quarta-feira, 15 de março de 2017

CIA: do mito à incompetência       

     


Trump e a sua administração têm manifestado reservas em relação à CIA. Não em
relação à sua tenebrosa actividade, mas a indícios de incompetência que levam a
que uma organização como Wikileaks tenha acedido e revelado os seus sistemas de
espionagem e pirataria informática. A má notícia para Trump é que as novas
tecnologias deixaram de ser um exclusivo do poder.
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O avultado acervo de documentos dado a conhecer terça-feira pela organização
mediática internacional Wikileaks, onde se detalha grande número de ferramentas
de pirataria informática utilizadas pela Agencia Central de Inteligência de
Estados Unidos (CIA) para vigiar ilegalmente políticos, organismos e cidadãos
desse e outros países, actualiza o tema de uma das mais obscuras instituições
estadunidenses, do seu alcance e das suas sempre turvas actividades.
Praticamente desde a sua criação, em 1947, com a Lei de Segurança Nacional
promulgada nesse ano pelo então presidente Harry Truman, a agencia ultrapassou
em muito as suas atribuições constitucionais para se converter num autêntico
Estado dentro do Estado e num instrumento que, em diferentes pontos do planeta,
desestabilizou governos livremente eleitos, distorceu processos eleitorais,
financiou campanhas políticas em função da conveniência estadunidense, fez gala
da mais grosseira ingerência e não teve escrúpulos em planear e executar o
assassínio de pessoas que, segundo a sua peculiar concepção, considerava
ameaçadoras para o que Washington chamava “mundo livre”.
Elevada à categoria de mito por inúmeros filmes e series televisivas, mas também
por investigações sérias sobre a sua estrutura e funcionamento, a organização
com sede em Langley, Virginia, tem sido e é uma presença constante onde quer que
os Estados Unidos tenham interesses (económicos, geopolíticos, estratégicos), o
que na prática deixa muito poucos países livres das suas tenebrosas manobras. Na
América Latina a agência tem um funesto registo de intervenções, algumas mais ou
menos encobertas e outras às claras, que culminaram com o derrube de presidentes
de orientação popular (Jacobo Arbenz na Guatemala, 1954; João Goulart no Brasil,
1964; Juan Bosch na República Dominicana, 1963; Salvador Allende no Chile,
1973); com intervenções armadas directas (Cuba, 1961; Dominicana, 1965; Granada,
1983; Panamá, 1989), e com cruentos golpes de Estado (Uruguai, 1973; Chile,
1973; Argentina, 1976). A tudo isto há que juntar um largo expediente de
operações encaminhadas para incidir no âmbito político, económico e social dos
países de praticamente todo o continente, sempre com o objectivo colocado nos
interesses de Washington e invariavelmente dando mostra de uma proverbial falta
de princípios.
Nesta segunda década do século XXI tende a acreditar-se que a CIA representa uma
espécie de chancela sem grande peso real (ou com uma presencia pelo menos muito
menor do que teve anteriormente) nas políticas locais; de facto, aludir à
organização estadunidense para interpretar alguma situação instável ou irregular
nessa matéria costuma despertar sorrisos cépticos. Um exame mais atento,
contudo, revela que a reconversão tecnológica dos últimos anos permitiu à CIA
adoptar um perfil público menos visível, desenvolver as suas actividades de
espionagem e intrusão com instrumentos mais sofisticados, continuar o seu
trabalho desestabilizador por canais mais discretos e difíceis de detectar.
Entretanto, para Donald Trump e sua administração o trabalho da agência deixa
muito a desejar. Não é que a sua actividade lhe pareça reprovável, mas
parece-lhe ineficaz e antiquada; de outro modo ¿como se explica que uma
organização alternativa, civil, tenha podido revelar com certa facilidade a sua
parafernália operativa? Não há que erradicá-la por nociva – opina Trump –, mas
modificá-la por incompetente.
A má noticia para o presidente republicano é que as novas tecnologias já não são
exclusivas do poder: tal como os sistemas para detectar, captar, organizar,
analisar e classificar informação a fim de intervir sobre ela alcançaram um alto
grau de confiabilidade, também se desenvolve, em paralelo, uma tecnologia
destinada a exercer controlo sobre tais sistemas. O que equivale a dizer que a
inteligência estadunidense pode continuar a operar na penumbra, mas já não na
obscuridade de outros tempos.
Fonte: http://www.jornada.unam.mx/2017/03/10/opinion/002a1edi
In
O DIARIO.INFO
http://www.odiario.info/cia-do-mito-a-incompetencia/
15/3/2017

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