segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

      Uma aldeia andaluza ***


       por Mohamed Belaali 


       "Avenida da Liberdade", "Rua Ernesto Che Guevara", "Praça Salvador
      Allende, "Paz, Pão e Trabalho", "Desliga a TV, acende a tua mente", "Uma
      utopia rumo à Paz", etc são os nomes de ruas, de praças e dos slogans de
       uma aldeia andaluza não longe de Córdoba e de Sevilha que o visitante
      estrangeiro descobre no fim de uma estrada sinuosa em meio a campos de
      oliveiras, de trigo cortado e seco ao sol.
       A rua principal da pequena aldeia com cerca de 3000 habitantes conduz
       directamente ao  ayuntamiento  dirigido por Juan Manuel Sánchez Gordillo,
      que ganhou todas as eleições por uma ampla maioria e isto desde há mais de
       trinta anos.
       Juan Manuel é um homem simples que recebe os visitantes no seu gabinete,
       que ostenta um grande retrato de Ernesto Che Guevara, espontaneamente e
       naturalmente sem agendamento nem protocolo. Ele não hesita em deixar o
       seu gabinete para mostrar as casas brancas situadas em frente ao edifício
      e construídas colectivamente pelos próprios habitantes em terras
      oferecidas quase gratuitamente (15,52 euros por mês) pela comuna. Esta põe
      igualmente à sua disposição a ajuda de um arquitecto e de um
      mestre-de-obras. A região contribui com o grosso do material de
      construção. Promotores imobiliários, especuladores e outros parasitas não
      têm aqui lugar. A habitação deixa assim de ser uma mercadoria e torna-se
      um direito.
       Juan Manuel fala com entusiasmo e orgulho das numerosas realizações dos
      habitantes do seu município, com números e gráficos para confirmar.
       O empregado do café "La Oficina", um pouco afastado do  ayuntamiento, 
      relativiza um pouco as afirmações daquele dirigente mas confirma, no
      essencial, os avanços sociais da aldeia, nomeadamente a concessão dos
      terrenos àquelas e àqueles que precisam de uma habitação, primeira
      preocupação dos espanhóis. Ele confirma também a ausência total da
       polícia, símbolo da repressão estatal. Com efeito, os habitantes não
      experimentam qualquer necessidade de recorrer aos seus "serviços". Aqui os
      problemas de criminalidade, de delinquência, de vandalismo, etc estão
      ausentes. Eles pensam gerir e resolver eles próprios os problemas que
      possam surgir entre si. De qualquer forma, desde a partida para a reforma
      do último polícia, não consideraram útil substituí-lo.
       Frente ao "La Oficina" ergue-se um edifício sobre o qual se pode ler
      "Sindicato de Obreros del Campo" e "Casa da Cultura". Mas esta grande sala
      serve igualmente como café, bar e restaurante. É um lugar de
      inter-relacionamento, debates, festa e convivialidade. É ali também que se
      encontram, a partir da madrugada, os trabalhadores agrícolas para um
      pequeno-almoço colectivo antes de partirem juntos para uma jornada de
      trabalho de 6h30 nos campo de "El Humoso", a 11 quilómetros da aldeia.
       Esta terra andaluza, hoje trabalhada colectivamente, é testemunha de um
       passado carregado de acções, ocupações, manifestações, greves, marchas e
      processos nos tribunais. E é graças a esta luta muito dura e realmente
      popular que esta terra (1200 hectares) foi arrancada a um aristocrata da
      região, o Duque do Infantado. Nesta Andaluzia profunda as mulheres, apesar
      dos pesos sociais e dos preconceitos, desempenharam um papel determinante
      neste combate para que a terra pertença àquelas e àqueles que a trabalham.
       Hoje "estas terras não são a propriedade de ninguém e sim de toda a
      comunidade de trabalhadores", como dizem os habitantes da aldeia.
       Mas para estes operários, não se trata apenas de recuperar as terras, mas
      também de construir "um projecto colectivo no qual um dos objectivos é a
      criação de empregos e a realização da justiça social".
       Foi assim que nasceu o conjunto das cooperativas que produzem e
      distribuem uma série de produtos agrícolas de grande qualidade que exigem
      ao mesmo tempo uma mão-de-obra abundante: azeite, conservas de
      alcachofras, pimentão vermelho, favas, etc. Os produtores directos destas
      riquezas trabalham de 2ª feira a sábado com um remuneração diária de 47
      euros, qualquer que seja o seu posto ou seu estatuto. O excedente que
      resta é re-investido na empresa comum na esperança de criar mais empregos
      e permitir assim que todos trabalhem conforme o seu projecto colectivo.
      Eles tentam por a economia ao serviço do homem e não ao serviço do lucro.
      O desemprego aqui é quase inexistente, ao passo que ultrapassa os 25% da
      população activa na Andaluzia e 20% em toda a Espanha!
       Em "El Humoso" as operárias e os operários falam com uma certa emoção da
      sua cooperativa, do seu trabalho, dos seus produtos, da solidariedade e da
      convivialidade que reinam entre eles. Mas evocam igualmente o temor de ver
      a sua unidade estalar por causa dos seus inimigos que pensam ser numerosos
      na região e mesmo em toda Espanha. Nos seus relatos revela-se muita
      convicção e muita humanidade.
       Manolo, um operário da cooperativa, fala com carinho, como se se tratasse
      de uma pessoa, da máquina de extrair o azeite da azeitona, de que ele
      cuida. Não hesita em explicar o seu funcionamento, a manutenção de que
      precisa, etc a todos os visitantes. Fala igualmente com respeito do seu
      companheiro de luta, o presidente Juan Manuel que considera como "el
      ultimo" desta categoria de homens capazes de arrostar um tal desafio e de
      conjugar num mesmo movimento pensamento e prática. Manolo evoca também a
      vida ascética do autarca da aldeia, as prisões e as perseguições judiciais
      que sofreu e o atentado do qual escapou. Com insistência, Manolo convida o
      visitante a retornar à cooperativa no mês de Dezembro ou Janeiro para
       admirar o trabalho de extracção do azeite.
       Mas na aldeia não há nem hotel nem pensão para uma eventual estadia.
      Entretanto, a municipalidade põe graciosamente à disposição dos visitantes
      pavilhões os quais podem igualmente, se quiserem, partilhar o alojamento
      de alguns habitantes por uma quantia simbólica como em casa de António na
      avenida principal da aldeia. António acolhe calorosamente seus convidados
      com os quais gosta de falar da originalidade da sua aldeia e parece feliz
      por viver ali: "agora, dizia ele, vivemos em harmonia aqui".
       Vivem igualmente em harmonia com os habitantes da aldeia os trabalhadores
       imigrdos, também eles contratados pela cooperativa de "El Humoso".
      Segundo diz o empregado do café da delegação sindical estes homens e
      mulheres fazem parte integrante da comunidade dos trabalhadores e
      participam como os outros nas decisões tomadas em assembleias-gerais. Com
      efeito, estas famosas assembleias fazem-se numa grande sala junto à
      delegação sindical onde ao lado das cadeiras brancas de plástico há toda
      espécie de louça e de toalhas armazenadas, provavelmente à espera de uma
      próxima festa popular. A sala é também ornamentada por um imenso e
       esplêndido quadro no qual se podem ver homens e mulheres em linhas
       cerradas antecedidos por dois homens e uma mulher com uma criança nos
       braços, todos a marcharem para a mesma direcção. "Hoje às 20h30,
      assembleia-geral na delegação sindical", diz a menagem difundida
      incansavelmente por uma camioneta que percorre todas as ruas da aldeia,
      convidando os habitantes à reunião para decidir os seus assuntos.
       Eles organizam também os chamados "Domingos vermelhos" em que voluntários
      encarregam-se gratuitamente, entre outras coisas, de limpar e embelezar a
      sua comuna: manutenção dos passeios e jardins públicos, plantação de
      árvores, etc. A aldeia é não só uma das mais seguras como também a mais
       limpa da região!
       A aldeia é relativamente rica em equipamentos colectivos em comparação
      com as comunas vizinhas. Os habitantes podem banhar-se durante todo o
      Verão na piscina municipal pela módica quantia de três euros. O infantário
      para crianças não lhes custa senão 12 euros por mês, refeições incluídas.
      O complexo desportivo "Ernesto Che Guevara", bem conservado, permite-lhes
      que pratiquem vários desportos como futebol, ténis ou atletismo.
       Durante o Verão, os habitantes assistem regularmente à projecção de
      filmes ao ar livre no parque natural. Debates, conferências, filmes e
      apoio aos povos oprimidos, nomeadamente aqueles que estão injustamente
      privados do seu território, fazem parte da vida cultural e política da
      aldeia. Juan Manuel usa muitas vezes, ostensivamente, o lenço palestino.
       O desporto, a cultura, as festas etc são direitos abertos a todos, tal
       como o trabalho e a habitação. O desenvolvimento tanto material como
      intelectual de cada indivíduo é, aqui, a condição do desenvolvimento de
      todos.
       Vá a Marinaleda ver e verificar a realidade desta "utopia". Vá ao
      encontro destes homens e destas mulheres admiráveis que conseguiram
      construir, graças ao seu trabalho diário e às suas convicções – e em meio
      a um oceano de injustiças, desgraças e servidão – uma sociedade diferente.
      O capitalismo, pelas suas crises repetitivas e o perigo que representa
      para o homem e a natureza, não tem futuro. O exemplo concreto e com êxito
      de Marinaleda mostra que uma outra sociedade é possível.

      22/Agosto/2010
       Ver também:
       Sítio web oficial de Marinaleda
        Marinaleda: un modèle d'auto-gestion unique en Europe
       O original encontra-se em 
      http://www.legrandsoir.info/Un-village-andalou.html 
       Este artigo encontra-se em  http://resistir.info/ .  

In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/espanha/marinaleda.html
22/8/2010

*** MARINALEDA

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