quinta-feira, 16 de junho de 2016

A caotizaçao do Brasil




– O clima moral em Brasília está podre
– Legisladores preparam lei rolha contra jornalismo crítico
– Projecto de lei para criminalizar os que denunciam a corrupção
– Não há mais ninguém limpo na política burguesa do Brasil


por Andrew Fishman [*]

A revelação das gravações secretas envolvendo as mais poderosas figuras
do Brasil provocou uma série de escândalos explosivos em meio a atual
crise política do país. Agora, os legisladores brasileiros tentam tornar
ilegal a publicação destas gravações.

Um projeto de lei , que se arrastava na Câmara dos Deputados desde o ano
passado, tomou novo fôlego este mês. Ele pretende criminalizar o ato de
"filmar, fotografar ou captar a voz de pessoas, sem autorização ou sem
fins lícitos", punível com até dois anos de reclusão e multa. Se as
gravações forem publicadas nos media sociais a pena aumenta para quatro a
seis anos.

Quando foi originalmente apresentado, o projeto foi criticado como uma
das muitas medidas draconianas destinadas a proteger políticos e uma
ameaça direta à liberdade de expressão e de imprensa.

O projeto de lei anti-gravações (PL 16762015) foi apresentado em 2015
pelo deputado Veneziano Vital do Rêgo, do PMDB , partido do presidente
interino Michel Temer, com orientação à direita. Rêgo, que votou pelo
impeachment da agora afastada presidente Dilma Rousseff, aparentemente tem
razões para temer as gravações secretas: ele é suspeito em 35
investigações em andamento por vários crimes financeiros e
administrativos, até abril, de acordo com o Transparência Brasil,
importante órgão de fiscalização anticorrupção, e com o site de
verificação de fatos, Agência Lupa.

O Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio de Janeiro , que chamou o
projeto de "preocupante" e "inacreditável", disse que a lei poderia
criminalizar atividades quotidianas como filmar uma festa aniversário e
postar o vídeo nas redes sociais. No Medium, o instituto afirmou que o
projeto de lei "impede atividades jornalísticas e investigativas de grande
relevância, assim como coloca em risco quem realiza atividades
audiovisuais. Trata-se de um projeto inconstitucional que viola a
liberdade de expressão e outros princípios constitucionais como o direito
de informação e prerrogativas da comunicação social".

O projeto de lei não impediria o uso de gravações secretas pela Polícia
Federal, mas proibiria qualquer gravação – secreta ou não – conduzida sem
pleno consentimento e não produzida para "o interesse público", termo
subjetivo que seria provavelmente deixado aos critérios de juízes.

Essa semana, fugas de gravações revelaram que o presidente da Associação
de Magistrados do Paraná coordenou acções de retaliação contra
jornalistas que produziram uma série de matérias sobre super-salários de
juízes e funcionários do judiciário. Tribunais brasileiros também
ordenaram que Marcelo Auler, jornalista independente, retirasse do ar dez
reportagens sobre fugas e escutas ilegais relacionadas com a Operação Lava
Jato, a investigação em curso de corrupção, e proibiu que este publicasse
novas reportagens sobre o assunto.

Com o risco de seis anos de prisão, a lei teria inevitavelmente um efeito
profundamente inibidor em todas as organizações de media e editores
independentes.

O projeto não representaria ameaça ao jornalismo "porque para citar,
filmar ou gravar um cidadão, um jornalista profissional primeiro deve
pedir sua permissão e autorização para publicar o material", escreveu o
gabinete do deputado Veneziano do Rêgo em email a The Intercept.

Em declaração a The Intercept, o conselho diretor da Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) disse que "o projeto
representa um retrocesso ao criar um novos tipos de crime em que
jornalistas podem incorrer no desempenho de suas funções", adicionando que
"a criminalização do libelo, calúnia e difamação é um risco para a
democracia".

O projeto de lei também inclui uma controversa proposta de "direito ao
esquecimento" que permitiria aos indivíduos exigir, "independente de ordem
judicial", que mecanismos de busca e websites tirem do ar e apaguem dos
resultados de buscas conteúdo que "comprometa a honra de alguém".

O novo fôlego para o projeto de lei de Veneziano surge enquanto gravações
secretas ameaçam o núcleo do novo governo do presidente interino Michel
Temer. Na terça-feira, o maior jornal do país, a Folha de S. Paulo,
informou que o Procurador Geral solicitou a prisão do Presidente do
Senado, Renan Calheiros, do ex-presidente, José Sarney, e do homem de
confiança de Temer, o Senador Romero Jucá – todos importantes líderes do
partido de Temer, o PMDB. Jucá e outro aliado de Temer foram forçados a
renunciar aos seus ministérios no fim do mês passado. Um importante
senador do partido da presidente Dilma Rousseff, o PT, esteve preso no
ano passado num incidente semelhante. A própria presidente foi apanhada
numa conversa gravada com o ex-presidente Lula da Silva a discutir a sua
indicação para um ministério, o que foi visto pelos oponentes como uma
prova de que tentavam colocá-lo fora do alcance da Operação Lava Jato , o
que provocou protestos.

Outra proposta de lei inclui um plano para restringir o uso de acordos
de delação premiada por suspeitos sob custódia, e outro para reduzir a
fuga selectiva de investigações – ambos apresentados recentemente por
legisladores do PT. Mais de 200 projetos de lei visando a corrupção foram
apresentados em 2015 – cinco vezes a média – e, de acordo com o jornal O
Globo , "as propostas que tramitam com mais rapidez são justamente as que
podem criar dificuldades para investigações ou embutem mecanismos de
abrandam punições".

Um representante do gabinete de Veneziano do Rêgo disse a The Intercept
que o projeto de lei destina-se a proteger vítimas de estupro, "não
apenas políticos". Depois que vídeos e imagens do horrendo estupro
coletivo de uma menina inconsciente, de 16 anos, no Rio de Janeiro, foram
divulgadas online e fizeram as manchetes internacionais, o assunto das
gravações não autorizadas ganhou grande atenção do público. O deputado
está confiante em que o projeto, atualmente agendado para ser discutido em
comitê no dia 15 de junho, será aprovado nos comitês de Tecnologia e
Justiça da Câmara dos Deputados, depois do que iria a votação na Câmara e
no Senado.

Em abril, um dispositivo de escuta foi descoberto num gabinete do
Supremo Tribunal Federal e a origem do aparelho é desconhecida. E, com
tantos indivíduos envolvidos em uma ampla gama de investigações sobre
corrupção, de acordo com a Folha de S. Paulo, o clima de paranoia entre
os agentes do poder em Brasília é tão intenso que as reuniões estão sendo
realizadas sem celulares ou fatos, e às vezes com as persianas fechadas e
com música de fundo a tocar para prevenir a gravação de diferentes tipos
de escuta – medidas que lembram um filme de gangsters.

Esta semana foi informado que altos executivos da construtora Odebrecht
comprometeram-se a pormenorizar como foram distribuídos 500 milhões de
reais em contribuições ilegais de campanha e propinas desde 2006, como
parte do acordo de delação premiada. O presidente do Senado, Renan
Calheiros, disse numa gravação secreta que se isso acontecesse "ninguém
de nenhum partido" escaparia.


10/Junho/2016

[*] Jornalista de The Intercept, fishman@theintercept.com

O original encontra-se em theintercept.com/...


In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/brasil/fishman_10jun16.html
15/6/2016

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