domingo, 20 de março de 2016

Acerca das taxas de rendimento negativas




por Bruno Bertez

Como é possível que haja pessoas ou instituições que compram títulos do
Estado ou de grandes sociedades com um rendimento negativo?

Formulamos a pergunta de outro modo a fim de facilitar a compreensão:
Como é possível que pessoas ou instituições paguem para possuir títulos
emitidos pelo Estado ou por grandes sociedades como a Nestlé? Como é que
alguns aceitam ver o seu capital corroer-se?

Primeiro é preciso ter em mente que o que as pessoas ou as instituições
intercambiam não é dinheiro (cash), mas sim depósitos bancários. Ao
comprar um título com taxa negativa elas procedem a uma troca, trocam um
crédito sobre o banco por um crédito sobre um devedor sólido como um
governo ou a Nestlé.

Isso significa que elas consideram o governo em causa ou a grande
multinacional serem mais seguros, mais solventes, do que o seu banco. Isso
é que é preciso ter em mente. Um depósito bancário não é um direito de
propriedade clássico, de facto não é tão pouco um depósito e sim um
crédito sobre o banco. Um depósito bancário é uma relação com o banco,
relação governada pelas leis bancárias e o código monetário. Ora, tudo
mudou subrepticiamente. O motivo da mudança é celerado, pois resume-se a
isto: em caso de crise, não é preciso que seja o contribuinte a pagar
mas sim os clientes dos bancos. Sob o pretexto de proteger o contribuinte,
deseja-se de facto fazer com que seja o cliente do banco a pagar. É uma
trapaça intelectual, pois estando todo o mundo bancarizado a classe dos
contribuintes e a classe dos clientes se sobrepõem. De facto, quando eles
dizem "contribuintes" entenda-se o Estado, o governo. Trata-se de proteger
o Estado, o governo, de cortar a ligação entre o sistema bancário e os
governos para proteger estes últimos.

Se nos acompanham, compreendem que a compra de títulos soberanos ou
sólidos com taxas negativa não tem sentido senão se se considera que os
depósitos bancários estão ameaçados. Ao comprar estes títulos, toma-se um
seguro, é uma cobertura contra um ou vários riscos. Estes riscos são
variados, mas ainda assim reais.

Há o risco de tributação sobre os depósitos bancários por parte dos
governos. Há o risco de taxas negativas sobre os depósitos impostas pelos
bancos como já acontece, sem publicidade, em muitos lugares da Europa. Há
o risco de bail-in, ou seja, de bloqueio da sua conta de depósito quando
houver dificuldades do banco. E sobretudo, daquele que não se fala, o
risco de "corrida". Uma corrida é quando todo o mundo se precipita para o
banco a fim de retirar o seu dinheiro. A corrida leva o banco à falência
por falta de liquidez e este é o risco, o grande risco oculto do sistema.
Este risco é colossal. Para o contrariar, os governos instituíram limites
para os montantes de retiradas e limites na periodicidade destas
retiradas. Isto protege os bancos, mas transforma seus haveres em haveres
não líquidos, isto é, não há mais cash. Num segundo momento, após o
bloqueio, vem a amputação, o confisco parcial. [1]

É contra todos estes riscos que os grandes, os ultra-ricos, as
instituições, se querem proteger.

E para se protegerem é preciso então tomarem um seguro e para ter um
seguro é preciso pagar. Assim, as taxas negativas devem ser interpretadas
como um custo, um prémio de seguro que se paga, um sacrifício para
melhorar sua segurança.

Quanto mais as taxas se tornarem negativas e quanto mais se
generalizarem, mais os seguros serão caros, o que significa que a
percepção do risco vai aumentar e se a percepção do risco aumenta então o
risco real também aumenta. É uma profecia que se realiza ao ser
acreditada, como é frequente em matéria financeira. Nisto os idiotas que
governam não pensaram – eles próprios aumentam o risco que pretendem
estancar.

As taxas negativas constituem a confissão por parte dos governos e dos
bancos centrais de que não só a crise não está acabada como também de que
ainda mal começou!

De facto, estamos numa gigantesca armadilha e a verdade obriga a dizer
que não há lugar onde se esconder, "no place to hide".

Para fugir ao risco que paira sobre os depósitos bancários, pode-se
comprar fundos do Estado, obrigações corporativas, acções, etc. Mas tudo o
que se possa comprar está sobrevalorizado. Tudo o que é comprável está em
bolha, como se diz. O risco de baixa é colossal, pelo menos de 50%, mas
provavelmente de 60% na minha opinião. Portanto, substitui-se por um risco
de dedução (prélèvement) talvez não muito importante, ao invés de um
risco de amputação de um capital muito maior.

Eles colocaram as pessoas na armadilha, os povos, eis a realidade e é
voluntário, é cínico.

Quando se está no modo sem risco (risk-off), ou seja, de medo do risco,
vai-se certamente para o cash e os fundos de Estado com os riscos que isso
comporta, acima descritos. Quando se está no modo risk-on, apetite pelo
risco, vai-se para as acções e suportam-se os riscos de super-avaliação
que isso implica.

No universo convencional, quem falar cruamente está tramado.

Os governos brincam connosco de esconde-esconde, mas somos sempre
perdedores.

Passa-se tudo como na auto-estrada quando está engarrafada. Quando se
descobre um buraco muda-se de fila e acredita-se ir mais rápido que os
outros. Alguns minutos mais constata-se que é a fila anterior que circula
melhor, torna-se a mudar e assim por diante. Com este comportamento
esquece-se que a lei do mercado tudo igualiza, à medida que passa o
tempo.

Se fugir do cash, vai-se prejudicar pelas taxas negativas sobre os fundos
do Estado, se fugir para os fundos do Estado vai-se prejudicar pelas
acções, tudo entramado... no place to hide.

A compra de ouro é um seguro, mas naturalmente tem um custo. Eles fazem
tudo o que podem para nos meter medo, para nos dissuadir, portanto para
fazer tombar as cotações [NR] , introduzem a volatilidade. E depois nos
assustam com as ameaças de requisição, de tributação, de roubo, etc. E o
ouro não é muito líquido, é um custo a acrescentar.

Mas a única protecção é sair do universo, do seu universo.
Aconselhamos:
muito cash em sua casa

ouro físico em moedas sem comissão (prime), tipo Kruger ou 50 Pesos
mexicanos

fundos do Estado com maturidade curta, três anos por exemplo

organismos de investimento colectivo em valores mobiliários (OPCVM) do
imobiliário locativo

imobiliário locativo de pequena superfície em zona urbana

financiar sua própria actividade, sua pequena empresa.

NR
[1] Acerca das manobras do Fed para deprimir a cotação do ouro ver Os
manipuladores do ouro , de Paul Craig Roberts
[2] Ambas as situações, amputação e confisco parcial, já se verificaram
em Chipre. Ver Pensa que o seu dinheiro está seguro numa conta bancária?
Pense bem , de Ellen Brown

O original encontra-se em leblogalupus.com/...


In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/financas/taxas_negativas.html
20/3/2016

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