quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Nota de falecimento: a engenharia nacional morreu


Mauro Santayanna

A Engenharia Brasileira está morta. Será cremada no altar da Jurisprudência da
Destruição, do entreguismo e da ortodoxia econômica. Suas cinzas serão
sepultadas em hora e local a serem anunciados no decorrer deste ano de 2017.
Em qualquer país minimamente avançado, a engenharia é protegida e reverenciada
como o outro nome do poder, da prosperidade e do desenvolvimento. Não há países
que tenham chegado a algum lugar sem apoiar soberana e decisivamente sua
engenharia.
Assim como não existem nações que tenham crescido econômica e geopoliticamente
sabotando, inviabilizando, destruindo, execrando, ensinando seu povo a
desprezar, odiar e demonizar essa área, seus técnicos, trabalhadores, suas
empresas, projetos, líderes e empresários, como o Brasil está fazendo agora.
Sem engenharia, os soviéticos não teriam derrotado a Alemanha nazista, com suas
armadilhas para Panzers e seus portentosos tanques T-34. Nem enviado o primeiro
satélite artificial, o Sputnik, para a órbita terrestre, nem feito de Yuri
Gagarin o primeiro homem a viajar pelo espaço.
Sem engenharia, os Estados Unidos não teriam construído suas pontes e
arranha-céus, monumentos inseparáveis da mística do american way of life no
século 20. Nem produzido a primeira bomba atômica, ou chegado à lua em menos de
10 anos, a partir do desafio estabelecido pelo presidente John Kennedy em 1961.
Desde a consolidação do Império Britânico, ela mesma filha direta, dileta, da
Revolução Industrial inglesa; desde a substituição de importações pelos Estados
Unidos após a independência, e pela URSS, depois da Revolução de Outubro de
1917, o mundo sabe: não existem nações dignas desse nome que consigam responder
a questões como para onde avançar, como avançar, quando avançar, sem a ajuda da
engenharia.
Como fez Juscelino Kubitschek, por exemplo, com o binômio “Energia e Transporte”
e seus “50 anos em 5”, e os governos militares que – embora o tivessem combatido
e perseguido em várias ocasiões – o seguiram na adoção do planejamento como
instrumento de administração pública e no apoio a grandes empresas brasileiras
para a implementação de grandes projetos nacionais.
Empresas e grupos que estão sendo destruídos, agora, pelo ódio, a pressão e a
calúnia, como se tivessem sido atingidos por uma devastadora bomba de nêutrons.
Com a maior parte de seus executivos presos em algum momento, as maiores
empreiteiras do país foram levadas a avalizar a transformação de doações legais
de campanha e de caixa dois em propina – retroativamente, nos últimos três anos.
A aceitar, na ausência de provas cabais de pagamentos de corrupção na escala
bilionária apresentada pela imprensa e aventada pelo Ministério Público a todo
momento, a imposição de multas punitivas “civis” a título de nebulosas
“indenizações por danos morais coletivos” da ordem estratosférica de bilhões de
dólares.
A render-se a discutíveis acordos de delação premiada impostos por uma operação
que já acarretou para o país – com a desculpa do combate à corrupção – R$ 140
bilhões em prejuízo, a demissão milhares de trabalhadores, a interrupção de
dezenas de projetos na área de energia, indústria naval, infraestrutura e
defesa, a quebra de milhares de acionistas, investidores e fornecedores.
Diante de tudo isso, não podemos fazer mais do que comunicar o falecimento da
engenharia brasileira, famosa por ter erguido obras pelo mundo inteiro, de
rodovias no deserto mauritaniano a ferrovias e sistemas de irrigação no Iraque;
passando pela perfuração de galerias e túneis sob as montanhas dos Andes; pelo
desenvolvimento de sistemas de resfriamento contínuo de concreto para a
construção de Itaipu; ou pela edificação de enormes hidrelétricas na África
Subsaariana.
A engenharia nacional está perecendo. Foi ferida de morte por um sistema
judiciário que pretende condenar, a priori, qualquer contato entre empresas
privadas e o setor público, e desenvolveu uma Jurisprudência da Destruição de
caráter descaradamente político, que não concebe punir corruptos sem destruir
grandes empresas, desempregar milhares de pais de família, interromper e
destroçar dezenas de projetos estratégicos.
Um sistema judiciário que acredita que deve punir, implacável e estupidamente,
não apenas as pessoas físicas, mas também as jurídicas, não interessando se
esses grupos possuem tecnologia e conhecimento estratégicos, desenvolvidos ao
longo de anos de experiência e aprendizado, se estão envolvidos em projetos
vitais para o desenvolvimento e a segurança nacional, se deles dependem, para
sobreviver, milhões de brasileiros.
A engenharia brasileira faleceu, com seus escritórios de detalhamento de
projetos, suas fábricas de bens de capital, seus estaleiros de montagem de
navios e plataformas de petróleo fechados, suas linhas de crédito encarecidas ou
cortadas, seus ativos vendidos na bacia das almas e seus canteiros de obras
abandonados.
E o seu sepultamento está marcado para algum momento de 2017.
Será sacrificada no altar da estúpida manipulação midiática de factoides
econômicos, com atitudes desastrosas como a antecipação suicida pelo BNDES – em
plena recessão – do pagamento de R$ 100 bilhões ao Tesouro. Um dinheiro que
poderia ser imediatamente aplicado em infraestrutura, vai em troca de uma
insignificante, irrelevante, pouco mais que simbólica redução de 1% na dívida
pública, quando, sem fazer alarde, os dois últimos governos reduziram a Dívida
Nacional Bruta de 80% em 2002 para 67% em 2015, e a Dívida Líquida de 60% para
35% no mesmo período, pagando US$ 40 bilhões devidos ao FMI, e economizando mais
de US$ 370 bilhões em reservas internacionais nos anos seguintes.
A engenharia brasileira está será sepultada, ou cremada, porque não pode mais
sobreviver, a longo prazo, em um país que aceitou aumentar os gastos públicos
apenas pelo índice de inflação do ano anterior, durante os próximos 20 anos,
engessando estrategicamente o seu desenvolvimento, com uma imbecil e limitante
camisa de força, enquanto outros países e regiões, como os Estados Unidos e a
Europa, muito mais endividados – e desenvolvidos – do que nós, continuarão a se
endividar, a se desenvolver e a se armar cada vez mais, já que seu discurso
neoliberal e ortodoxo só serve para enganar e controlar trouxas de terceira
categoria como os nossos, e quase nunca é aplicado no caso deles mesmos.
Esse hipócrita discurso para trouxas não é apenas econômico, mas também
jurídico. E nesse caso, gera ganhos reais, que vão além da eliminação ou
diminuição da concorrência de potenciais competidores em campos como o da
engenharia.
Da estratégia geopolítica das nações mais poderosas do mundo, não faz parte
apenas fortalecer permanentemente a sua própria engenharia e suas maiores
empresas, mas, também, sabotar as empresas e a engenharia de outros países,
usando desculpas de diferentes matizes, que são repetidas e multiplicadas pela
mídia sabuja e babosa desses mesmos lugares.
Não é outra coisa o que os Estados Unidos fazem por meio de órgãos como o
Departamento de Justiça e de iniciativas como o próprio Foreign Corrupt
Practices Act, sob o manto do combate à corrupção e da proteção da concorrência.
Leniente com suas próprias companhias, que não pagam mais do que algumas dezenas
de milhões de dólares em multa, os Estados Unidos costumam ser muito mais duros
com as empresas estrangeiras.
Tanto é que da lista de maiores punições de empresas pelo Departamento de
Justiça dos Estados Unidos por corrupção em terceiros países – incluídos alguns
como Rússia, que os Estados Unidos não querem que avancem com apoio de grupos
europeus como a Siemens – não consta nenhuma grande empresa norte-americana de
caráter estratégico.
A Lockheed Martin e a Halliburton, por exemplo, pagaram apenas uma fração do que
está sendo imposto como punição, agora, à Odebrecht brasileira, responsável pela
construção do nosso submarino atômico e do míssil ar-ar da Aeronáutica, entre
outros projetos, que deverá desembolsar, junto com a sua subsidiária Braskem,
uma multa de mais de R$ 7 bilhões, a mais alta já estabelecida pelo órgão
regulador norte-americano contra uma empresa norte-americana ou estrangeira.
In
BRASIL247
http://www.brasil247.com/pt/colunistas/maurosantayanna/272534/Nota-de-falecimento-a-engenharia-nacional-morreu.htm
28/12/2016

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