quarta-feira, 23 de março de 2016

A "revolução" no Brasil começa a revelar suas verdadeiras cores



por Pepe Escobar [*]

Quando nos aproximamos da meia-noite no selvagem far-west
político-económico brasileiro, eis o que se segue à minha peça anterior
no RT.

Durante os últimos cinco dias, todo o inferno escapou. Começou com o
juiz Sérgio Moro, o Elliott Ness tropical à testa da 24ª fase da
investigação de corrupção Lava Jacto, já com dois anos, a manipular
grosseiramente uma – ilegal – devassa telefónica de uma conversação
Lula-Dilma Rousseff, a qual ele diligentemente transmitiu à media
corporativa e foi instantaneamente utilizada como "prova" de que Lula pode
voltar ao poder como Chefe da Casa Civil porque tem "medo" de Elliott
Ness.

Como elemento crucial da guerra total de informação actualmente em jogo
no Brasil – com o hegemónico império Globo e os principais jornais a
salivarem mais do que nunca por um golpe branco / mudança de regime – a
duvidosa prova impulsionou o impeachment de Rousseff a um nível
inteiramente novo.

A conversação

A pavorosa politização do Judiciário brasileiro é agora um facto
consumado, com muitos juízes motivados pelo oportunismo e/ou interesse
corporativo / agenda políticas sombrias. Isto implica uma "normalização"
de procedimentos ilegais tais como devassas telefónicas de advogados de
defesa e mesmo da Presidente (Edward Snowden, num comentário lateral,
disse que Rousseff ainda não está a utilizar criptografia nas suas
comunicações).

Ministros do Supremo Tribunal – pelo menos até então – não puniram
Elliott Ness pela sua devassa ilegal do telefone da Presidente e pelo seu
vazamento ilegal da conversação Lula-Rousseff (nada nela os implica em
qualquer transgressão, como o próprio Elliott Ness admitiu).

O próximo passo dramático deveu-se ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo
Tribunal – um notório fantoche da oposição – a utilizar a escuta
telefónica ilegal para suspender o novo papel de Lula; que lhe era
"exigida" por dois partidos da oposição. Lula de volta ao governo
significa dois anátemas para a gente do golpe branco / mudança de regime;
articulação política – a qual pode acabar por derrotar o esforço para o
impeachment contra Rousseff; e ajuda fundamental para a administração
Rousseff começar pelo menos a amansar a crise.

É crucial notar que a decisão unilateral de Mendes foi tomada apenas um
dia e meio depois de ele ter tido um longo almoço com dois peso-pesados da
oposição, um deles o banqueiro querido da Wall Street e antigo protegido
de Soros, Armínio Fraga.

Mendes não só encurralou a administração; ele foi mais além, devolvendo a
Elliott Ness a competência para investigar Lula sob o Lava Jacto, e isto
depois de o próprio Moro já ter sido forçado, por lei, a transferir a
jurisdição para o Supremo Tribunal, quando Lula estava a tornar-se
ministro.

Mendes não era competente para fazê-lo – mesmo outros juízes do Supremo
Tribunal o enfatizaram; ele afastou-se do ministro-portavoz do Lava Jacto
no Supremo Tribunal, Teori Zavascki. De modo que agora Zavascki se prepara
para "afirmar sua competência" no assunto.

Na essência, a fuga da devassa telefónica está pejada de graves
ilegalidades, como alguns juristas destacaram; desde que a escuta teve
lugar depois de o próprio Morto ter determinado que deveria se
descontinuada até a fuga de uma comunicação presidencial, a qual só
poderia ser autorizada pelo Supremo Tribunal. O que nos conduz à agenda
política oculta por trás da fuga: expor Lula à execração pública e
colocá-lo contra políticos e o Judiciário.

Lula apresentou um pedido de habeas corpus ao Supremo Tribunal, assinado
por alguns dos mais insignes juristas do Brasil, ao passo que o governo
está prestes a apresentar seu próprio recurso contra o bloqueio da
nomeação de Lula. A bola está com o Supremo Tribunal – e todas as apostas
estão fechadas.

Que "regra da lei?"

O Supremo Tribunal brasileiro cessou de facto de actuar como Árbitro
Supremo quando alguns dos seus membros recusam-se a admitir que todos os
actuais atavios de uma polícia de estado. Isto está a acontecer enquanto
um bando de promotores e uma catrafada de investigadores na Polícia
Federal brasileira – o equivalente do FBI – podem agora ser identificados
como meros peões da ultra-politizada investigação Lava Jacto.

Em suma: A "Justiça" no Brasil agora está totalmente politizada. E agora
revela-se claramente que o mandato da Lava Jacto consiste na total
criminalização de absolutamente tudo relacionado com os governos de
coligação liderados pelo Partido dos Trabalhadores desde o princípio do
primeiro mandato de Lula, em 2003.

O Lava Jacto não é acerca da limpeza da corrupção na política brasileira.
Se este fosse realmente o objectivo, políticos de topo da oposição
estariam sob investigação e muitos já atrás das grades. Além disso, o
terrífico esquema de corrupção no desenvolvimento das linhas do metro de
São Paulo não teria sido tratado apenas como o trabalho de um cartel de
companhias, sem políticos envolvidos. A trapaça do metro de São Paulo
segue a mesma lógica do esquema de corrupção descoberto – pela NSA – no
interior da Petrobrás.

A "Regra da lei" no Brasil foi agora posta aos mesmos níveis do sultão
Erdogan, da Turquia – apresentando líderes de negócios com as conexões
políticas "erradas" presos durante meses sem julgamento, o que se traduz
como descarada manipulação da opinião pública, a táctica preferida de Moro
e sua equipa, fãs do Mani Pulite.

O roteiro pela frente é implacável. A Constituição Brasileira está a ser
despedaçada, submetida a uma lógica de golpe branco a ser imposta por
todos os meios necessários. A politização do Judiciário corre em paralelo
com a espectacularização por parte do media de referência de tudo o que
refere ao processo, criminalizado a política mas apenas políticos
seleccionados.

Os interesses económicos enormemente concentrados do Brasil estão
desejosos de apoiar qualquer negócio que significasse um fim à guerra
política/judicial, pois o país permanece política e economicamente
paralisado – e polarizado. No interior do – imensamente corrupto –
Congresso brasileiro, foi nomeada uma comissão especial para deliberar
acerca do impeachment de Rousseff, a qual inclui 36 duvidosos membros do
Parlamento que estão a enfrentar miríades de problemas judiciais. Kafka ou
os dadaístas não conseguiriam produzir algo tão absurdo.

Assim, o roteiro do que vem aí depende agora de como progredirá – ou não
–esta dúbia comissão de impeachment. Um dos cenários possíveis é a
expulsão de Rousseff já em Abril, ainda que não tenha sido acusada
formalmente de qualquer transgressão. Os suspeitos habituais do Império do
Caos e as elites compradoras locais mal contêm a sua alegria ao
"informarem" a Bloomberg ou o Wall Street Journal. Mas ainda há o
factor Lula.

Quão doce era o meu golpe

Assumindo que Lula possa estar outra vez em acção nos próximos dias, a
extensa articulação política – que a oposição quer matar por todos os
meios – precisará 171 votos para esmagar o impeachment na câmara baixo. Só
então a administração pode neutralizar a crise política para atacar
seriamente a crise económica.

Num cenário de forte suspense, extremamente fluido, haveria apenas duas
possíveis soluções negociadas: uma espécie de substitutivo (ersatz)
legal do parlamentarismo, com Rousseff ainda como Presidente e Lula como
primeiro-ministro de facto; e um parlamentarismo completo, com Lula
encarregado de todas as articulações políticas do governo.

Um pacto – forjado durante jantares secretos em Brasília – entre os
partidos PSDB (os antigos sociais-democratas transformados em impositores
neoliberais) e PMDB (o outro importante dente de engrenagem na coligação
em vigor com o Partido dos Trabalhadores) foi selado para matar ambas as
opções. O PMDB, diga-se de passagem, é notório por políticos corruptos,
não como uma entidade governativa.

Agora todos os olhos estão postos no Supremo Tribunal e no Congresso
brasileiro, que chafurda na corrupção. Lula, no próprio olho do furacão,
está na mais não invejável posição. Ele precisará utilizar todo o seu
capital político e todas as suas décadas como negociador mestre para
encontrar um (compromisso político) de saída.

A rua brasileira permanece totalmente radicalizada. A lógica (?) do ódio
cego prevalece enquanto virtualmente todas as instâncias de mediação
jurídica ou política, para não mencionar o simples senso comum civilizado,
foram congeladas. A democracia brasileira – uma das mais saudáveis do
mundo – está agora a ser estrangulada pela distorcida lógica de jibóia de
um estado policial.

O que nos leva ao espalhafatoso cenário que pode bem terminar antes do
Verão. Covardemente, um Congresso muito conservador expulsa Rousseff do
poder; o Vice-Presidente, Temer do PMDB, intervém, o país é pacificado e
os proverbiais investidores estrangeiros, a Wall Street, os irmãos Koch
nos EUA, louvam o golpe branco; a histeria do Lava Jacto vagarosamente – e
magicamente – desvanece-se porque de modo algum antigos mandarins da
oposição deveriam ser indiciados ou ir para a cadeia (esta é só para o
Partido dos Trabalhadores).

Kafka e os dadaístas vêm em resgate, mais uma vez. Isto é exactamente a
mudança suave de regime que foi tramada em Brasília por uma detestável
combinação: seleccionados políticos (corruptos) comprados e pagos pelas
elites compradoras brasileiras; homens de negócio seleccionados; uma
grande parte de um Judiciário cooptado; e os media corporativos (dominados
por quatro famílias).

Chama-se a isto golpe branco. Chama-se a isto mudança de regime. Chama-se
a isto a revolução colorida brasileira. Sem NATO. Sem imperialismo
humanitário. Sem perda de sangue e de enormes quantias de US dólares,
como no Iraque, Líbia ou Síria. Tão "limpo". Tão "legal". Como é que
os teóricos do Império do Caos nunca pensaram nisso antes?

O imperialismo humanitário é tão velho quanto Hillary; pelo menos os
Mestres do Universo terão um novo modelo para aplicar por toda a parte no
mundo em desenvolvimento. Dias felizes – mudança de regime – estão aqui
outra vez.

E desista de ler algo acerca disto nos media corporativos do ocidente.



[*] Autor de Globalistan (2007), Red Zone Blues (2007), Obama does
Globalistan (2009) e Empire of Chaos (2014) e 2030 (2015). Seu mais
recente projecto editorial é http://newsbud.com.

O original encontra-se em
https://www.rt.com/op-edge/336440-brazils-revolution-color-escobar/


In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/brasil/escobar_21mar16.html
23/3/2016

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