quarta-feira, 29 de junho de 2016

‘Com Temer, estamos assistindo ao impeachment do processo civilizatório






Gabriel Brito e Valéria Nader



O governo interino de Michel Temer continua a tentar emplacar
suas medidas econômicas, em meio à recessão e desemprego que
se prolongam. Enquanto o novo presidente do Banco Central
avalia a política inflacionária e a redução dos juros como
motores da estabilidade do tripé macroeconômico, o Correio da
Cidadania entrevista o economista e professor da Unicamp
Eduardo Fagnani, que fez severas análises das pretensões do
novo governo, a seu ver bastante calcadas em vontades
políticas e ideológicas.



“Na gestão macroeconômica, há o reforço das políticas de
austeridade que fracassaram na Europa pós-crise de 2008, cujo
propósito não é o crescimento e o bem estar social, mas
preservar a riqueza financeira. Diversos dispositivos para
turbinar o ‘tripé macroeconômico’ (câmbio flutuante, superávit
fiscal e regime de metas de inflação) estão tramitando no
Congresso Nacional (dentre outras, autonomia jurídica para o
Banco Central e a criação de uma Autoridade Fiscal
Independente, por exemplo)”.



Em suas respostas, Fagnani destrincha os principais pontos das
propostas fiscais e orçamentárias, em especial por meio da
ampliação da Desvinculação de Receitas da União, a retirar
recursos de áreas sociais. Assim, mantém a análise política ao
lado do debate econômico, posto que as medidas a serem tocadas
pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles se concentram nos
pilares que conformam a renda do trabalhador médio e os
serviços que acessa.



“Mais grave é a Proposta de Emenda à Constituição PEC 241/16,
que congela gastos públicos por 20 anos. Chamada de ‘Novo
Regime Fiscal’, a PEC limita as despesas primárias da União
aos gastos do ano anterior corrigidos pela inflação. Estudos
realizados por especialistas apontam que, se for adotada essa
PEC, em dez anos haverá redução de gastos superiores a 40% em
áreas como saúde, educação e previdência”, apontou.



Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho da
Unicamp, com especialidade em questões previdenciárias,
Fagnani volta a ressaltar que a dupla Temer-Meirelles, antes
de qualquer recuperação da economia e do emprego, visa apenas
satisfazer os anseios do mundo financeiro. Dessa forma, coloca
outros elementos na mesa da discussão de eventuais mudanças no
regime de previdência.



“Somos um dos países mais desiguais do planeta e seremos
campeões mundiais em exigências para aposentadoria. A
experiência de países desenvolvidos revela que a reforma da
Previdência tem por objetivo aperfeiçoar o sistema para
enfrentar as transformações demográficas. A reforma
Temer-Meirelles não considera a questão social e não tem por
objetivo aperfeiçoar o sistema”, resumiu, sem dar trégua ao
caráter das ideias liberais que voltaram a hegemonizar o
debate público.



A entrevista completa com Eduardo Fagnani pode ser lida a
seguir.





Correio da Cidadania: Passados quase dois meses do mandato
provisório de Michel Temer, qual avaliação geral, política e
econômica, você faz desse governo e das propostas até aqui
apresentadas?



Eduardo Fagnani: O Brasil é um dos países mais desiguais do
mundo. Em pleno século 21, sequer foi capaz de enfrentar suas
desigualdades históricas. Nos últimos dez anos, enquanto o
assassinato de mulheres brancas caiu 10%, o assassinato de
mulheres negras subiu 54%, por exemplo. Nosso estágio
civilizatório é rudimentar. Somos o país que mais mata
travestis e transexuais no mundo (uma morte é registrada a
cada 28 horas), por exemplo.



A construção de uma sociedade menos desigual e minimamente
civilizada requer que aperfeiçoemos nossa democracia; que
reforcemos o papel do Estado (não há, na história econômica do
capitalismo, nenhum caso de país que se tenha desenvolvido sem
o concurso expressivo do próprio Estado nacional); políticas
sociais universais que assegurem o acesso a serviços sociais
básicos e ampliem a cidadania; requer também que se consolidem
e preservem-se direitos sindicais e trabalhistas; e requer uma
gestão macroeconômica voltada para criar um ambiente favorável
à redução continuada das desigualdades.



Entretanto, no governo Temer, todos esses pressupostos estão
sendo aviltados. A começar pela democracia, que parece ser um
corpo estranho ao capitalismo brasileiro (menos de 50 anos de
democracia, e interrompidos, em mais de 500 anos de história).
O último ciclo democrático, inaugurado em 1988, começou agora
a ser dizimado. Em vez de fortalecer o Estado, o objetivo de
Temer é "privatizar tudo o que for preciso" na infraestrutura
econômica e na área social.



A cidadania social também parece ser corpo estranho ao
capitalismo brasileiro, que não tolera sequer conquistas
marginais de direitos fundamentais. Em vez de consolidar os
direitos sociais conquistados em 1988, o objetivo é destruir o
que ainda restou do Estado Social e implantar o Estado Mínimo.
Nesse particular, os ideólogos liberais tiveram êxito ao
induzir um "consenso" segundo o qual o ajuste fiscal
requereria a revisão do "pacto social da redemocratização".
Argumentam que os gastos "obrigatórios" (previdência social,
assistência social, saúde, educação, seguro-desemprego) têm
crescido num ritmo que compromete as metas fiscais. Estão
dizendo que as demandas sociais da democracia não cabem no
PIB. Não escrevem uma linha sequer sobre gastos com juros, por
exemplo. Mas decretam a necessidade de interditar a cidadania
social inaugurada pela Carta de 1988. No caso dos direitos
sindicais e trabalhistas, os retrocessos nos levam de volta
para o início do século 20 (fim da regra de valorização do
salário mínimo; prevalência do "negociado sobre o legislado";
e terceirização sem limite, que leva à precarização das
relações de trabalho, por exemplo).



Na gestão macroeconômica, há o reforço das políticas de
austeridade que fracassaram na Europa pós-crise de 2008, cujo
propósito não é o crescimento e o bem estar social, mas
preservar a riqueza financeira. Diversos dispositivos para
turbinar o "tripé macroeconômico" (câmbio flutuante, superávit
fiscal e regime de metas de inflação) estão tramitando no
Congresso Nacional (dentre outras, autonomia jurídica para o
Banco Central e a criação de uma Autoridade Fiscal
Independente, por exemplo).



O reforço do "tripé" é incompatível com o crescimento, geração
de empregos e ampliação da cidadania. Recentemente, um
professor de Oxford afirmou que "não é nenhum exagero dizer
que austeridade mata". O próprio papa Francisco, referindo-se
a políticas de austeridade, também sentenciou que "esta
economia mata". A austeridade econômica é desacreditada
inclusive por setores do establishment internacional.
Expressões como "estagnação secular" e "nova mediocridade"
passaram a ser utilizadas por órgãos como o FMI e Banco
Mundial para sinalizar os riscos do baixo crescimento
associado à "explosão da desigualdade". Na semana passada,
três economistas do FMI alertaram que "em vez de gerar
crescimento, algumas políticas neoliberais aumentaram a
desigualdade, colocando em risco uma expansão duradoura". E
apontam que cortes de gastos do governo, privatização, livre
comércio e abertura de capital podem ter custos significativos
em termos de maior desigualdade. Mas aqui, a "equipe econômica
dos sonhos" (dos detentores da riqueza?), na contramão do
mundo, vai aprofundar ainda mais a gestão ortodoxa.



Em suma, com Temer, estamos assistindo ao impeachment do
processo civilizatório. Todos os instrumentos necessários para
o desenvolvimento econômico e social estão sendo destruídos. O
golpe contra a democracia representa oportunidade histórica
para aprofundar radicalmente a agenda liberal conservadora –
projeto que foi derrotado pelo voto popular nas últimas quatro
eleições.



Correio da Cidadania: Estão sendo anunciadas diversas medidas
de cortes de gastos públicos, que impactarão áreas sociais.
Qual é a extensão real, a seu ver, do déficit público? E como
enxerga, primeiramente, as novas regras que estabelecem que
despesas de um ano não possam ser maiores do que a inflação do
ano anterior, ao lado da desvinculação das despesas com saúde
e educação como uma proporção da receita? São medidas de fato
necessárias para controlar o déficit fiscal?



Eduardo Fagnani: A crise financeira internacional de 2008
abalou a confiança, destruiu riqueza, paralisou o crédito e
levou à contração da atividade em quase todo o planeta. A
crise global do capitalismo, associada aos equívocos
domésticos, bem como ao fim de um ciclo de expansão ancorado
parcialmente no mercado interno, desaceleraram gradativamente
a economia ao longo do primeiro governo de Dilma Rousseff.
Mas, para os economistas liberais brasileiros, o mundo viajava
em "céu de brigadeiro" e os problemas econômicos eram
exclusivamente fruto do "excesso de intervenção do Estado". O
"terrorismo" econômico intensificou-se com a proximidade das
eleições de 2014. Com o apoio dos meios de comunicação,
criou-se um cenário de "crise terminal". O principal argumento
estava relacionado ao déficit primário de 0,6% do PIB ocorrido
em 2014. Essa construção ideológica não leva em conta que
entre 2002 e 2013 a relação dívida líquida/PIB reduziu-se
quase à metade (de 60% para 33% do PIB); e que o Brasil foi um
dos poucos países do mundo que gerou expressivos superávits
primários (em média, cerca de 3% do PIB ao ano).



Os países desenvolvidos e alguns emergentes incorreram em
expressivos déficits primários durante o período 2009-2014.
Nos casos dos EUA, Japão, Inglaterra e Índia, por exemplo, o
déficit primário anual médio nessa quadra atingiu,
respectivamente, -7%, -8,6%, -5,8% e -3,6% do PIB. Nos países
mais duramente afetados pela crise de 2008 (Irlanda, Portugal,
Espanha e Grécia, por exemplo), os patamares são
dramaticamente superiores. Se um país que gerou superávit
fiscal por mais de uma década e, num único ano, apresentou
déficit primário de apenas 0,6% do PIB, está em "crise
terminal" e imerso em dramática "irresponsabilidade fiscal", o
que dizer de países que desde 2009 apresentam déficits
primários elevadíssimos (EUA, Japão, Canadá, Reino Unido,
Portugal, Irlanda, Espanha, Grécia e Índia, por exemplo)? Qual
o problema de haver déficit primário de cerca de 1% ou 2% do
PIB ao ano, por exemplo, durante um curto período, para
enfrentar e superar o final de um ciclo econômico, sem perder
a perspectiva do longo prazo?



O fato grave é que, num contexto em que a comunicação do
governo Dilma optou por não disputar ideias, não enfrentar o
debate e sequer defendeu as suas ações, a narrativa liberal
passou a ser hegemônica junto à opinião pública. O próprio
governo alterou a sua rota e cometeu "haraquiri" após a
vitória eleitoral, ao ceder às pressões do mercado, adotar o
projeto derrotado nas urnas e colocar no Ministério da Fazenda
um dos porta-vozes do "terrorismo econômico". O atual
funcionário do FMI fez seu serviço, colocando o país, que não
estava em crise severa, numa grave recessão.



O governo Temer vai duplicar a aposta de Joaquim Levy. Vende a
ilusão de que sem ajuste fiscal nada será possível (baixar
juros, crescer, criar emprego etc.). Como disse o professor
Pedro Rossi, da Unicamp, para os liberais brasileiros o ajuste
fiscal (das contas primárias, que exclui as despesas
financeiras) transformou-se numa espécie de Posto Ipiranga.
Essa centralidade equivocada não é técnica nem é neutra. Ela
serve de justificativa para destruir o Estado Social e
implantar o Estado Mínimo liberal. "Não há alternativas",
voltam a sentenciar, a não ser ampliar as severas restrições
ao gasto social que estão em curso.



A ampliação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) de
20% para 30%, recém-aprovada pelo Congresso, alastrou a
captura de recursos que a Constituição atrelava ao
financiamento da Seguridade Social e da Educação. Em breve,
outras mudanças constitucionais que visam acabar com a
vinculação de recursos fiscais para Saúde e Educação serão
enviadas para o Congresso. Mais grave é a Proposta de Emenda à
Constituição PEC 241/16 que congela gastos públicos por 20
anos. Chamada de "Novo Regime Fiscal", a PEC limita as
despesas primárias da União aos gastos do ano anterior
corrigidos pela inflação. Estudos realizados por especialistas
apontam que, se for adotada essa PEC, em dez anos haverá
redução de gastos superiores a 40% em áreas como saúde,
educação e previdência.



O dito "Novo Regime Fiscal" desestrutura por completo o Estado
Social. Se vier a ser aprovado e cumprido, inviabilizará a
vinculação de recursos (educação e saúde) e o atrelamento do
piso dos benefícios ao salário mínimo (Previdência e
Assistência Social). Na renegociação das dívidas com os
governos estaduais, o governo federal impôs o teto de gastos
para estes entes federativos, o que também afetará essas
áreas, dado o caráter cooperativo da gestão federativa em
áreas como educação, saúde e assistência social.





Correio da Cidadania: Por que seria tão brutal o impacto nas
áreas sociais, conforme os números apresentados aqui?






Eduardo Fagnani: Um corte brutal de gastos estimados em mais
de 40% em dez anos desarticulará ainda mais as ações dos
governos federal, estaduais e municipais em tais áreas. Eis um
dos "cavalos de Troia" para impor o Estado Mínimo: políticas
pobres dirigidas somente para os pobres definidos pelo
establishment internacional (o indivíduo que ganha menos de um
ou dois dólares por dia). O restante da população (os "não
pobres") que comprem serviços sociais no "mercado". O
propósito é desestruturar o Estado Social e impor o Estado
Mínimo liberal.



Com o fim da vinculação de recursos para a educação,
retrocederemos ao início dos anos 1930. Como se sabe, a
Constituição de 1934 introduziu a obrigatoriedade de União,
estados e municípios aplicarem percentuais mínimos das
receitas de impostos em educação. Esse dispositivo foi
excluído da Carta de 1937 e foi reincorporado na Constituição
de 1946. O regime militar manteve a obrigatoriedade apenas
para os municípios. Posteriormente, a Constituição de 1988
restabeleceu o mecanismo.



No caso da Saúde, voltaremos ao chamado "buraco negro" do
financiamento do SUS vivido no início dos anos de 1990, quando
o governo Itamar Franco decidiu utilizar integralmente as
contribuições de empregados e empregadores sobre a folha de
salários para cobrir os benefícios previdenciários. A
subtração dessa base financeira vigente desde a ditadura
comprometeu estruturalmente o início da implantação do SUS.
Este ‘buraco negro’ permaneceu até 1996, quando o Congresso
Nacional aprovou a Contribuição Provisória sobre Movimentações
Financeiras (CPMF).



Mas, como se sabe, uma vez aprovada como contribuição
"vinculada" ao SUS, a área econômica do governo FHC passou a
utilizar a CPMF segundo as conveniências da gestão das contas
públicas. Nesse cenário, ainda em meados dos anos 90,
parlamentares ligados ao movimento sanitário apresentaram
proposta de Emenda Constitucional que vinculava recursos à
saúde. Após longa tramitação, somente em 2002 foi aprovada a
Emenda Constitucional n. 29/2002 que estabeleceu vinculação
dos orçamentos nos três entes federativos. Agora, querem
enterrar essa emenda e restabelecer o "buraco negro".





Correio da Cidadania: Outra medida que vem sendo defendida é a
mudança no regime geral da Previdência, com aumento de idade
mínima e desvinculação do reajuste das aposentadorias do
ajuste do salário mínimo. Você poderia comentar quais são as
medidas que estão sendo estudadas e qual a avaliação que faz
sobre elas?






Eduardo Fagnani: Somos um dos países mais desiguais do planeta
e seremos campeões mundiais em exigências para aposentadoria.
Entre as medidas ensaiadas está a desvinculação do reajuste
dos benefícios ao piso do salário mínimo. Revisitaremos
práticas da ditadura militar, quando o governo corrigia os
benefícios previdenciários abaixo da inflação, o que corroía
sistematicamente o poder de compra dos aposentados. Para
enfrentar essa injustiça, os constituintes de 1988 instituíram
a exigência de que nenhum benefício seria inferior ao piso do
salário mínimo. Com a reforma Temer-Meirelles, os reajustes da
Previdência voltarão a ser corrigidos pela inflação ou por um
índice arbitrário fixado pela área econômica, que certamente
será inferior à inflação. Em poucos anos, o poder de compra
dos aposentados pode regredir significativamente. Como
consequência, os gastos da Previdência serão reduzidos e
recapturados para a gestão da dívida pública.



Outro item da reforma Temer-Meirelles é exigir para todos os
tipos de aposentadoria a idade mínima de 65 anos e 35 anos de
contribuição. Essa regra se aplicaria às mulheres – que,
atualmente se aposentam com 60 anos de idade – e para a
previdência rural – que, hoje, exige idade mínima de 60/55
anos (homem/mulher). A visão fiscalista não considera a
especificidade da inserção da mulher na sociedade e no mercado
de trabalho, nem as enormes heterogeneidades da zona rural
brasileira. Como se sabe, mais de 70% da pobreza extrema está
situada na zona rural do Nordeste. Temer-Meirelles querem
aplicar àquela zona rural nordestina o mesmo padrão de idade
que é exigido hoje na Dinamarca.



Também existe a intenção de transformar a Previdência Rural em
benefício assistencial, com a intenção de fixar o valor desse
benefício abaixo do piso do salário mínimo e sem regras
definidas para a correção monetária. O mesmo deve acontecer
com um benefício da assistência social, o Benefício de
Prestação Continuada, que atende 4 milhões de famílias cuja
renda familiar per capita é inferior a ¼ de salário mínimo.



A reforma Temer-Meirelles parece não respeitar sequer os
direitos adquiridos. O ministro da Fazenda e da Previdência
afirmou que direito adquirido seria "um conceito impreciso",
sinalizando que seria necessário incluir na reforma os
contribuintes que já estão no mercado de trabalho.



Correio da Cidadania: Como encara os argumentos, inclusive de
alguns setores progressistas, que de fato veem um problema
explosivo à frente com respeito às contas da Previdência, em
face do envelhecimento da população do Brasil, que já se faz
evidente?



Eduardo Fagnani: A experiência de países desenvolvidos revela
que a reforma da Previdência tem por objetivo aperfeiçoar o
sistema para enfrentar as transformações demográficas. Nesses
países, os direitos adquiridos são preservados. O acréscimo na
idade para a aposentadoria é gradual ou passa a valer para as
novas gerações que estão entrando no mercado de trabalho. Em
algumas nações, a idade de 67 anos será implantada num
horizonte temporal mais amplo.



Na Alemanha, por exemplo, a idade mínima para se aposentar
será gradualmente aumentada de 65 para 67 anos até 2029.
Seguindo a experiência internacional, o Brasil também deve
promover mudanças graduais no sistema de pensões para
ajustar-se ao envelhecimento da população.



É preciso alertar, no entanto, que reconhecer a necessidade de
reformas não implica aceitar o fatalismo demográfico muito
difundido pelos idealizadores da reforma. Por outro lado, os
ajustes devem ser fruto de amplo debate entre trabalhadores,
empresários e governos, sempre com o objetivo de buscar
aperfeiçoar o sistema. Nesse processo, não se pode perder de
vista o fato de que a Previdência Social é um dos pilares da
proteção social brasileira. Ela beneficia direta e
indiretamente mais de 90 milhões de pessoas (uma família com
três membros) e tem efeitos importantes na redução da pobreza
e da desigualdade social.



Entretanto, a reforma Temer-Meirelles não considera a questão
social e não tem por objetivo aperfeiçoar o sistema. O
propósito, unicamente fiscalista, é destruir o legado de 1988,
para recapturar cerca de 8% do PIB conquistado pelos
movimentos sociais das décadas de 1970 e 1980.



Ao colocar a Previdência dentro do Ministério da Fazenda –
fato inédito no mundo –, os detentores da riqueza deixam claro
que não precisam mais de intermediários. Não há necessidade
sequer de ministro da Previdência. A própria Fazenda vai
completar o serviço que tentam fazer desde 1989. Trata-se aí
de disputar recursos. O capital quer de volta a parcela
capturada pela sociedade há trinta anos.



É paradoxal que a reforma da Previdência seja vendida como
"solução" para os problemas fiscais de curto prazo. Se o
objetivo for aperfeiçoar o sistema, ela somente terá impactos
fiscais no longo prazo. Mas se o objetivo for obter efeitos
imediatos, nesse caso deve-se prever radicalismo predatório e
total desrespeito aos direitos adquiridos.





Correio da Cidadania: O que você poderia comentar também sobre
a Previdência dos servidores públicos, no que diz respeito aos
argumentos que vêm sendo arrolados para a sua reforma e o
sentido que possuem momento atual?



Eduardo Fagnani: A Reforma da Previdência do Setor Público
Federal já foi feita. Ela foi iniciada no Governo FHC (EC
20/1980); começou a ser regulamentada no início do governo
Lula (PEC 41/2003); e foi aprovada no governo Dilma Rousseff
(Lei 12.618/2012), com validade para os servidores que
ingressarem no serviço público após a aprovação da lei que
introduziu o "regime de capitalização" baseado na
"contribuição definida". As regras são exigentes, se se
considera o quadro internacional (65 anos de idade e 35 anos
de contribuição). Os efeitos na redução dos gastos serão
sentidos daqui a 30 anos. O que mais eles querem fazer?
Aumentar a exigência de idade para 67 anos? Também seremos
campeões mundiais nesta categoria?



Correio da Cidadania: Diante da situação em que está o país,
quais seriam as medidas econômicas mais adequadas, a seu ver,
para combater e contornar o déficit fiscal e ao mesmo tempo
enfrentar a crise econômica, de forma a começar a inverter a
curva recessiva?



Eduardo Fagnani: A medida principal e mais eficaz é fazer
crescer o Brasil, fazer crescer a economia. Com a economia em
queda livre, é impossível ter êxito em algum ajuste fiscal. O
declínio da arrecadação é sistematicamente superior ao corte
das despesas. O crescimento da economia exige ampliação de
investimentos e reforço do papel dos bancos públicos nos
financiamentos de longo prazo. A ampliação do déficit no curto
prazo seria compensada com o crescimento das receitas públicas
no médio prazo. Mas, aqui, as tradicionais políticas
anticíclicas passaram a ser criminalizadas. O "impeachment de
Keynes", ressaltado pelo Senador Lindbergh Faria (PT-RJ), está
em marcha.



O crescimento econômico requer, pelo menos, tornar flexíveis
os fundamentos doutrinários consubstanciados no tripé
macroeconômico, seguindo-se a vasta experiência internacional.
"Bandas" para a meta de superávit fiscal, excluir
investimentos do cálculo da meta do superávit primário,
ampliar o ano-calendário do Regime de Metas de Inflação,
realizar o cálculo da inflação pelo núcleo de preços (proteção
contra choques conjunturais de oferta), estabelecer duplo
mandato do banco central (estabilidade de preços e emprego) e
controle do câmbio são exemplos de medidas adotadas por
diversos países, antes mesmo da crise financeira de 2008.
Aqui, caminhamos na direção contrária. Temer-Meirelles querem
aprofundar a gestão ortodoxa do tripé.



O crescimento e o ajuste fiscal também requerem redução da
taxa de juros que transferiu para os detentores da riqueza R$
500 bilhões em 2015 (equivalente a mais de 50 anos de gastos
federais em saneamento, por exemplo). Não existem
justificativas técnicas para que o Brasil (com dívida bruta de
66,2% do PIB) pague 8,5% de juros, enquanto que a Grécia,
literalmente quebrada, com dívida bruta/PIB quase três vezes
superior (197% do PIB), pague menos da metade (4,2% do PIB).
Por que não impõem tetos para despesas com juros?



O ajuste fiscal pode ser obtido pela radical revisão da
política de isenções fiscais para setores econômicos
selecionados e famílias de alta renda. Essa política retira R$
280 bilhões anuais dos cofres da União. Isso significa que
anualmente o governo federal simplesmente abre mão de
arrecadar 25% das suas receitas.



O combate ao déficit fiscal também requer fortalecer o Estado
para combater a sonegação de impostos que, segundo estudos do
Banco Mundial, atinge 14% do PIB (cerca de R$ 800 bilhões
anuais deixam de ser arrecadados). Na mesma perspectiva,
coloca-se a necessidade de cobrar a dívida ativa, cujo estoque
supera a cifra de um trilhão de reais. Estudos recentes
revelam que apenas 135 pessoas físicas e jurídicas devem mais
de R$ 370 bilhões ao fisco.



Finalmente, o ajuste fiscal pode ser viabilizado mediante uma
reforma tributária que incida sobre lucros, dividendos,
heranças e patrimônio. Estudos realizados por Rodrigo Orair e
Sergio Gobetti, pesquisadores do IPEA, revelam que 71 mil
cidadãos, cujos rendimentos atingiram R$ 297,93 bilhões em
2013 (renda per capita de R$ 4,170 milhões por ano), pagaram
de impostos apenas 6,51% de sua renda. Isto ocorre porque
65,8% da renda total são rendimentos considerados isentos e
não tributáveis pela legislação brasileira do Imposto de Renda
(IR), como é o caso dos lucros e dividendos, por exemplo.



Esse grupo de contribuintes, que representa 0,3% do total de
contribuintes do IR (0,05% da população economicamente ativa),
foi responsável por 14% de toda a renda declarada pelos
contribuintes ao fisco (mais de 26 milhões de pessoas
apresentaram declaração de imposto de renda no ano
considerado).



Portanto, do ponto de vista técnico, existem alternativas. Mas
a questão é política e reflete a correlação de forças
favoráveis aos detentores da riqueza, dentro e fora do
governo.



Correio da Cidadania: O que se pode esperar das medidas do
governo como resposta à crise que continua a paralisar o país
e provocar desemprego? Como enxerga a economia do país a curto
e médio prazos?



Eduardo Fagnani: O objetivo não é crescer e gerar emprego.
Isso é conversa para boi dormir. O objetivo é "colocar a
inflação no centro da meta" pela manutenção das taxas de juros
elevadas e pelo aprofundamento do ajuste fiscal (corte de
despesas não financeiras). Isso limita o crescimento,
aprofunda o desemprego e a queda da renda do trabalho. Por sua
vez, a degradação do mercado de trabalho é funcional para
combater a inflação. Desde 2013, diversos economistas liberais
alertam sobre a dificuldade de reduzir a inflação com pleno
emprego. Era preciso demitir, profetizavam.



Mas a recessão tem outras serventias. Desde 2015, ela tem sido
eficaz para realimentar a crise política e insuflar as ações
golpistas e antidemocráticas em curso. Ademais, ela é
funcional para rebaixar os custos trabalhistas, liquidar em
poucos anos o legado social dos governos petistas, construído
por mais de uma década, criminalizar quaisquer políticas
distributivas (declaradas "populistas", "irresponsáveis" e
"bolivarianas") e, por consequência, todos os partidos
políticos e movimentos de esquerda.



A recessão também é funcional para implantar o Estado Mínimo
liberal, pois “não há alternativa” a não ser o severo corte de
gastos "obrigatórios" nas políticas sociais universais,
liquidando com a ordem social instituída pela Constituição de
1988, uma oportunidade para que os rentistas concluam, em
poucos anos, o serviço que vêm tentando fazer desde a
Assembleia Nacional Constituinte dos anos de 1980. Nessa
linha, não se recomenda crescimento. Por que crescer? Talvez
se observe algum esforço socialmente benéfico a partir do
final de 2017, para tentar ganhar as eleições de 2018.



In
CORREIO DA CIADANIA
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11781:2016-06-28-23-40-33&catid=34:manchete
28/6/2016

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