quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A estrutura da força de trabalho mundial




por Prabhat Patnaik [*]



A Organização Internacional do Trabalho ( OIT) proporciona dados úteis
sobre a força de trabalho mundial. O conceito "força de trabalho" inclui
tanto os empregados como os desempregados. A parte empregada da força
consiste de: trabalhadores assalariados (os quais são chamados
"empregados"); os trabalhadores auto-empregados com "empregados" (os quais
são chamados "empregadores); e os trabalhadores auto-empregados sem
"empregados" (dentre os quais estão "trabalhadores por conta própria",
trabalhadores familiares não pagos e membros de cooperativas de
produtores). Constata-se que a proporção de trabalhadores assalariados no
emprego total do mundo é hoje cerca de 48 por cento.

A OIT tem também uma outra classificação. Ela considera que
"trabalhadores por conta própria" e trabalhadores familiares não pagos
constituem em conjunto aqueles que estão "empregados vulneravelmente"; ao
passo que os "empregadores", juntamente com os trabalhadores assalariados,
são considerados como constituindo os "empregados não vulneráveis". A
composição da força de trabalho mundial nesta classificação pode ser
dada como se segue: a proporção daqueles que estão desempregados é cerca
de 6 por cento; os "empregados vulneravelmente" constituem 47 por cento
(dos quais trabalhadores familiares não pagos são 14 por cento, e
"trabalhadores por conta própria" são 33 por cento); e os "empregados não
vulneravelmente" são outros 47 por cento (dos quais trabalhadores
assalariados são 45 por cento e "empregadores" ou trabalhadores
auto-empregados com "empregados" são 2 por cento.

Contudo, há um grande problema com os dados da OIT, nomeadamente que há
sempre um segmento da força de trabalho que não aparece nem entre os
empregados nem entre os desempregados. E este segmento não é contado de
todo nas estatísticas da OIT, o que portanto subestima a magnitude da
força de trabalho real. Este segmento consiste nos "trabalhadores
desencorajados", os quais estão economicamente inactivos não porque assim
pretendam, mas porque estão tão completamente desesperançados de encontrar
emprego que nem mesmo informam estarem à procura de trabalho. Eles são
realmente desempregados mas não são contados entre os desempregados porque
não se classificam como procurando trabalho. É naturalmente difícil
estimar o seu número, mas se tomarmos toda a população mundial no grupo
etário dos 25-54 anos que está economicamente inactiva como pertencendo a
esta categoria, e portanto à força de trabalho, então obtemos uma
desagregação da força de trabalho total em 2011 tal como se segue
(estimado a partir de Bellamy-Foster, McChesney e Jonna, Monthly Review,
Nov, 2011): desempregados mais "trabalhadores desencorajados" 20 por
cento; "empregados vulneravelmente" 43 por cento e "empregados não
vulneravelmente" 37 por cento. Dentre os empregados não vulneravelmente,
os trabalhadores assalariados seriam cerca de 35 por cento e os
"empregadores", isto é, trabalhadores auto-empregados com "empregados" 2
por cento.

A partir destes números pareceria à primeira vista que 35 por cento de
toda a força de trabalho global está empregada sob o capitalismo. Mas esta
impressão é errónea. Dentre os "empregados" há alguns que são empregados
pelos "auto-empregados" (os "empregadores" pela definição da OIT).
Exemplo: uma parte dos 35 por cento da força de trabalho global que
consiste de trabalhadores assalariados seria empregada pelos camponeses
ricos. O facto de que eles empreguem trabalhadores iria, aos olhos de
alguns, conferir-lhes o status de serem "capitalistas". Mas uma tal
categorização é errónea. Sob tal categorização pode-se dizer que a Índia
tem um sector capitalista significativo ao longo de grande parte da sua
história, muito antes de o capitalismo surgir como fenómeno na Europa.

Na verdade, um debate prolongado sobre se o facto de o emprego contra
pagamento de salário pode só por si afirmar que define o capitalismo teve
lugar na Índia há alguns anos atrás. O consenso geral que emergiu foi que
o mero emprego de trabalho contra pagamento de salário na agricultura não
habilita o empregador a ser chamado de "capitalista". Segue-se portanto
que a proporção da força de trabalho (labour-force) global que
proporciona capacidade de trabalho (labour-power) directamente a
empregadores capitalistas não pode ser mais do que um terço.

Por outro lado, temos 63 por cento da força de trabalho global, ou quase
dois terços, consistindo de trabalhadores que estão ou desempregado, ou
"desencorajados", ou "empregados vulneravelmente". Bellamy-Foster et al.
consideram ser esta percentagem a dimensão máxima do exército de trabalho
de reserva na economia mundial. Mas mesmo deixando de lado o aspecto
exército de reserva, esta proporção constitui por definição o segmento
vulnerável da força de trabalho mundial.




IMPRESSÃO ENGANOSA

Contudo, isto dá uma impressão enganosa. Assumir que todo o corpo de
trabalhadores assalariados são "empregados não vulneráveis" é erróneo.
Sabemos que entre os trabalhadores assalariados há trabalhadores casuais,
trabalhadores em tempo parcial, trabalhadores temporários, trabalhadores
intermitentes e assemelhados, os quais estão de facto num segmento
altamente vulnerável da força de trabalho. Categorizá-los como não
vulneráveis, como faz a OIT, equivale a uma grosseira violação da
realidade.

Na Índia, por exemplo, apenas cerca de 4 por cento ou menos da força de
trabalho total não é vulnerável à demissão instantânea à vontade do
empregador. O segmento restante pode ser despedido sem qualquer aviso se o
empregador assim quiser. Mesmo assim, contudo, vários dos chamados
"investigadores" têm argumentado que o crescimento industrial da Índia é
atrasado pela ausência deste poder absoluto da parte dos empregadores
para despedir trabalhadores. E que a "flexibilidade do mercado de
trabalho", a qual significa poder absoluto dos empregadores para despedir
trabalhadores à vontade sempre que o desejem, deve ser introduzida de
imediato para remover este obstáculo ao crescimento industrial da Índia.
A magnitude total daqueles que estão "empregados vulneravelmente" excede
portanto os dois terços da força de trabalho global mencionados
anteriormente.

Há um ponto adicional importante que precisa ser notado. As várias
proporções acima mencionadas, dos desempregados, da população
economicamente inactiva na faixa etária dos 25-54 anos, os trabalhadores
assalariados e o empregados vulneravelmente, na óptica da força de
trabalho global dificilmente experimentou qualquer mudança significativa
nos últimos anos, especialmente entre os anos 1997 e 2011 que são cobertos
pelos número empíricos de Bellamy Foster et al. A proporção dos
trabalhadores assalariados em relação ao total força de trabalho global
por exemplo, que era de 35 por cento em 1997 mal ascendeu perceptivelmente
para 37 por cento em 2011.

Entretanto, sabemos que durante este mesmo período houve um ataque maciço
aos pequenos produtores, especialmente o campesinato, sob a égide do
neoliberalismo. Na verdade foi desencadeado um verdadeiro processo daquilo
a que Marx chamou "acumulação primitiva de capital". E na própria Índia
tivemos uma queda no número de famílias camponesas entre os dois últimos
recenseamentos, o que é indicativo do facto de que pequenos produtores
deslocados estão a afluir para cidades em busca de empregos. Dada a alta
taxa de crescimento do PIB na economia, poder-se-ia esperar uma procura
florescente de capacidade de trabalho por parte do capital, a qual
deveria ter aumentado a fatia dos trabalhadores assalariados na economia
indiana e, portanto, em consequência (uma vez que uma experiência
semelhante teria sido expectável alhures) na força de trabalho global.

DESIGUALDADE CRESCENTE NA DISTRIBUIÇÃO DO RENDIMENTO MUNDIAL

O facto de isto não ter acontecido, de que os rácios das várias
categorias para o total da força de trabalho global ter permanecido mais
ou menos inalterada ao longo do tempo, sugere que aqueles deslocados da
economia agrária, ou da economia de pequena produção em geral, entraram
outra vez no segmento dos empregados vulneráveis na cidades. Em suma, eles
migraram de um segmento dos "empregados vulneravelmente" para outro
segmento, da economia camponesa para o sector de serviços nas áreas
urbanas.

Dito de modo diferente, o processo de acumulação primitiva de capital que
se efectua sob o neoliberalismo não leva a um aumento na proporção da
força de trabalho absorvida pelo sector capitalista. Este facto, ao nível
global, à primeira vista pode parecer estranho. Ainda que o crescimento
rápido da Índia não tenha levado a um aumento na proporção da sua força de
trabalho absorvida no exército activo do trabalho empregue pelo capital, o
mesmo poderia não ser verdadeiro na China onde mesmo o Economist de
Londres tem falado acerca da emergência de um mercado de trabalho tenso
devido à rápida industrialização (com base no pagamento de salários). No
entanto, isto parece ser verdadeiro para a economia global como um todo.
Por outras palavras, os pequenos produtores deslocados de sectores
tradicionais, os quais tem estado a enfrentar todo o peso do ataque
violento do capital, não foram absorvidos dentro das fileiras dos
trabalhadores assalariados.

A magnitude do exército de reserva pode ser identificada de modo
diferente sob critérios diferentes. Bellamy Foster et al. vêem a dimensão
máxima do exército de reserva como consistindo nos desempregado, a
população economicamente inactiva na faixa etária dos 25-54 anos, e nos
empregados vulneravelmente. Entretanto o exército de reserva real seria
mais pequeno, consistindo de apenas uma fracção deste máximo (uma vez que
parte dele abrange camponeses e pequenos produtores que não estão de
imediato no exército de reserva). Mas não importa como definamos isto, a
dimensão relativa do exército de reserva no total da força de trabalho
global (a qual inclui tanto os activos como o exército de reserva) para
ter permanecido mais ou menos inalterada durante os últimos anos.

Isto é importante porque explica a desigualdade crescente da distribuição
do rendimento mundial. A relativa não-contracção da dimensão do exército
de reserva assegura que a magnitude absoluta do vector dos salários reais
na economia mundial não aumenta mesmo quando a produtividade do trabalho
sobe. Isto implica um aumento da proporção de excedente na produção
mundial, isto é, na proporção de rendimento a acumular-se para capitalista
e seus acólitos, o que se manifesta como um aumento na desigualdade de
rendimento.

Isto também refuta teorias que sugere que o ritmo de acumulação de
capital é restringido pelo crescimento da dimensão do exército total
(activo e de reserva) do trabalho. A teoria económica burguesa,
naturalmente, acredita que há sempre pleno emprego sob o capitalismo e que
os únicos desempregados são aqueles que ou optam assim estarem ou estão
"entre empregos". Ela portanto sustenta que necessariamente o ritmo de
acumulação é constrangido pelo crescimento da força de trabalho. Mas mesmo
entre autores que rejeitam a visão de que o "pleno emprego" prevalece sob
o capitalismo, alguns ainda argumentariam que a acumulação de capital é
constrangida pelo crescimento da força de trabalho. Otto Bauer, o
conhecido marxista austríaco, a quem Rosa Luxemburgo criticou sobre este
ponto, era um destes. As estatísticas da força de trabalho relativas à
economia mundial não admitem esta visão.


25/Outubro/2015

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2015/1025_pd/structure-world-labour-force .
Tradução de JF.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/patnaik/f_trabalho_mundial_25out15.html
28/10/2015

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