terça-feira, 8 de setembro de 2015

Greves e lockouts na indústria americana*




António Santos


A luta de classes nos EUA está bem viva. E é duríssima. Num país onde a
liberdade sindical é quase inexistente, onde as direcções sindicais são na
generalidade conciliadoras e em muitos casos corruptas, e a organização dos
trabalhadores é perseguida e reprimida, surgem ainda assim importantes conflitos
laborais, como sucede na indústria automóvel, onde o patronato vem impondo a
destruição de praticamente todos os direitos. E se as empresas não são paradas
pela greve, são paradas pelo lockout.




Esta quarta-feira, um anúncio da Allegheny Technologies Incorporated, no
principal site de pesquisa de emprego dos EUA, anunciava: «URGENTE – precisa-se
trabalhador com experiência metalúrgica; oferece-se 1700 a 3000 dólares por
semana». Parece-lhe bom demais? Não envie já o seu currículo. Continue a ler:
«Deve ser capaz de levantar cargas superiores a 25 quilos e trabalhar de pé mais
de 12 horas por dia; sob altas temperaturas; 84 horas por semana; trata-se de
uma disputa laboral; terá de cruzar piquetes de sindicatos; posição temporária».

Na «disputa laboral» em causa, o «piquete de sindicatos» serve para exigir o
direito de regressar ao trabalho. O que paralisa, há mais de três semanas, uma
fábrica de dois mil trabalhadores, em Pitsburgo, na Pensilvânia, não é uma
greve, mas um lockout em que os patrões impedem os trabalhadores de produzir
para assim obrigá-los a ceder às suas reivindicações.

Os patrões da ATI, que rejeitam qualquer tipo de negociação com o sindicato da
United Steelworkers, estão em luta por um novo contrato de trabalho colectivo
que acompanhe a última tendência esclavagista dos magnatas da indústria
estado-unidense: o contrato nivelado.

Contratos nivelados: a máquina do tempo da exploração

O contrato por níveis, ou tiers, reduz os direitos dos trabalhadores consoante a
antiguidade na empresa. No caso da ATI, o patronato pretende que os
trabalhadores contratados a partir de 2010 paguem mais pelo seguro de saúde; que
os que entrarem em 2016 já não tenham direito a pensões; que os de 2020 deixem
de receber horas extraordinárias e assim sucessivamente.

No sector da indústria automóvel, onde o grande capital procura neste momento
assinar grandes contratos nivelados na Ford, na General Motors e na Fiat
Chrysler, milhares de operários têm aprovado, com maiorias entre os 97 e os 99
por cento, autorizações para as suas organizações sindicais decretarem greves.

Esta terça-feira, foi a vez dos 4500 operários da unidade da Ford em Louisville,
no Kentucky, autorizarem, com 97% dos votos, o sindicato United Auto Workers
(UAW), que representa mais de 350 mil trabalhadores, a decretar a greve. Mas se,
no total, mais de 50 mil operários já tomaram esta opção, a UAW ainda não
decidiu partir para a luta.

A flor da bancarrota

A Ford que, à semelhança dos outros gigantes do sector, alcançou este ano os
melhores resultados dos últimos quinze anos, com um crescimento das receitas na
ordem dos 44%, usou como pretexto a bancarrota da General Motors e da Chrysler
para eliminar direitos conquistados há mais de 60 anos como o subsídio de custo
de vida e o bónus de produtividade. A maioria dos trabalhadores da Ford não
conhece aumentos salariais há mais de dez anos.

Também na General Motors e na Chrysler, desde a crise de 2009 que os
trabalhadores são obrigados a trabalhar dez horas todos os sábados, pelo salário
normal, ao mesmo tempo que a maioria dos operários viu os seus horários
desregulados pela vontade do patrão. Tendo em conta que foram os contribuintes
estado-unidenses que pagaram a bancarrota da indústria e olhando para os seus
resultados, é seguro afirmar que a falência foi um óptimo negócio para os donos
da indústria automóvel.

Os contratos de dois e mais níveis em cima da mesa dos patrões inscrevem-se no
quadro de uma reorganização laboral que começou com as bancarrotas de 2009 e
que, então, recebeu o beneplácito de sucessivas concessões da UAW. No livro
«Dentro da Transformação da Ford - UAW», de 2015, o dirigente da UAW, Dan
Brooks, embandeira em arco pelo seu sindicato ser «parceiro de negócios» da
Ford, gabando-se de que «nenhuma outra companhia automóvel teve tanto sucesso em
transitar para práticas laborais mais flexíveis e competitivas».

*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2179, 3.09.2015

In
O DIARIO.INFO
http://www.odiario.info/?p=3761
7/9/2015

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