trabalhou e trabalha muito”, relata Santos.



Antes de se aliar à luta dos Sem Terra, Barbosa trabalhou 12 anos no garimpo.

A criação dos assentamentos trouxe desenvolvimento e vários empregos diretos e
indiretos para a região, principalmente no comércio. Além de melhorias nas
condições de vida dos assentados. Segundo Ferreira, os assentamentos também têm
um papel fundamental na diminuição do inchaço das cidades, já que absorvem uma
grande parte de trabalhadores das áreas pobres, que foram para os assentamentos.


Além de gerar desenvolvimento econômico, os assentamentos também provocam
impactos culturais, melhorando a convivência entre as famílias, agora
assentadas, com a população urbana. O assentado Santos relata que na época em
que as famílias estavam acampadas eram tratadas como marginal, mas hoje, após os
assentados iniciarem o cultivo da terra e vender a produção na região, são
tratados como um cidadão.


No entanto, a produção de alimentos é um desafio para os assentados da região,
pois a maioria das fazendas ocupadas são terras que possuem crimes ambientais,
sendo desmatadas e usadas para a exploração da pecuária extensiva, destruindo o
bioma original. Sobra para os camponeses o passivo ambiental. Além de produzir a
substância da família, precisam recuperar parte do bioma destruído.


Fator que se torna difícil sem a criação de políticas públicas que fortaleçam a
agricultura familiar e camponesa.
Também há na região aproximadamente 1200 famílias que permanecem acampadas,
devido ao abandono da Reforma Agrária no Pará. Há famílias que estão há mais de
dez anos nessa situação.

IN
WWW.MST.ORG.BR
http://www.mst.org.br/2015/10/16/assentados-aprendem-as-licoes-da-floresta-para-cultivar-na-amazonia.html
16/10/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário