terça-feira, 8 de março de 2016

O Terremoto Brasileiro





O Terremoto Brasileiro

Pepe Escobar



Imagine um dos mais admirados líderes políticos globais na história moderna
sendo tirado de seu apartamento às 6 da manhã por agentes da Polícia Federal do
Brasil e forçado a ser levado em um carro sem identificação para ser interrogado
no aeroporto de São Paulo por quase 4 horas em conexão com um escândalo de
corrupção bilionário envolvendo a gigante petroleira estatal Petrobras.

Parece algo produzido por Hollywood. E esta foi exatamente a lógica por trás da
elaborada produção.


Os promotores públicos da Operação Lava Jato, que já dura dois anos, mantêm os
“elementos de prova” implicando o recebimento de fundos por Lula – no mínimo 1,1
milhão de euros – do esquema de duvidosas propinas envolvendo grandes empresas
de construção do Brasil ligadas à Petrobras. Lula pode ter – e a palavra de
ordem é ‘pode’ – ter pessoalmente lucrado com o esquema principalmente através
de uma fazenda (que ele não possui), um apartamento à beira-mar relativamente
modesto, taxas no circuito global de palestras e doações para o seu instituto.

Lula é o último animal político – no nível de Bill Clinton. Ele já telegrafou
que estava esperando por tal jogada, enquanto a Lava Jato já tinha prendido
dezenas de pessoas suspeitas de desvio de contratos entre as suas empresas e a
Petrobras – na ordem de mais de 2 bilhões de dólares – para pagar os políticos
do Partido dos Trabalhadores (PT), do qual Lula era o líder.

O nome de Lula veio à tona através de um informante ansioso para chegar a um
acordo de delação premiada. A hipótese trabalhada – não há nenhuma prova cabal –
é de que Lula, quando presidiu o Barsil entre 2003 e 2010, foi pessoalmente
beneficiado pelo esquema de corrupção envolvendo a Petrobras, obtendo favores
para ele mesmo, o PT e o Governo. Enquanto isso, a ineficiente Presidenta Dilma
Rousseff também está sob um ataque elaborado por um esquema de barganha do líder
do Senado.

Lula foi questionado em relação a lavagem de dinheiro, corrupção e suspeita de
dissimulação de bens. A blitz hollywoodiana foi ordenada pelo Juiz Federal
Sérgio Moro – que sempre insiste ter sido inspirado pelo juiz italiano Antonio
di Pietro e a notória operação “Mani Pulite” (Mãos Limpas) dos anos 1990.

E aqui, inevitavelmente, a coisa se complica.


Cercando os suspeitos usuais da mídia


Moro e a os promotores da Lava Jato justificaram a blitz hollywoodiana
insistindo que Lula havia se recusado a ser interrogado. Lula e o PT insistiram
veementemente no contrário.


‘Operação afronta país e estado de direito', diz página oficial do Lula
E, no entanto, os investigadores da Lava Jato tinham consistentemente vazado
para a mídia tradicional as palavras de efeito: "Nós não podemos apenas morder
Lula. Quando chegarmos a ele, vamos engoli-lo." Isto implicaria, no mínimo, uma
politização da Justiça, da Polícia Federal e do Ministério Público. E também
implicaria que a blitz hollywoodiana pode ter sido apoiada num barril de
pólvora. Como a percepção vira realidade no ciclo de notícias frenéticas que não
param, a "notícia" – instantaneamente mundial – foi que Lula foi preso porque é
corrupto.

No entanto, tudo fica mais curioso quando nós sabemos que o Juiz Moro escreveu
um artigo numa revista obscura em 2004 (somente em português, intitulado
“Considerações sobre a Operação Mãos Limpas”, revista CEJ, número 26, julho /
setembro de 2004), no qual ele claramente exalta a "subversão autoritária da
ordem jurídica para atingir alvos específicos" e usando a mídia para intoxicar a
atmosfera política.

Tudo isso serve a uma agenda muito específica, é claro. Na Itália, direitistas
viram toda a saga da Operação Mãos Limpas como um alcance superjudicial
desagradável; a esquerda, por outro lado, foi ao êxtase. O Partido Comunista
Italiano surgiu com as mãos limpas. No Brasil, o alvo é a esquerda – enquanto a
direita, pelo menos no momento, parece ser composta por anjos cantores de hinos.

O mimado perdedor das eleições presidenciais do Brasil em 2014, Aécio Neves, foi
apontado em esquemas de corrupção por três acusadores diferentes – e tudo deu em
nada, sem uma investigação mais aprofundada. Mesmo com um outro esquema complexo
envolvendo o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso – o notório e vanglorioso
ex-desenvolvimentista que virou um executor neoliberal.

O que a Lava Jato já imprimiu com força pelo Brasil foi a percepção de que a
corrupção só paga quando o acusado é um nacionalista progressista. Enquanto
vassalos do consenso de Washington são sempre anjos – misericordiosamente imunes
a processos.

Isso está acontecendo porque Moro e sua equipe estão magistralmente jogando para
o uso autodescrito por Moro dos meios de comunicação para intoxicar a atmosfera
política – com a opinião pública manipulada em série antes mesmo de alguém ser
formalmente acusado de qualquer crime. E, no entanto, Moro e as fontes de seus
promotores são em grande parte farsa, trapaceiros astutos e mentirosos em série.
Por que confiar em sua palavra? Pois não existem provas cabais, algo que até
Moro admite.

E isso nos conduz para um cenário desagradável de um possível sequestro de uma
das democracias mais saudáveis do mundo, produzido no Brasil pela mídia,
Judiciário e polícia. E que é apoiado por um fato gritante: todo o "projeto" da
oposição da direita brasileira se resume a arruinar a economia da 7.ª maior
potência econômica global para justificar a destruição de Lula como candidato
presidencial em 2018.



Elite saqueando regras



Nenhuma das opções acima pode ser entendida por uma audiência global sem alguma
familiaridade com um clássico brasileiro. A lenda diz que o Brasil não é para
principiantes. De fato, esta é uma sociedade extraordinariamente complexa – que
essencialmente desce do Jardim do Éden (antes de os portugueses o "descobrirem”
em 1500) até a escravidão (que ainda permeia todas as relações sociais),
passando por um evento crucial em 1808: a chegada de Dom João VI de Portugal (e
imperador do Brasil pelo resto da vida), que fugiu da invasão de Napoleão,
levando com ele 20 mil pessoas que planejaram o Estado brasileiro "moderno".
"Moderno" é um eufemismo: a história mostra os descendentes destes 20 mil, na
verdade, estuprando o cego país ao longo de 208 anos. E alguns nunca foram
responsabilizados.


Situação e oposição discutem espetacularização da Polícia Federal no depoimento
de Lula
As tradicionais elites brasileiras compõem uma das misturas
arrogantes-ignorantes mais nocivas do planeta. “Justiça” e controle policial são
usados como arma quando as pesquisas não favorecem suas agendas.

Proprietários da grande mídia brasileira são uma parte intrínseca dessas elites.
Muito parecido com o modelo de concentração dos Estados Unidos, apenas quatro
famílias controlam o panorama da mídia, acima de tudo o império de mídia Globo,
da família Marinho. Eu experienciei de dentro, em detalhes, como eles operam.

O Brasil é corrupto até a medula – desde as elites compradoras até uma grande
quantidade de “novas” elites, que incluem o PT. A ganância e a incompetência
apresentada por uma série de partidários do PT são aterradoras – um reflexo da
falta de quadros de qualidade. A corrupção e o tráfico de influência envolvendo
a Petrobras, empresas de construção e os políticos é inegável, mesmo se isso
empalidece em comparação com as peripécias do Goldman Sachs ou da Big Oil e/ou
da compra/suborno de políticos dos EUA por Koch Brothers / Sheldon
Adelson-style.

Se fosse uma cruzada sem obstáculos contra a corrupção – como os promotores da
Lava Jato afirmam que é – a oposição da direita/vassalos das velhas elites
deveriam ser igualmente expostos na grande mídia. E não teria nada remotamente
parecido com a blitz hollywoodiana, com Lula – pintado como um simples
delinquente – humilhado na frente de todo o planeta.

Os promotores da Lava Jato estão certos; percepção é realidade. Mas e se tudo dá
errado?



Sem consumo, sem investimento, sem crédito



O Brasil não poderia estar em uma situação mais sombria. O PIB caiu 3,8% no ano
passado; provavelmente ficará abaixo de 3,5% este ano. O setor industrial caiu
6,2% no ano passado, e o setor de mineração caiu 6,6% no último trimestre. A
nação está a caminho de sua pior recessão desde… 1901.

PF realiza batida na casa de Lula

A (incompetente) administração de Rousseff não criou um plano B para a
desaceleração chinesa na compra da riqueza mineral/agrícola do Brasil e para a
recessão global geral nos preços das commodities.

O Banco Central ainda mantém a sua taxa de juros de referência na gritante marca
de 14,25%. O "ajuste fiscal" neoliberal desastroso de Rousseff na verdade
aumentou a crise econômica. Hoje, Rousseff "governa" – isto é uma figura de
linguagem – para o cartel bancário e os rentistas da dívida pública brasileira.
Mais de US$ 120 bilhões em orçamento do Governo evaporam para pagar juros da
dívida pública.

A inflação está alta – agora na marca de dois dígitos. O desemprego está em 7,6%
– ainda não é tão ruim como em muitos lugares da União Europeia – mas está em
crescimento.

Os usuais suspeitos, claro, estão girando sem parar, deleitando-se em como o
Brasil se tornou "tóxico" para os investidores globais.

Sim, é desolador. Não há consumo. Nenhum investimento. Nenhum crédito. A única
saída seria desbloquear a crise política. Os parasitas da oposição têm apenas
uma obsessão; o impeachment da Presidenta Rousseff. Tons de uma boa e velha
mudança de regime: para estes vassalos de Wall Street / Império do Caos, uma
crise econômica, alimentada por uma crise política, deve por todos os meios
derrubar o Governo eleito de um ator-chave dos BRICS.

E então, de repente, fora do campo da esquerda, surge… Lula. O movimento contra
ele pela investigação da Lava Jato ainda pode sair pela culatra – para pior. Ele
já está no modo de campanha para 2018 – embora não seja um candidato oficial,
ainda. Nunca subestime um animal político da estatura dele.

O Brasil não está nas cordas. Se reeleito, e assumindo que ele poderia limpar o
PT de uma legião de criminosos, Lula poderia criar uma nova dinâmica. Antes da
crise, o capital do Brasil estava se globalizando – via Petrobras, Embraer,
BNDES (o banco modelo que inspirou o banco dos BRICS), as empreiteiras. Ao mesmo
tempo, podem existir benefícios em quebrar, pelo menos parcialmente, este cartel
oligárquico que controla toda a infraestrutura de construção no Brasil; pensem
nas empresas chinesas construindo ferrovias de alta velocidade, barragens e
portos que o país mal tem.


O próprio Juiz Moro teorizou que a corrupção contamina porque a economia
brasileira é muito fechada para o mundo exterior, como a Índia era até
recentemente. Mas há uma diferença gritante entre abrir alguns setores da
economia brasileira e deixar que interesses estrangeiros vinculados às elites
saqueiem a riqueza da nação.

Então, mais uma vez, temos de voltar ao tema recorrente em todos os principais
conflitos globais.



É o petróleo, estúpido



Para o Império do Caos, o Brasil tem sido uma grande dor de cabeça desde que
Lula foi eleito pela primeira vez, em 2002. (Para uma apreciação das complexas
relações entre EUA e Brasil, verificar o trabalho indispensável de Moniz
Bandeira.)

A prioridade do Império do Caos é evitar o surgimento de potências regionais
alimentadas por abundantes recursos naturais, desde o óleo até minerais
estratégicos. Brasil se encaixa amplamente na conta. Washington, naturalmente,
se sente no direito de "defender" esses recursos. Assim, a necessidade de
reprimir não apenas as associações de integração regional, como o Mercosul e a
Unasul, mas acima de tudo o alcance global dos BRICS.

A Petrobras costumava ser uma empresa estatal muito eficiente, que virou a única
operadora das maiores reservas de petróleo descobertas no século XXI até agora:
os depósitos do pré-sal. Antes de se tornar o alvo de um enorme ataque
especulativo, judicial e dos meios de comunicação, a Petrobras costumava
contabilizar 10% do investimento e 18% do PIB brasileiro.

A Petrobras encontrou os depósitos do pré-sal com base na sua própria
investigação e inovação tecnológica aplicada à exploração de petróleo em águas
profundas – sem nenhuma interferência externa que seja. A beleza é que não há
risco: se você perfurar nesta camada do pré-sal, você é obrigado a encontrar
petróleo. Nenhuma empresa no planeta iria abrir mão disso em uma competição.





Polícia Federal em São Paulo

Operação Lava Jato completa um ano
Mas, ainda assim, um notório parasita direitista da oposição prometeu que a
Chevron em 2014 entregaria a maior parte da exploração do pré-sal para a Big
Oil. A oposição da direita está ocupada alterando o regime jurídico do pré-sal;
ele já foi aprovado no Senado. E Rousseff está mansamente indo nesta direção.
Alinhe isto com o fato de que o Governo Dilma não fez absolutamente nada para
comprar de volta o estoque da Petrobras – cuja queda vertiginosa foi habilmente
projetada pelos usuais suspeitos.

Desmantelando meticulosamente a Petrobras, a Big Oil, eventualmente, lucrando
com os depósitos do pré-sal, colocando em xeque a projeção de poder global do
Brasil, tudo isso joga muito bem a favor dos interesses do Império do Caos.
Geopoliticamente, isso vai muito além da blitz hollywoodiana e a Operação Lava
Jato.

Não é coincidência que as três maiores nações BRICS estão simultaneamente sob
ataque, em diversos níveis: Rússia, China e Brasil. A estratégia criada pelos
mestres do universo que ditam as regras no eixo Wall Street/Beltway é de minar
por todos os meios o esforço coletivo dos BRICS em produzir uma alternativa
viável para o sistema econômico/financeiro global, que por enquanto é submetido
ao capitalismo de cassino. É improvável que Lula, por si só, seja capaz de
detê-los.



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In
Sputiniknews.com/Brasil
http://br.sputniknews.com/brasil/20160307/3758705/terremoto-brasileiro-lava-jato-lula.html
7/3/2016


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