quarta-feira, 8 de março de 2017

8 de março – As mulheres e a Revolução Russa 



"Naquele longínquo oito de março dezenas de milhares de mulheres indignadas
paralisaram o trabalho e marcharam pelas ruas da cidade com cartazes que diziam
“Pão para os nossos filhos!” e “Retorno de nossos maridos das trincheiras!”. A
Rússia czarista estava mergulhada na sangrenta Primeira Guerra Mundial e colhia
resultados bastante negativos. Milhões morriam ou eram feridos nos campos de
batalha. Nas cidades reinavam a fome e a miséria", lembra o historiador Augusto
César Buonicore
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Por AUGUSTO C. BUONICORE

Naquele longínquo oito de março dezenas de milhares
de mulheres indignadas paralisaram o trabalho e marcharam pelas ruas da cidade
com cartazes que diziam “Pão para os nossos filhos!” e “Retorno de nossos
maridos das trincheiras!”. A Rússia czarista estava mergulhada na sangrenta
Primeira Guerra Mundial e colhia resultados bastante negativos. Milhões morriam
ou eram feridos nos campos de batalha. Nas cidades reinavam a fome e a miséria.
Naquele dia paralisaram cerca de 90 mil trabalhadores. A manifestação das
operárias foi tão impressionante – e o czarismo estava tão desmoralizado–que os
próprios soldados se recusaram a reprimi-la e alguns aderiram a ela. Nos dias
que se seguiram uma greve geral paralisou toda a cidade e se espalhou pelo país.
As proibidas bandeiras vermelhas voltaram a tremular nos bairros populares.
Foram recriados os sovietes de operários e soldados. Era o fim daquele regime
opressivo e secular, que cairia dentro de alguns dias.

Escreveu a revolucionária comunista russa Alexandra Kollontai: “O dia
Internacional das Mulheres de 1917 tornou-se memorável na história. Nesse dia as
mulheres russas ergueram a tocha da revolução proletária e incendiaram todo o
mundo. A revolução de fevereiro se iniciou a partir desse dia”. Outro dirigente
soviético Leon Trotsky diria: “ninguém, absolutamente ninguém – podemos afirmar
categoricamente baseando-se em todos os documentos consultados – supunha que o
dia 23 de fevereiro marcaria o início de um assalto decisivo contra o
absolutismo”. Portanto, aquela greve de mulheres, surgida quase espontaneamente,
não fazia parte de nenhum plano insurrecional comunista. Ninguém esperava aquele
desfecho.
Segundo Ana Isabel Gonzáles, “foi para relembrar a ação das mulheres na história
da Revolução Russa que o Dia Internacional das Mulheres passou a ser comemorado
de forma unificada no dia 8 de março. A decisão de unificação foi tomada na
Conferência de Mulheres Comunistas, coincidindo com o Congresso da Internacional
Comunista, realizado em Moscou em 1921”.
No dia 8 de março deste mesmo ano, Lênin escreveria no Pravda um artigo que
dizia: “a metade feminina da raça humana é duplamente oprimida pelo capitalismo.
A operária e a camponesa são oprimidas pelo capital, mas primeiro, e acima de
tudo, inclusive na mais democrática república burguesa, permanecem,
primeiramente, privadas de alguns direitos porque as leis não lhes concedem
igualdade com os homens; e, em segundo lugar – e este é o aspecto mais
importante – permanecem ‘escravas do trabalho doméstico’. Continuam sendo
‘escravas domésticas’ porque estão sobrecarregadas com a monotonia do mais
mesquinho, duro e degradante trabalho na cozinha e nas tarefas domésticas
familiares”. Continua ele: “aqui, na Rússia Soviética, não sobrou nenhum rastro
de desigualdade entre os homens e mulheres perante a lei”.
Lênin, como um bom marxista, sabia que a igualdade formal perante a lei ainda
era insuficiente, pois na prática cotidiana a opressão poderia ser mantida. Por
isso, concluiu: “Este é só um passo na libertação da mulher. Mas nenhuma das
repúblicas burguesas, incluindo as mais democráticas, se atreveu a dar sequer o
primeiro passo”.
Mas quando se decidiu comemorar um dia internacional da mulher?
Pelo que se tem notícia a primeira vez que se comemorou um Dia da Mulher foi nos
Estados Unidos. O Partido Socialista daquele país, ligado à II Internacional,
atendendo a um apelo de suas militantes aprovou no final de 1908 a seguinte
resolução: “Recomendamos que todas as seções locais do partido socialista
dediquem o último domingo de fevereiro de 1909 à realização de uma manifestação
a favor do direito ao voto das mulheres”. Assim, o primeiro Dia da Mulher
ocorreu num 28 de fevereiro. Devido à grande receptividade encontrada, no ano
seguinte o evento se repetiu. Contudo, ele não tinha um caráter internacional e
nem a forma principal de expressão era a paralisação do trabalho, visto que era
no domingo.
Em 1910 as delegadas estadunidenses participaram da 2ª Conferência Internacional
de Mulheres Socialistas, realizada em Copenhague, e levaram consigo a proposta
de realizar no último domingo de fevereiro um dia internacional das mulheres,
tendo como eixo o direito ao voto para as mulheres. De fato, por proposição da
alemã Clara Zetkin, foi aprovada uma resolução que dizia: “De acordo com as
organizações políticas e sindicais do proletariado, as mulheres socialistas de
todas as nacionalidades organizarão em seus respectivos países um dia especial
das mulheres. Será necessário debater esta proposição com relação à questão da
mulher a partir da perspectiva socialista. Esta comemoração deverá ter caráter
internacional e será necessário prepará-la com muito esmero”.
Como podemos ver, embora aprovasse a diretiva de se caminhar para a construção
de um “dia especial das mulheres” de caráter internacional e socialista, não
indicava uma data unificada para essa comemoração. O dia escolhido pelas alemãs
e austríacas para primeira manifestação foi 19 de março de 1911. Escreveu
Kollontai: “Seu sucesso ultrapassou todas as expectativas (...). Os homens
ficaram em casa com seus filhos, para variar, e suas esposas, as donas de casa
prisioneiras, foram às reuniões. Durante a maior manifestação de rua
participaram 30 mil mulheres, a polícia decidiu tomar as bandeiras das
manifestantes: as mulheres trabalhadoras protestaram. No tumulto que se seguiu,
o derramamento de sangue só foi evitado com a ajuda dos deputados socialistas”.
Assim, transcorreu o primeiro Dia Internacional da Mulher na Alemanha. As
socialistas estadunidenses mantiveram o seu ato no último domingo de fevereiro e
as suecas fizeram coincidir com o Primeiro de Maio. As datas não eram fixas e
variavam de país para país.
Naqueles anos, as mulheres já possuíam uma força expressiva no interior do
movimento sindical e nos partidos socialistas europeus e estadunidenses. Segundo
Kollontai, em 1913 os sindicatos ingleses possuíam mais de 292 mil filiadas, os
sindicatos alemães 200 mil; na Áustria eram 47 mil. Já existiam no seio da
social-democracia alemã 150 mil mulheres e no austríaco 20 mil. Não era mais
possível às lideranças socialistas desconhecer essa realidade. Se se quisesse
avançar nas mudanças sociais rumo ao socialismo era preciso incorporar as
mulheres trabalhadoras.
Contudo, muitos socialistas ainda resistiram quanto à realização de um Dia
Internacional das Mulheres. Achavam que isso cindiria a classe operária. Aquilo
seria uma concessão das mulheres socialistas ao feminismo burguês. O único dia
para se comemorar era o Primeiro de Maio, dia internacional dos trabalhadores.
Alexandra Kollontai e Clara Zetkin tiveram que travar uma dura polêmica contra
tais equívocos. Nesse seu esforço foram apoiadas por homens como Augusto Bebel,
Karl Kautsky e Lênin.
Uma vitória ocorreu em 1914 quando as socialistas alemãs, russas e suíças
comemoraram conjuntamente o Dia Internacional das Mulheres em 8 de março –
decisão tomada no ano anterior. Graças ao prestígio do Partido Social-Democrata
da Alemanha, esta virou a data referencial para as manifestações nos principais
países capitalistas. A eclosão da Primeira Guerra Mundial e a traição das
principais lideranças da social-democracia europeia, que apoiaram as suas
respectivas burguesias durante o conflito, levaram a um refluxo ao movimento
feminino socialista e internacionalista.
Alexandra Kollontai fez uma constatação muito importante sobre essas primeiras
manifestações internacionais do movimento de mulheres socialista até 1917.
Afirmou ela: “O Dia Internacional das Mulheres na América e na Europa teve
resultados impressionantes. É verdade que nenhum parlamento burguês cogitou
fazer qualquer concessão aos trabalhadores ou responder às reivindicações das
mulheres, pois naquela época, a burguesia não estava ameaçada por uma revolução
socialista”. As coisas mudaram depois de fevereiro de 1917. Não por acaso as
mulheres russas conquistaram o direito ao voto poucos meses depois (em julho),
sendo seguidas pelas mulheres alemãs, austríacas, inglesas etc. Assim, a
Revolução Russa impulsionou fortemente as conquistas políticas e sociais das
mulheres no mundo todo.
O objetivo deste breve artigo é relembrar que o Oito de Março tem origem, e a
ele deve a sua universalização,no movimento socialista e comunista,
especialmente depois da Revolução Russa. Hoje ele faz parte do patrimônio de
todas as mulheres conscientes – e não apenas das comunistas –, mas isso não nos
desobriga de relembrar a sua história mais remota e homenagearmos suas
principais personagens: Clara Zetkin, Alexandra Kollontai, Rosa de Luxemburgo,
Inês Armand, entre outras combatentes da emancipação feminina e dos
trabalhadores.



* Augusto César Buonicore é historiador, presidente do Conselho Curador da
Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução
brasileira: encontros e desencontros, Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento
de João Amazonas e Linhas Vermelhas: marxismo e os dilemas da revolução. Todos
publicados pela Editora Anita Garibaldi.
In


BRASIL/247
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/283934/8-de-março-–-As-mulheres-e-a-Revolução-Russa.htm
8/3/2017

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