quinta-feira, 30 de junho de 2016

Resgistro histórico: o Brasil de ontem e de hoje - golpe parlamentar em Santo André***

Comunistas na Prefeitura de Santo André

Carlos Alberto Batista

O dia 1º de janeiro de 1948 estava para entrar na história de Santo André. Democraticamente eleitos pelo voto livre e secreto, iriam tomar posse 13 vereadores e um prefeito que haviam feito toda a sua campanha eleitoral como “os candidatos de Prestes”. O então secretário do Partido Comunista - mais uma vez proscrito- não só sabia da utilização de seu nome, como havia autorizado que isto acontecesse e veio até a cidade após as apurações (acompanhado de Diógenes Arruda, Maurício Grabois e Gregório Bezerra) para participar de uma churrascada comemorativa.
Cerca de 15 dias antes da posse, todos os “candidatos de Prestes” têm seus mandatos cassados pelo Tribunal de Justiça Eleitoral, o mesmo que pouco tempo antes havia emitido o diploma legal que lhes garantia a posse pelo Partido Social Trabalhista. Em 1º de janeiro centenas de pessoas compareceram à Câmara, para ver empossados aqueles que haviam eleito. Mas, a polícia que também estava presente para garantir a posse dos que os substituiriam - indicados também pelo Tribunal. Resultado: uma batalha campal entre a população, “os candidatos de Prestes” e a polícia, que durou cerca de três horas e deixou muitos feridos.
A campanha desenvolvida, então, foi encarada com tal importância, que até uma das maiores figuras comunistas da época, Gregório Bezerra, deslocou-se para Santo André e participou intensamente de sua realização, dormindo na casa de Guillen [um ativista e liderança do movimento operário]. Todos os candidatos saíram às ruas e sua principal tática eram os comícios nas portas de fábricas.
Nelas apresentavam-se como “os candidatos de Prestes”, utilizando o nome do secretário geral com sua autorização prévia. A plataforma básica consistia dos seguintes itens: melhores condições de vida (abrangendo salários, condições de trabalho, férias, jornada de oito horas, semana de cinco dias e remuneração das horas extras), solidariedade contra a guerra, paz, petróleo e legalidade para o Partido Comunista.
Guillen salienta que eles sempre eram recebidos simpaticamente pelos operários, “tanto que nos elegeram”. A pichação era assim: “vote nos candidatos de Prestes. Para prefeito Armando Mazzo. Para vereador ...”, sendo as reticências preenchidas pelo nome do candidato que havia pintado a propaganda. Também eram distribuídos panfletos - impressos em São Paulo, na gráfica do partido - e realizadas manifestações em frente à estação ferroviária.
Existia também um carro alegórico, assim descrito por Guillen: “Um caminhão cheio de altofalantes que divulgava nossa plataforma e nomes. Na carroceria foi montado um enorme tubarão de cartolina, tendo em seus dois lados a seguinte inscrição: para matar o tubarão, votem nos candidatos de Prestes [referência ao domínio de classe burguês]. Mas, o principal eram os comícios nas portas de fábrica”, complementa.
As eleições transcorreram normalmente, contando ainda com a participação de outros partidos além do PST: PDC, PSP, PTB, UDN (os mais fortes na opinião de Guillen), PTN, PR e PSB. Nem todos tinham candidato a prefeito. O PDC tinha Antonio Flaquer que acabou substituindo Armando Mazzo, os “candidatos de Prestes” eleitos vereador foram os seguintes: Miguel Gillen, Marcos Andreotti, Carmem Savietto, João Sanches, Waldomiro Ament, Armelinda Bedin, José Gualberto, José Benedito, Iguatemy Lopes de Oliveira, Paulo Cervin, Vicente Bistratini, Francisco Siedler e Oswaldo Monteiro. O resultado foi comemorado com uma churrascada, que contou com a presença de Luiz Carlos |Prestes, Maurício Grabois, Gregório Bezerra e Diógenes Arruda. Algumas das maiores lideranças do Partido Comunista na época.
Para Guillen, a eleição de Adhemar de Barros para governador do Estado com os votos dos Comunistas, “aliviou por algum tempo as tensões reacionárias”. Tanto que todos os “candidatos de Prestes receberam seus diplomas do Tribunal Regional de Justiça Eleitoral. Guillen nota que isto significava o aval oficial para a posse, de acordo com a lei eleitoral de então.
A posse do prefeito e vereadores estava marcada para 1º de janeiro de 1948 e tudo transcorria normalmente, sem qualquer tipo de pressão. O ambiente era tão tranquilo, que a preocupação maior dos “candidatos de Prestes” era conquistar a simpatia de mais quatro vereadores, com o fim de conseguirem a maioria dentro da Câmara. As reuniões prosseguiam no Comitê Municipal de Santo André, enquanto se aguardava o dia da posse.
“Perto de 15 dias antes desta data, foram postos fora da lei os elementos eleitos, que se apresentavam como candidatos de Prestes. A coisa foi tão estranha que não chegamos a ser comunicados oficialmente do fato. Soubemos da notícia através de jornais e pelo rádio”, lembra-se Guillen.
Foi também por intermédio de outras pessoas que souberam que o Tribunal de Justiça Eleitoral estava nomeando candidatos que não tinham alcançado o mesmo número de votos para seus postos. Entre eles, Gujillen recorda-se de Valdemar Matei, Octaviano Gaiarsa e Henrique Poletto e até um certo Albino da Rocha, que residia em São Paulo.
Ele nota que em Santo André foi apenas cassado o registro, sem perseguição de um modo geral. Apenas a direção e alguns filiados com maior projeção, que tiveram que refugiar-se em outras cidades. Alguns não retornaram mais a Santo André.
“No dia 1º de janeiro dirigimo-nos à Câmara, que ficava então na rua Alfredo Flaquer, para ver o que acontecia. O povo e os trabalhadores compareceram maciçamente para assistir a posse dos candidatos de Prestes, mesmo sabendo que tínhamos sido cassados. Eram mais de mil pessoas em frente ao prédio da Câmara e este número poderia ter sido maior caso tivessem feito alguma convocação”, o que Guillen jura que não aconteceu.
Guillen não sabe quem chamou a repressão. Acredita que tenha vindo a mando do governo estadual, “com medo dos 13 vereadores e do prefeito comunista”. Mas o fato é que a cavalaria já havia tomado conta da cidade e caminhões com tanques cheio de água estavam espalhados em pontos considerados “estratégicos”. Além disso, nas ruas Siqueira Campos, Senador Flaquer e Fernando Prestes era grande o contingente de policiais acompanhados de cachorros.
“O povo, concentrado, queria a posse dos cassados e os policiais impediam as aglomerações. Mas quando começaram a gritar nossos nomes, a reação desceu com tudo o que tinha. O povo fugiu pela Fernando Prestes e Oliveira Lima. A polícia veio atrás. Eles batiam em todos que encontrassem pela frente e recebiam tijoladas de volta. Várias mulheres chegaram a atracar-se com policiais. Tudo isso acontecia, enquanto os vereadores e o prefeito recém empossados assistiam impassíveis a luta”.
De acordo com Guillen, apenas um vereador manifestou-se neste dia contra a cassação. Foi Anacleto Campanella, que depois seria prefeito de São Caetano. Ele teria dito que se orgulhava de ter sido eleito pelo povo e não pelo Tribunal, acrescentando que ocupava um lugar que a população lhe conferia, mas tinha gente ocupando o lugar de vereadores eleitos pelo povo.
Guillen calcula que foram três horas de verdadeira batalha campal, que não deixou nenhum morto, mas fez vários feridos. No final o povo terminou por espalhar-se e a polícia impedia a formação de grupos. Alguns policiais dirigiam-se à resid~encia de Guillen -que se escondia em outro local, onde ficou três dias- e dispararam suas armas várias vezes em direção do teto e da parede “para assustar”.
Armando Mazzo tgeve o fornecimento de água da sua casa cortado e passou a sofrer vários tipos de pressão – como não conseguir emprego- até que se viu obrigado a mudar de Santo André. O mesmo destino foi tomado por outros companheiros de Guillen. Alguns ainda ficaram na cidade, mas abandonaram a militância política. “Durante uns dois ou três anos, a cavalaria continuou tomando conta da cidade. Depois, acalmou um pouco. Mas até o final do mandato de Adhemar a ordem dada aos policiais era esta: conversou com comunista, vai preso”, finalizou Guillen.

In
DIÁRIO DO GRANDE ABC
3/12/1982

*** No tempo referente a essa narrativa Santo André era a cidade mais importante do denominado ABC Paulista, uma das mais importantes aglomerações industriais do país. A sigla ABC é uma alusão às cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul. Mas, de fato, à época a designação já abarcava mais do que essas cidades, as quais cosntituíam uma conurbação na Grande São Paulo. A região, particularmente Santo André, tinha uma tradição de organização e lutas operárias que remontava ao fim do século XIX, quando ao que parece, os canteiros deflagraram a primeira greve sob o regime do capital. Assim, não foi por caso que tenha sido nessa região que nos anos 1970 e 1980 tenha emergido o Partido do Trabalhadores e muitas lideranças sindicais, dentre as quais a mais notória foi Luis Inácio Lula da Silva.

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