quarta-feira, 3 de maio de 2017

“As bases impuseram a greve às centrais sindicais, não o contrário”




Gabriel Brito


Qua­renta e quatro dias de­pois dos mas­sivos atos de pro­testos e greves de 15
de março, também no bojo da forte mo­bi­li­zação das mu­lheres, o Brasil se
de­parou com uma grande greve geral, a an­te­cipar o fim de se­mana pro­lon­gado
pelo pri­meiro de maio. Ao menos 35 mi­lhões cru­zaram braços e o oti­mismo
quanto ao bar­ra­mento das re­formas do go­verno Temer cresceu.
“Foi cer­ta­mente a maior greve geral da his­tória do país. É óbvio que o setor
de trans­portes foi de­ter­mi­nante, mas atingiu fá­bricas, bancos, co­mér­cios,
todos os es­tados. Foi sequência do que já vinha ocor­rendo: as bases
sin­di­cais ti­nham cla­reza total das re­formas tra­ba­lhistas e
pre­vi­den­ciária. Elas im­pu­seram às cen­trais a di­nâ­mica da greve, não
foram as cen­trais que foram res­pon­sá­veis pela pa­ra­li­sação”, disse Paulo
Pasin, pre­si­dente da Fe­de­ração Na­ci­onal dos Me­tro­viá­rios, ao Cor­reio.
Dessa forma, é pre­ciso ir além das ce­le­bra­ções e cantos de vi­tó­rias das
ve­lhas di­re­ções dos or­ga­nismos da classe tra­ba­lha­dora e vis­lum­brar
todo o ta­bu­leiro que se joga. Afinal, es­tamos fa­lando de cen­trais que deram
toda sua anuência à in­venção da fi­gura de Mi­chel Temer como fi­ador da
go­ver­na­bi­li­dade lu­lista, ade­quado à chapa que ven­ceria duas elei­ções ao
lado de Dilma.

“Dia 28 de abril de 2017 entra para a his­tória da luta de classes no Brasil.
Foi uma das mais ex­pres­sivas e abran­gentes greves ge­rais do país,
cons­ti­tuindo-se como uma res­posta ao des­monte dos di­reitos so­ciais e
tra­ba­lhistas le­vado a cabo pelo gol­pismo. Mi­lhões de pes­soas cru­zaram os
braços, cen­tenas de mi­lhares par­ti­ci­param de ma­ni­fes­ta­ções e a grande
mai­oria do povo bra­si­leiro apoiou a re­a­li­zação da greve. Co­loca-nos em
outro pa­tamar de en­fren­ta­mento ao grande ca­pital, ao seu go­verno e ao
con­junto dos po­deres da Re­pú­blica que estão unidos em torno do des­monte da
Cons­ti­tuição Fe­deral”, con­cordou Edson Car­neiro, o Índio da
In­ter­sin­dical.
Des­con­fi­ados das in­ten­ções de tais cen­trais em im­primir seu pró­prio
sen­tido à greve, muitos se per­gun­taram se o cha­mado do 28 de abril não foi
de­mo­rado, dado o su­cesso e vigor dos pro­testos de março. De acordo com os
nossos en­tre­vis­tados, também re­flete as des­co­ne­xões entre di­re­ções e
bases, ainda que seja um as­pecto menos re­le­vante nesse mo­mento de ofen­siva
re­for­mista de um ca­pi­ta­lismo que não sabe eludir sua pró­pria crise – que
já há 10 anos pa­ra­lisa todo o globo, não só o Brasil.

“Não sei se dava pra fazer antes. A ofen­siva pu­bli­ci­tária e mi­diá­tica do
go­verno é muito forte no sen­tido de vender que não há perda de di­reitos. O
tempo entre o 15M e a greve geral per­mitiu in­formar uma am­pli­tude maior de
se­tores. No en­tanto, o mais pre­o­cu­pante é em re­lação às cen­trais: no
pró­prio dia da greve a Força Sin­dical já fazia pro­pa­ganda, a con­cordar com
pontos da re­forma da pre­vi­dência, como idade mí­nima, mas não para 65 anos, e
já fa­lando numa regra de tran­sição pró­xima à su­ge­rida pelo go­verno”,
pon­derou Pasin.
“O Brasil é imenso e com­porta re­a­li­dades muito dis­tintas. Para al­gumas das
ca­te­go­rias mais or­ga­ni­zadas ou ou­tras que pa­ra­li­saram no 15 de março,
pa­receu que final de abril seria tarde. Mas para ou­tros se­tores esse tempo
foi im­por­tante para com­pre­ender o ta­manho do ataque e pre­parar a
re­sis­tência. Nem todas as pes­soas ha­viam as­si­mi­lado o que Temer e a mídia
chamam de re­formas. Com o de­bate, restou claro que seria o fim da
apo­sen­ta­doria. O tema da ‘re­forma’ tra­ba­lhista não tinha che­gado com
força nas pre­o­cu­pa­ções do povo”, com­ple­mentou Índio.

Lula lá?
Dois dias de­pois da pa­ra­li­sação, saiu a pes­quisa do Da­ta­Folha a in­formar
que o ex-pre­si­dente Lula con­tinua sendo o grande nome no ima­gi­nário
po­pular como pos­sível so­lução. En­quanto a bur­guesia e seus dis­po­si­tivos
de pro­pa­ganda fazem de tudo para in­vi­a­bi­lizá-lo, seu nome con­tinua sendo
sinô­nimo de um país que deu certo, pelo menos de um ponto de vista menos branco
e ne­o­li­beral, como tanto se pu­bli­ciza.
A sombra de sua enorme fi­gura é ine­lu­tável a qual­quer de­bate de
con­jun­tura, goste-se ou não de se con­viver com tal re­a­li­dade.
“A an­te­ci­pação, in­clu­sive das pes­quisas, para 2018 é um equi­voco para
nós. O cres­ci­mento do Lula re­pre­senta um re­púdio ao go­verno Temer, o qual
a classe tra­ba­lha­dora iden­ti­fica como agressor de di­reitos tra­ba­lhistas
e sin­di­cais. Mas em hi­pó­tese al­guma se pode mirar a dis­puta elei­toral
agora”, ob­servou Pasin.
Por sua vez, Índio ofe­rece um ponto de vista mais prag­má­tico, talvez por ver
de perto as sen­sa­ções que o nome do ex-pre­si­dente causam no tra­ba­lhador
comum.
“O Brasil atra­vessa um dos mo­mentos mais graves de sua his­tória re­cente. O
golpe ins­talou na pre­si­dência da Re­pú­blica um go­verno dis­posto a levar a
cabo tudo aquilo que o grande ca­pital não con­se­guiu fazer desde a
pro­mul­gação da Cons­ti­tuição. Minha opi­nião é que o lu­lismo optou por
po­lí­ticas que não ar­maram a classe tra­ba­lha­dora para o en­fren­ta­mento
po­lí­tico fun­da­mental e a ori­en­tação geral pelo au­mento do acesso ao
con­sumo des­po­li­tizou o pro­cesso. Já a opção da pre­si­dente Dilma pelo
ajuste fiscal fa­ci­litou a mo­vi­men­tação gol­pista da di­reita. Em suma,
fi­zeram um go­verno dis­tante das nossas as­pi­ra­ções. Mas à sua ma­neira e
com suas con­tra­di­ções, foram um freio ao avanço dessas três pautas
fun­da­men­tais: des­monte da apo­sen­ta­doria, fim da CLT e le­ga­li­zação da
ter­cei­ri­zação ir­res­trita”, ana­lisou.
“A pri­meira coisa a ser feita é dis­cutir um pro­jeto para a so­ci­e­dade
bra­si­leira, e não re­e­ditar a velha saída da con­ci­li­ação de classe,
re­pre­sen­tada pelo PT no poder. En­frentar a con­tra­o­fen­siva do go­verno é
a pri­meira ta­refa. E no médio prazo pre­parar um pro­jeto al­ter­na­tivo de
so­ci­e­dade, um pro­grama po­lí­tico e econô­mico da classe”, re­forçou Pasin,
ci­ente de que o elei­to­ra­lismo pe­tista já está na ordem do dia, por mais que
se tente re­forçar o ca­ráter amplo e plural da greve, com o im­pe­ra­tivo de
re­sistir a uma brutal ro­dada de re­ti­rada de di­reitos tra­ba­lhistas e
so­ciais.
Se a força e a fra­queza das re­sis­tên­cias ao go­verno Temer giram em torno do
ex-pre­si­dente, o tempo dirá. De toda forma, ambos con­cordam que no curto
prazo a es­querda não dis­porá de uma opção mais com­ba­tiva e mus­cu­losa.
Res­taria a pre­pa­ração de um pro­grama po­lí­tico que vise o médio prazo, cuja
au­sência da cena quatro anos após as ma­ni­fes­ta­ções de junho de 2013 e o
re­corde his­tó­rico de greves re­gis­trado entre 2009-2012 en­se­jaria outro
de­bate.
“A es­querda so­ci­a­lista não foi ainda capaz de se cons­ti­tuir como polo
or­ga­ni­zador, capaz de barrar o ne­o­li­be­ra­lismo ra­dical pre­ten­dido pelo
ca­pital para a su­pe­ração da crise econô­mica in­ter­na­ci­onal”, sin­te­tizou
Índio.
Mídia, ma­ni­pu­lação e re­pressão
Outro as­pecto que não será es­go­tado nesta ma­téria é o da co­ber­tura
mi­diá­tica. Em li­nhas ge­rais, um gros­seiro e por vezes nau­se­ante es­forço
de con­vencer o te­les­pec­tador a dis­cordar da greve. Já na manhã da sexta, a
re­por­tagem da Globo es­tava em Fran­cisco Mo­rato, tí­pico re­duto de po­bres
que só apa­rece na des­gas­tada co­ber­tura dos bangue-ban­gues entre po­lícia e
ban­didos. No en­tanto, dessa vez a ci­dade con­tava com o la­mento
te­le­vi­sivo de que seus mo­ra­dores não con­se­guiam usar a linha de trem para
“avançar” rumo ao local de tra­balho. 
“Pri­meiro, a mídia tentou não in­formar a exis­tência da greve, acre­di­tando
que assim a classe tra­ba­lha­dora não ia saber, nem par­ti­cipar. Mas existem
mídia al­ter­na­tiva e as pró­prias bases sin­di­cais. De­pois, no dia da greve,
tentou ca­rac­te­rizar como greve de trans­porte, sem par­ti­ci­pação do resto
da classe. Por fim, tentou in­vestir na imagem do van­da­lismo, atos
su­pos­ta­mente vi­o­lentos etc. Já no dia se­guinte, tentou es­conder o
ta­manho da pa­ra­li­sação e di­ver­si­dade de se­tores que a ela ade­riram”,
enu­merou Paulo Pasin.
E este dia 2 não deixa o me­tro­viário mentir. Na Globo, nova fuga para a
de­linquência so­cial em re­giões pe­ri­fé­ricas, desta vez em Duque de Ca­xias
(RJ), que ama­nheceu com ônibus em chamas e uma ope­ração po­li­cial contra o
trá­fico que prendeu 26 pes­soas. No­va­mente, o ca­pricho se­mân­tico se fez
pre­sente: apesar de não saber quem tocou fogo nos veí­culos (“que
pre­ju­di­caram o acesso de seus mo­ra­dores ao tra­balho”), a pa­lavra
“mas­ca­rados” foi rei­te­ra­da­mente uti­li­zada na es­pe­cu­lação – nunca uma
afir­mação firme e che­cada – sobre como te­riam co­me­çado os dis­túr­bios. Uma
es­pécie de con­tra­bando ide­o­ló­gico para fu­turas vi­draças de banco
que­bradas, evi­den­te­mente.
Já na Folha de São Paulo desta terça-feira, pa­rece que o dia 2 de maio foi
an­te­ce­dido pelo 30 de abril no ca­len­dário. Não há ab­so­lu­ta­mente
ne­nhuma re­fe­rência às ma­ni­fes­ta­ções do dia 1º. Mas há uma co­luna
de­veras in­fan­ti­li­zada de Hélio Schwarts­mann em de­fesa da re­forma
tra­ba­lhista, a su­gerir a “livre ne­go­ci­ação” entre pa­trão e em­pre­gado (o
ar­ti­cu­lista não usa tais ca­te­go­ri­za­ções) como um dos mais ce­le­brá­veis
va­lores da de­mo­cracia.

“Rei­tero meu temor com a cú­pula das cen­trais sin­di­cais, apesar de todos
re­co­nhe­cerem o su­cesso da greve, em uti­lizar sua força não para novos e até
mais con­tun­dentes en­fren­ta­mentos, mas o con­trário, en­trando na ló­gica de
ne­go­ciar emendas pon­tuais em tais re­formas. Por fim, a classe
tra­ba­lha­dora deve re­pu­diar a re­pressão or­de­nada do go­verno Temer, seja
na prisão ar­bi­trária de prender mi­li­tantes do MTST, a vi­o­lência da PM de
Goiás e a vi­o­lência po­li­cial no Rio. Mas a greve foi tão forte que eles são
obri­gados a ad­mitir. Outro ponto fun­da­mental é: não existe so­ci­e­dade
de­mo­crá­tica com ta­manho mo­no­pólio dos meios de co­mu­ni­cação, como é o
caso bra­si­leiro”, pon­tuou Pasin.
De todas as ma­neiras, ne­nhuma vi­tória efe­tiva da classe tra­ba­lha­dora foi
ga­ran­tida, por mais que tais ma­ni­fes­ta­ções e adesão po­pular animem todas
as or­ga­ni­za­ções e grupos par­ti­ci­pantes dos atos. A ba­talha é longa e
re­flete a ten­ta­tiva de se re­de­finir um pacto so­cial du­ra­mente
es­ta­be­le­cido e mesmo assim ja­mais cum­prido.
“Acres­cento que nem toda a es­querda nem o con­junto da classe ainda se deram
conta do sig­ni­fi­cado que o des­monte da CLT, a le­ga­li­zação da
ter­cei­ri­zação ir­res­trita e a pe­jo­ti­zacao terão sobre a or­ga­ni­zação
so­cial e po­lí­tica da classe tra­ba­lha­dora. Sua apro­vação, além do
des­monte da apo­sen­ta­doria, seria um tiro de morte nas con­quistas do sé­culo
20, com ca­pa­ci­dade de co­locar a nossa classe e a eco­nomia bra­si­leira em
con­di­ções muito mais di­fí­ceis na Amé­rica La­tina”, con­cluiu Índio.
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Ga­briel Brito é jor­na­lista e editor do Cor­reio da Ci­da­dania.

In
CORREIO DA CIDADANIA
http://correiocidadania.com.br/34-artigos/manchete/12524-as-bases-impuseram-a-greve-as-centrais-sindicais-nao-o-contrario
2/5/2017

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