quarta-feira, 9 de março de 2016

EUA e as estruturas de poder ocidental, por Scott



Do The Saker

A Estrutura de Poder dos Estados Unidos

Trecho inicial da coluna Scott’s rant do blog The Saker de 10 de janeiro de 2016

Traduzido por Ruben Bauer Naveira

A estrutura de poder dos Estados Unidos: pague tudo o que tiver ou morra

A mídia ocidental refere-se no automático à Rússia como tendo uma “estrutura
vertical de poder”. Essa é uma das afirmações de mentirinha que foi construída
para levar as pessoas a se sentirem desconfortáveis em relação à Rússia. Eu
imagino a estrutura de poder na Rússia como sendo mais parecida com uma árvore,
com suas raízes, galhos e folhas.

Eu fui pesquisar a respeito de como os especialistas ocidentais veem as
estruturas de poder do próprio Ocidente. Para minha surpresa, eu não consegui
encontrar absolutamente nada. Malcolm X disse que havia uma revolução em curso
contra a estrutura de poder norte-americana. Tem um sujeito no Banco Mundial que
advoga que a estrutura de poder ocidental colapsou. Mas ninguém diz como essa
estrutura aparenta ser. Seria algo vertical, horizontal, piramidal, espiral?

Eu penso que compreender o que é a estrutura de poder do Ocidente (Estados
Unidos, União Europeia) seja vital para os países não-ocidentais, de modo a que
possam confrontá-la com chances de sucesso.

Aqueles dentre vocês, prezados leitores, que têm o segundo grau, devem estar
familiarizados com a Tabela Periódica dos Elementos: um diagrama robusto que
mostra que nada na natureza é por acaso. Eu tive um tremendo insight logo que
entrei no segundo grau ao examinar a Tabela Periódica, porque ela foi para mim a
mais importante e irrefutável prova da existência de Deus. Porque debaixo dela
não há lugar para aleatoriedade nem caos, mas tão somente para lógica e
estrutura. Desnecessário dizer que eu adoro diagramas.

Aqueles dentre vocês que estão familiarizados com a tabela periódica, a menos
que tenham se formado em alguma escola da Rússia provavelmente nunca ouviram
falar de Dmitry Mendeleev, que foi quem criou a tabela. Ela lhe veio num sonho.

Nunca me veio nada de aproveitável nos meus sonhos, mas, recentemente, me veio
algo que chegou perto de uma revelação.

Um chavão da mídia ocidental é descrever a estrutura de poder do Estado russo
como “vertical”. Como com qualquer outro chavão, essa noção nunca é desafiada ou
sequer questionada.

Por outro lado, eu nunca pude encontrar uma descrição geométrica da estrutura de
poder norte-americana, à exceção dos três ramos de governo, que, é claro, não
são a estrutura de poder de fato do Estado norte-americano. Longe disso.

Eu estive conversando com alguém que buscava nas artes o seu meio de vida, e lhe
sugeri que conseguisse um emprego, remunerado ou não, em alguma organização sem
fins lucrativos ligada às artes. “Você precisa passar para dentro dessa bolha”,
eu disse. “Eles circulam fundos dentro dessas bolhas e você precisa estar lá
dentro para poder pegar um pedaço”. E foi assim que eu desvendei a estrutura de
poder norte-americana.

A estrutura de poder norte-americana é como espuma líquida, ela tem uma
estrutura espumosa. Ela consiste de um enorme número de bolhas, grandes e
pequenas, que compõem estruturas borbulhantes auto-multiplicadoras. Todas as
bolhas possuem um mesmo objetivo, que é absorver o máximo de dinheiro possível.
Quanto maior for a bolha, maior o seu poder de sucção, e mais dinheiro ela
absorve. As maiores bolhas conhecidas são o Federal Reserve, o orçamento do
governo federal norte-americano, e o orçamento da OTAN. Existem múltiplas bolhas
nos think tanks, universidades, veículos da mídia, ONGs e por aí vai.

Essas bolhas são organismos semi-vivos: elas se multiplicam por divisão. As
bolhas são aderentes: elas grudam em qualquer coisa que tenha valor e sugam esse
valor do objeto valioso para dentro delas. As bolhas são semi-inteligentes:
quando a fonte de dinheiro se esgota, essas bolhas são capazes de desacoplar e
deslocar-se para pastagens mais viçosas, ao invés de secar e desaparecer. As
bolhas do poderio ocidental são também corrosivas e venenosas, elas
simultaneamente exaurem valor e destroem seus objetos, sejam eles florestas,
segmentos da economia, empresas, nações, culturas ou continentes inteiros. Elas
usam sua toxicidade para corroer e destruir outras estruturas de poder, outras
culturas, outros sistemas financeiros. A toxicidade assume o formato de
propaganda e desinformação para degradar, desmerecer e enfraquecer os objetos de
sua agressão e tornar assim inúteis as suas defesas. Tal como aranhas que
injetam veneno na corrente sanguínea de suas vítimas, levando seus sistemas
internos ao colapso.

Para que a espuma venha a crescer, o que se faz é agitar, sacudir e
desestabilizar. Tente produzir bolhas dentro da sua banheira, e você entenderá o
que eu quero dizer. Quando um general norte-americano diz que “a Rússia é uma
ameaça existencial à nossa existência”, ele literalmente se refere à existência
da bolha que ele está alimentando. A Rússia quer reduzir a desestabilização do
mundo, enquanto que o Ocidente precisa de mais e mais desestabilização, para
balançar e derrubar dinheiro dessa árvore (ou bolha) de dinheiro.

Como obscuros burocratas norte-americanos fomentam guerras

Dado o enorme poder dos Estados Unidos, mesmo oficiais relativamente secundários
e desconhecidos podem causar – e causam – enormes danos, caos e guerra.

Apenas leia o que esses dois [N. do T.: o autor faz uso de termo ofensivo] têm a
dizer:

“Na era nuclear, proteger a pátria de um contra-ataque ilimitado é mais do que
meramente evitar uma invasão. Prevenir uma escalada nuclear significa manter o
âmbito e a duração das operações de combate suficientemente baixos – logo,
suficientemente não-provocativos – de modo a que Pequim não venha a aprovar o
uso de armas apocalípticas para seguir seu curso. Assim, é importante para
Washington limitar os seus esforços, por meio do tipo e do volume de força
alocados, mantendo-se abaixo do limiar nuclear. O objetivo dos estrategistas
norte-americanos deve ser o de conceber operações que insiram forças
“dispensáveis” (...) para apoiar aliados, enquanto tornam a vida difícil para o
Exército Popular de Libertação da China” (Guerra Assimétrica ao Estilo
Americano, Toshi Yoshihara e James R. Holmes, Instituto Naval dos Estados
Unidos).

São permanentes as classificações “desenvolvidos” e “em desenvolvimento”?

Ao longo dos anos eu jamais pude achar uma resposta clara e racional do porquê
alguns países serem classificados como “desenvolvidos” e do porquê todos os
demais países sobre a face da Terra, inclusive a China (a maior economia do
mundo) e a Rússia (o maior país do mundo), serem classificados como “em
desenvolvimento”. Por que essas classificações são permanentes? Por que nunca
nenhum novo membro é admitido no clube dos países “desenvolvidos”?

Uma resposta está nesse diagrama que visualiza as evasões ilícitas de capital no
mundo.

O acumulado desse “hot money” evadido de países em desenvolvimento totaliza 7,8
trilhões de dólares entre 2004 e 2013. Numa base anual, isso supera a marca de
US$ 1 trilhão nos últimos três anos de dados disponíveis, o que daria de bom
tamanho uma taxa de crescimento de 6,5% ao ano.

Os países desenvolvidos são os receptores permanentes desse “hot money” oriundo
dos países em desenvolvimento.

Os países em desenvolvimento são os doadores permanentes desse capital.

Essencialmente, os países “em desenvolvimento” são assim chamados porque eles
estão “desenvolvendo” os países ricos do Ocidente que – não por coincidência –
acontece de serem os membros da OTAN. E os países “desenvolvidos” são assim
chamados porque eles estão sendo “desenvolvidos” pelos países em
desenvolvimento. A OTAN é o braço armado do sistema financeiro dos países
desenvolvidos que intimida militarmente e pressiona os países não-membros para
que paguem resgate aos países “desenvolvidos”.

No artigo do Zero Hedge (link acima), a estimativa daquilo que os países
não-OTAN estão pagando aos países da OTAN é de cerca de 6,5% dos seus Produtos
Internos Brutos. No caso da Rússia, que vem pagando mais de US$ 1 trilhão ao
Ocidente por mais de dez anos, o país renuncia a 6,5% do seu PIB. Isso significa
que, quando as agências de classificação de risco estimam o crescimento do PIB
russo em 2%, ele na verdade estaria em 8%; para 2015 elas dizem que a variação
do PIB russo será de -2%, quando na realidade ela estaria em torno de 4%.

O mesmo pode ser dito dos países latino-americanos, dos países africanos e da
China.

Eu considero esse diagrama como sendo um dos mais importantes quando se trata de
compreender as dinâmicas econômicas e militares do mundo (o outro diagrama é o
diagrama dos petrodólares).

O Ministro das Finanças da Rússia espera que a saída de capitais do país fique
em torno de US$ 60 bilhões no final de 2015.

As bolhas da estrutura de poder do Ocidente podem ser gigantescas, como os
complexos militar e educacional bem como os fundos de pensão, ou podem ser
mínimas como um trollador sentado em algum vilarejo ucraniano tuitando posts de
ódio à Rússia e sendo pago para isso por uma daquelas bolhas-ONGs, que por sua
vez estão acopladas a algum gasoduto que atravessa a Ucrânia para poder
abocanhar uma fatia da revenda dos desvios do gás proveniente da Rússia. Se o
gás russo passar a fluir pelo gasoduto Nord Stream 2, essas bolhas-ONGs vão
minguar. Logicamente, elas pagam pouco a muitos trolladores no propósito de
evitar que a Gasprom redirecione o gás para fora da Ucrânia.

Um relato encantador dessas batalhas envolvendo o gás russo, o dinheiro russo e
a Ucrânia foi recentemente escrito por Mark Nesop, em The Kremlin Stooge (algo
como “o fantoche do Kremlin”). Você simplesmente não pode deixar de ler.

Existem muitas bolhas maiores, que controlam não apenas segmentos da economia
mas regiões do mundo, como o complexo militar norte-americano. Elas projetam o
seu poder através de uma tremenda quantidade de outras bolhas espalhadas por
todo o mundo, como a bolha da OTAN, a bolha do Estado Islâmico, e as várias
bolhas-think tanks, como o Instituto Brookings. Os think tanks e o complexo
militar mantêm relações simbióticas: eles absorvem fundos provenientes de outros
países ao debilitar as suas vítimas por meio de uma interminável guerra de
desinformação.

Por exemplo, em 4 de dezembro de 2015 o Saban Forum 2015 do Instituto Brookings
realizou uma palestra com Moshe Ya’alon, Ministro da Defesa de Israel,
intitulada “Israel e os Estados Unidos: Ontem, hoje e amanhã”.

O Ministro da Defesa israelense Moshe Ya’alon queixou-se que Obama agora
abandonou o Oriente Médio à Rússia: “Lamentavelmente, no momento atual, a Rússia
vem desempenhando um papel mais significativo do que os Estados Unidos”. Ele
disse que “a Rússia cedeu demais ao Irã e a Bashar al-Assad”.

A inesperada intervenção de Putin na Síria “gerou uma situação de emergência
para nós”: (1) ele está salvando Assad e (2) enfraquecendo o Estado Islâmico,
logo (3) tornando impossível retalhar a Síria tal como planejado; e, o pior de
tudo, (4) ele entregou à Teerã o sistema S-300 [N. do T.: de mísseis terra-ar
para defesa antiaérea], que estará “operacional dentro de um par de semanas”.

Notícias muito ruins para a segurança de Israel porque, Ya’alon insiste, o Irã é
muito mais perigoso do que o Estado Islâmico. Entretanto, nem tudo estaria
perdido, haveria ainda uma janela de oportunidade, mas se teria de correr para
pô-la em prática: os Estados Unidos precisariam orquestrar “uma coalizão
pragmática com os estados do Golfo” – um eixo sunita para contrapor-se a esse
eixo xiita bancado pela Rússia.

Seria essa a oportunidade a agarrar, diz Ya’alon. Mas rapidez é a essência da
coisa, porque os aliados estão sendo arrebanhados por Putin: “Nós não gostamos
do fato de que o Rei Abdullah da Jordânia está indo a Moscou, os egípcios estão
indo a Moscou, os sauditas estão indo a Moscou. Deveria estar sendo muito
diferente disso. E nós pensamos que os Estados Unidos não podem sentar-se em
cima do muro” (página 9 da transcrição).

Se você visitar o site do Saban Forum, você poderá notar, no canto superior
direito, Hillary em uma das palestras principais. Ela é uma bolha, acoplada a
uma bolha muito maior que é o orçamento do governo federal norte-americano. Ela
e seu marido são também os proprietários de um think tank politico sem fins
lucrativos que, ele próprio, acopla-se ao governo, aos orçamentos, aos militares
e a corporações como a Cisco, canalizando dinheiro para a organização dos
Clintons.

Além disso, não esqueça que o dinheiro do Ocidente, o dólar e o euro, são as
bolhas eletronicamente emitidas.

Para que possam extrair recursos dos países “em desenvolvimento” sem serem
recriminados, o Ocidente constituiu uma imagem de superioridade sobre essas
nações menores, cuja única razão de existir é trabalhar para suprir os
“excepcionais”.

Como o mito da excepcionalidade norte-americana é perpetuado

Uma simples ilustração: um artigo sobre a aviação militar russa com uma imagem
do bombardeiro de longo alcance russo TU-160.

Nos comentários nós encontramos uma ressalva de um norte-americano sobre o
bombardeiro russo: “Bonita imitação barata do B-1 Lancer”.

O fato é que o projeto do TU-160 foi concebido em 1972-3. O TU-160 é ainda
significativamente maior que o B-1, e possui performances muito melhores também.
O B-1 foi concebido em 1973-4. Fica claro que os planos para o projeto
norte-americano foram roubados da URSS, e não o contrário.

N. do T.: foi traduzido cerca de um terço do artigo, que deste ponto em diante
atém-se cada vez mais a questões geopolíticas a partir da perspectiva russa.

*****

Comentário do tradutor:

A metáfora que o autor do texto apresenta, da espuma líquida de bolhas para a
compreensão da estrutura de poder do Ocidente, é sagaz e bastante elucidativa.

Cada instância que seja detentora de algum poder pode ser vista como uma bolha,
que é autônoma na busca dos seus objetivos. Ainda que cada uma das bolhas possa
ter objetivos peculiares, todas elas perseguem um objetivo-padrão: acumular e
concentrar mais riqueza e poder.

Na linguagem da Teoria dos Sistemas, as bolhas seriam as partes do todo (as
partes do sistema), enquanto que a espuma (o Ocidente) seria o todo (o sistema).
Em qualquer sistema, o todo e suas partes componentes são interdependentes. Por
exemplo, um organismo vivo depende, para funcionar bem, do bom funcionamento das
células que o compõem, ao mesmo tempo que as células dependem do organismo
(quando o organismo morre todas as células morrem em seguida).

O Ocidente encontra-se numa escalada de confrontação com Rússia e China, tanto
em termos militares (da parte da Rússia, tome-se por exemplo as intervenções na
Ucrânia e na Síria; já a China vem construindo ilhas artificiais em águas
disputadas, para a instalação de bases militares) quanto em termos econômicos
(Rússia e China aliaram-se para o estabelecimento de uma ordem econômica
“paralela” no mundo, fora do dólar, o que arrisca fazer colapsar a economia dos
Estados Unidos e, consequentemente, de todo o Ocidente ).

Obviamente, Rússia e China não podem ser enfrentados militarmente de forma
direta, porque são potências nucleares.

É claro que existiria o caminho da negociação para a composição de acordos em
termos aceitáveis para todas as partes. Seria necessário em primeiro lugar
concordar com uma multipolaridade para o mundo, para que então Ocidente e
Oriente viessem a conceber e estabelecer juntos uma nova ordem mundial, em todas
as suas dimensões: econômica, política, de segurança (militar) etc.

Acontece que negociar e estabelecer acordos significa ceder, abrir mão –
enquanto que a natureza das bolhas é acumular, concentrar. Ceder, partilhar,
renunciar não fazem parte do vocabulário das bolhas, são contrários à natureza
delas.

Em outras palavras, essas bolhas (agentes políticos, como os governos americano
e europeus; agentes econômicos, como os bancos e os investidores; agentes
militares, como os fabricantes de armamentos, o Pentágono e a OTAN) conseguem
atuar de forma coordenada levando a um comportamento coerente para o todo (uma
expansão da espuma) desde que todas elas estejam realizando os seus propósitos
de acumular e concentrar poder e riqueza. Mas, se a espuma tiver que se retrair
(nem que seja para sua própria sobrevivência...), a índole individualista e
competitiva das bolhas levaria a um comportamento descoordenado, logo caótico,
ao nível do todo. A natureza fala mais alto, como na fábula do escorpião que
pica a rã no meio da travessia do rio. Não haverá saída negociada. O conjunto
das bolhas é como um carro em velocidade cujo motorista acelera mas não sabe
frear.

A tática que até aqui tem sido empregada é a de inviabilizar a Rússia
economicamente (não por outro motivo os preços do petróleo foram jogados no
chão), na expectativa que isso leve à queda do governo de Vladimir Putin e à
ascensão de um governo mais “amigo” do Ocidente. É uma tática de confronto –
que, afinal, é a única que as bolhas conhecem (quanto aos russos, já ficou claro
que não se deixarão intimidar).

Dizem os caçadores russos, “se for atirar num urso mate-o, porque se feri-lo é
ele quem pode matar você”. Pois o Ocidente vem, ano após ano, buscando ferir um
urso nuclear, na expectativa de que acabe morrendo. Como não será possível uma
saída negociada, parece inevitável que alguém acabará morrendo. Só nos resta
torcer para que não sejamos todos.

In
GGN
http://jornalggn.com.br/noticia/eua-e-as-estruturas-de-poder-ocidental-por-scott
11/2/2016

Nenhum comentário:

Postar um comentário